Fator de segurança da barragem que se rompeu foi sendo rebaixado gradativamente desde 2017
César Grandchamp disse que radar que acusou movimentação estava em fase de teste
Funcionário que atestou barragem confirma movimento na estrutura antes do desastre

Geólogo sem capacitação atestou estabilidade de barragem

Em depoimento à CPI, funcionário da Vale que assinou declaração disse que o fez baseado na confiança em consultores.

30/05/2019 - 17:30

O geólogo da Vale César Augusto Grandchamp afirmou que o fator de segurança da barragem da Mina do Córrego do Feijão, que se rompeu em 25 de janeiro deste ano, era de 1,3 em 2017 e esse valor foi sendo reduzido até chegar a 1,09, patamar da última medição antes da tragédia.

Ele assinou a declaração de estabilidade da estrutura. Grandchamp disse, entretanto, em reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem de Brumadinho da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que não tem conhecimento técnico para avaliar a segurança de barragens e que só deu o aval porque confiava nos consultores que produziram o laudo de estabilidade.

A reunião realizada pela CPI nesta quinta-feira (30/5/19) foi mais uma da série para a qual funcionários de diversos setores da Vale têm sido convocados, a fim de prestar esclarecimentos sobre o rompimento da estrutura, que matou ao menos 242 pessoas, em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte).

César Grandchamp e outros dois funcionários da Vale presentes nessa reunião – Ricardo de Oliveira, gerente de Meio Ambiente do Corredor Sudeste; e Rodrigo Artur Gomes Melo, gerente-executivo operacional do Complexo Minerador do Paraopeba – mantiveram, na opinião dos parlamentares, a mesma postura dos convidados anteriores, que eles classificaram como “blindagem” da empresa e dos seus níveis hierárquicos superiores. Os três foram presos duas vezes, após o rompimento da barragem, mas liberados pela justiça.

De forma geral, eles classificaram como incidentes pontuais e devidamente resolvidos os problemas que a barragem apresentou desde 2017. É a mesma explicação de outros funcionários da Vale convocados anteriormente.

As investigações até agora, conduzidas tanto pela CPI quanto por outros órgãos, como a Polícia Federal, indicaram, por exemplo, que os drenos colocados para futuro descomissionamento da barragem apresentaram irregularidades. Também um radar teria indicado movimentação da estrutura, mas os funcionários da mineradora disseram que tal equipamento era complementar e não indicava a necessidade de ação imediata.

De acordo com César Grandchamp, qualquer mudança nos radares resultava em pedidos de prazo de 30 dias para que eles fossem devidamente regulados. O radar que acusou a movimentação, porém, só estava instalado há sete dias e, portanto, ainda em teste.

Isso teria motivado o geólogo a responder, por e-mail, que era necessário ter calma e “que o andor é de barro” ao funcionário que o alertou sobre as alterações. Inspeções no local não teriam corroborado os dados informados pelo radar e, por isso, tais dados foram considerados errados.

Revelações do depoimento causam desconforto nos parlamentares

Apesar das similaridades com as respostas dos funcionários que o antecederam, César Grandchamp apresentou algumas novas informações que serão úteis ao trabalho da CPI, na opinião dos deputados.

Uma delas é a de que o fator de segurança da barragem que se rompeu era, em 2017, de 1,3, o que tem sido considerado pelos parlamentares, a partir de depoimentos anteriores, o mínimo satisfatório para garantir a estabilidade da estrutura. Desde então, o valor teria sido rebaixado gradativamente. “É inacreditável como, diante de tantos ‘incidentes’ na barragem, ninguém da Vale tenha percebido que a estrutura estava em risco”, afirmou o deputado Sargento Rodrigues (PTB).

Apesar de ter notado a redução do fator de segurança, César Grandchamp assinou a declaração de estabilidade emitida pela empresa de consultoria externa Tüv Süd. Causou estranhamento nos membros da CPI, no entanto, sua alegação de que ele não tem conhecimento técnico suficiente para atestar a segurança de barragens e só ratificou o laudo porque confiava nos profissionais que o fizeram.

Sua assinatura foi dada a partir de uma “procuração” conferida a ele, uma vez que o responsável seria o gerente de Geotecnia Operacional, mas esse cargo estaria vago durante a tramitação do processo de produção do documento.

Os deputados também criticaram esse fato. “Até onde eu entendo, quem responde por uma gerência quando ela está vaga é o seu superior e não um subordinado. Não consigo entender como foi que o senhor, que estaria abaixo do gerente responsável, foi responsabilizado sem sequer ter conhecimento técnico para isso”, questionou a deputada Beatriz Cerqueira (PT).

Engenheiros negam responsabilidade sobre barragem

Os outros dois funcionários da Vale se abstiveram de qualquer responsabilidade sobre o rompimento da barragem. O gerente-executivo Rodrigo Artur Gomes Melo afirmou que o controle e o monitoramento da estrutura é de responsabilidade das Gerências de Geotecnia Operacional e Corporativa. Afirmou que sua área é responsável pela lavra e tratamento do minério, mas que não lida com barragens de rejeito.

O engenheiro afirmou que foi comunicado por uma das vítimas da tragéia, Alano Teixeira, de que a barragem não tinha risco de rompimento e que todas as ações de segurança teriam sido tomadas pela empresa. Rodrigo Melo se emocionou ao dizer que perdeu um terço de colegas de sua equipe no rompimento de janeiro. Disse que a informação que tinha é de que havia um estudo de descomissionamento para eliminar totalmente a barragem.

O gerente de Meio Ambiente, Ricardo de Oliveira, negou que tivesse qualquer informação técnica sobre a barragem. “Era uma das unidades em que ia com menos frequência”, completou. Questionado sobre o motivo de sua prisão, ele disse também desconhecer.

Ricardo de Oliveira trabalhou em Brumadinho nos três primeiros dias após o rompimento, no monitoramento da qualidade da água, na mobilização para resgate de animais e na comunicação com os órgãos fiscalizadores. Segundo ele, essas são as funções de sua gerência, executadas após uma ocorrência dessa natureza. Ao ser liberado pela justiça, foi afastado da área ambiental da mineradora.

Requerimentos – No fim da reunião, foram aprovados cinco requerimentos, dois deles pedindo esclarecimentos sobre o licenciamento da barragem à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e à mineradora Vale.

Os deputados também aprovaram a convocação de três políticos do município de Mário Campos, para darem depoimentos como testemunhas: o prefeito Elson da Silva Santos Júnior, o presidente da Câmara, Cláudio Ferreira dos Anjos, e a vereadora Andresa Aparecida Rocha Rodrigues.

A CPI também aprovou requerimento para ouvir especialista em geotecnia de barragens. Fará, ainda, uma visita à Controladoria-Geral do Estado.

Consulte o resultado da reunião.