Núcleo recém-criado conta com uma escrivã e quatro investigadores
Juíza destacou importância de se investigar tentativas de feminicídio

Atenção só a casos consumados não previne feminicídio

Alerta foi dado por comissão e entidades de proteção em visita a núcleo especializado de investigação criado em abril.

28/06/2019 - 14:02

Capacitação de agentes para um olhar mais sensível à proteção da mulher; criação de núcleos nas delegacias especializadas encarregados de acompanhar também as tentativas de feminicídio, e não só casos consumados; análises para identificar razões que têm levado ao aumento de casos, mesmo onde há rede de enfrentamento ativa e estruturada, a exemplo de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

Medidas como essas foram defendidas pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e entidades de proteção, durante visita realizada na manhã desta sexta-feira (28/6/19) às instalações do Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios.

Inaugurado em abril deste ano e contando hoje com uma delegada, uma escrivã e quatro investigadores, sendo duas mulheres, o núcleo funciona em uma sala do prédio do Departamento de Homicídios e Proteção à Vida (DHPP), no bairro São Cristóvão, em Belo Horizonte.

O objetivo da visita, solicitada pela presidenta da comissão, deputada Marília Campos (PT), foi conhecer a estrutura e o funcionamento do núcleo.

A iniciativa de se criar essa instância de atuação nos quadros da Polícia Civil foi elogiada pela parlamentar e por representantes da Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher em Minas Gerais, que, no entanto, defenderam que o Executivo atue mais na prevenção e no interior do Estado.

A preocupação surgiu após afirmação do delegado-geral Wagner da Conceição, chefe do DHPP, de que o objetivo do novo núcleo é dar mais agilidade e eficiência às investigações de crimes de feminicídio consumados em Belo Horizonte, podendo vir a apoiar o interior conforme a demanda.

Segundo ele, seu departamento já convive com um deficit significativo de pessoal e teria que aumentar em muito o seu efetivo, caso coubesse ao núcleo acompanhar, além dos crimes consumados, também as tentativas de feminicídio.

Wagner da Conceição argumentou, ainda, que as delegacias especializadas de mulheres já teriam mais expertise para acompanhar tentativas de feminicídio, pela estrutura e pelos dados que já possuem e pelos acompanhamentos que realizam. Esse entendimento acabou prevalecendo entre os presentes, apesar de críticas ao fato de o número de delegacias existentes já ser insuficiente para cobrir o Estado.

Delegacias não atenderiam demanda

A deputada Marília Campos ressaltou que a visita faz parte de uma agenda extensa que a comissão vem cumprindo para verificar o funcionamento da estrutura de proteção às mulheres e propor ações que possam tornar mais eficaz o combate ao feminicídio.

“Essa eficácia é importante para que a impunidade não estimule novos casos”, frisou, expondo um cenário de precariedade já encontrado pela comissão, uma vez que Minas possui apenas 62 delegacias especializadas de mulheres para 853 municípios, das quais somente 53 estariam funcionando.

Uma delas está em Contagem, e será visitada pela comissão nesta segunda-feira (1º/7), às 9 horas. Para Marília Campos, merece uma análise das autoridades e pesquisadores o fato de a cidade contar com toda uma rede de enfrentamento à violência contra a mulher e, ainda assim, ser líder no Estado em casos de feminicídio.

Prevenção - “Estamos em uma cortina de fumaça ao tratar só da vida que já foi suprimida, não há como falar em prevenção sem falar do feminicídio tentado”, refletiu a juíza Marixa Rodrigues, do Tribunal de Justiça do Estado.

Por outro lado, ela elogiou o Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios, por usar as diretrizes nacionais para o enfrentamento do problema estabelecidas pela ONU Mulheres. A juíza relatou ter participado do processo de sua elaboração, defendendo que toda a Polícia Civil conheça o documento para uma atuação mais sensível relacionada à proteção das mulheres.

Para a advogada Isabel Rodrigues, da Comissão Estadual da Mulher da OAB-MG, essa sensibilização, junto com a capacitação, também é essencial, uma vez que ainda haveriam casos em que crimes de feminicídio estariam sendo tipificados como ocorrências de lesão corporal.

Da mesma forma, ela disse que nas delegacias não especializadas crimes de assaltos a mão armada e de sequestro estariam merecendo maior atenção dos investigadores e agentes, em detrimento aos de violência contra a mulher.

Delegada destaca necessidade de capacitação de agentes

A delegada responsável pelo núcleo, Ingrid Estevam, reforçou que essa instância, ainda que restrita a investigar casos consumados na Capital, veio para somar forças a outros órgãos já relacionados ao feminicídio.

Contudo, ela endossou a necessidade de capacitação do conjunto de agentes que atuam na Polícia Civil, de forma que eles possam identificar características de feminicídio quando se deslocam para averiguar crimes contra a vida. A delegada sugeriu que, no futuro, essa capacitação possa ser oferecida por meio de educação a distância, facilitando a chegada desse conhecimento ao interior.

Ingrid explicou que, atualmente, a Divisão de Crimes contra a Vida do departamento, que funciona 24 horas, é a instância acionada inicialmente nos casos de morte violenta. Uma equipe é deslocada ao local, verifica a natureza do crime e então aciona o núcleo nos casos identificados como sendo de feminicídio.

Para a delegada, o fato de essa equipe inicial não ser ligada diretamente ao núcleo demonstra a importância da capacitação e do trabalho da perícia. Ela disse, no entanto, que é de conhecimento das equipes que há uma série de indícios de que mulheres podem ter sido assassinadas por questão de gênero.

Entre esses indícios, estão o uso de arma branca, presente em 60% dos casos, e lesões em partes íntimas e no rosto da vítima, estas últimas relacionadas à tentativa de denegrir a imagem da mulher.

A delegada ainda explicou que o objetivo do núcleo é prender o criminoso em flagrante e, não sendo possível, instaurar portaria para dar início imediato a oitivas e demais procedimentos para encaminhamento do caso à Justiça.

Dados - Segundo dados da Polícia Civil de 2015 até abril deste ano, a maioria das vítimas de feminicídio em Belo Horizonte está na faixa de 21 a 25 anos. A grande maioria foi identificada como parda ou negra, sendo o companheiro o autor na maioria dos casos.

O dia de maior prevalência desses crimes é a sexta-feira (21%), seguido do sábado (19%) e do domingo (17%), sendo o horário mais frequente entre 6h e 12h (39%).