Demanda pela retomada do trecho está incluída em Ação Civil Pública apresentada no último dia 8 pela Advocacia-Geral do Estado (AGE)
Prefeito de Ouro Preto disse que trem faz o turista ficar mais tempo na região

Região Central reivindica volta do trem de BH a Mariana

Medida seria alternativa de acesso a cidades da região, diante do risco de rompimento de barragem que fecharia a BR-356.

22/05/2019 - 22:25

Prefeitos, vereadores e outras lideranças políticas e sociais lotaram o Plenário da Câmara Municipal de Ouro Preto (Central), nesta quarta-feira (22/5/19), para reivindicar a reativação do trecho ferroviário de Belo Horizonte a Mariana, na mesma região.

O debate foi promovido pela Comissão Extraordinária Pró-Ferrovias Mineiras da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em caráter de urgência, em função do risco de rompimento de barragens da Vale que atingiriam a BR-356, que leva à região.

Atualmente, a BR-356 já tem trechos demarcados pela Vale como zona de perigo. O alerta vem, sobretudo, das barragens de Vargem Grande, com 13 milhões de metros cúbicos (m³) de rejeitos – semelhante à de Brumadinho – e de Maravilhas, com 93 milhões de m³. Mas há 14 barragens na região sem laudo de estabilidade, segundo o diretor da ONG Trem, André Tenuta.

Já o trecho ferroviário em discussão é parte da chamada Linha Mineira e passa também por Rio Acima, Itabirito e Ouro Preto, antes de chegar a Mariana. São cerca de 100 quilômetros abandonados na década de 90 pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), da Vale, e devolvidos à União.

André Tenuta detalha que há trechos com linhas e outros nos quais os trilhos foram arrancados. “A Vale teria que disponibilizar também composições de cargas e passageiros e melhorar o traçado em alguns pontos”, destacou.

AGE – A demanda pela retomada do trecho está incluída em Ação Civil Pública apresentada no último dia 8 pela Advocacia-Geral do Estado (AGE), em função do risco de interdição da BR-356. O procurado Valmir Peixoto Costa citou também a demanda pelo trem de BH a Brumadinho como outra compensação solicitada.

“A ação tem laudo da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) atestando que a rompimento da barragem de Vargem Grande inutilizaria a BR-356. Só isso já traz obrigações para a Vale”, pontuou. Segundo ele, o juiz da causa tem buscado acordo durante as próprias audiências.

Deputados pressionam Vale para a compensação

A deputada Marília Campos (PT), que solicitou a reunião, destacou que a comissão está agindo de forma preventiva, uma vez que as cidades da região podem ficar ilhadas em caso de rompimento de alguma barragem. Mas está também buscando uma reparação pelas tragédias humana, ambiental e econômica causadas pelos rompimentos de Mariana e Brumadinho.

“Queremos que os trilhos em Minas Gerais sejam ocupados também por passageiros e cargas para induzir o desenvolvimento econômico do Estado e fortalecer a vocação turística da região”, destacou.

“Somos representantes de um Poder e vamos jogar tudo nisso”, avisou o presidente da comissão, deputado João Leite (PSDB), também exigindo a retomada das ferrovias em Minas. Segundo ele, a Vale tem colocado empecilhos à retomada das operações no trecho. Um deles seria o fato de ela já não ter mais a concessão da linha.

A responsável pela Unidade Ferroviária de Minas Gerais do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Áurea dos Santos Pereira, explicou que o órgão está pronto para ceder a linha novamente à Vale, mas isso requer um entendimento com municípios aos quais foram cedidos trechos.

O deputado Gustavo Mitre (PSC), vice-presidente da comissão, lamentou o descaso das classes política e econômica com as ferrovias nas últimas décadas. “Devemos aproveitar esse momento de discussão para dar um passo inicial com o trem de BH a Mariana”, contrapôs.

Já Alencar da Silveira Jr. (PDT), 3º vice-presidente da ALMG, destacou o trabalho da comissão em favor do Estado no caso da renovação da concessão ferroviária da Vale, em andamento na União. “Precisamos dessa compensação. A Vale deve a Minas Gerais”, frisou.

Ele citou ainda o projeto “Mar de Lama nunca mais” aprovado na ALMG, com novos critérios para mineração e com a previsão de reversão de 50% das multas impostas a mineradoras aos municípios eventualmente afetados.

Prefeitos relatam consequências para os municípios

O prefeito de Ouro Preto, Júlio Pimenta, afirmou que a cidade sofre com a queda no turismo, com o desemprego e com a falta de perspectiva. “A volta da ferrovia traria um alento e poderia minimizar os impactos na região, depois de tantos lucros obtidos pela Vale”, salientou.

Segundo ele, estudos comprovam que o trem turístico que liga Mariana e Ouro Preto, mesmo operando apenas nos finais de semana, leva o turista a ficar mais tempo na região. Júlio Pimenta citou ainda que algumas minas da Vale já não operam mais em Ouro Preto e que a empresa pode deixar a cidade apenas com os problemas.

O prefeito de Mariana, Duarte Gonçalves Júnior, enfatizou a importância da diversificação do transporte na região. Ele cobrou uma resposta do Judiciário em relação à tragédia na cidade, mas também defendeu a volta das operações da Samarco, com a mineração a seco.

“A mineração responsável é necessária para o município. Sem emprego não há dignidade”, salientou, cobrando o licenciamento da atividade da empresa. Segundo o prefeito, além da falta de empregos, Mariana deixa de arrecadar mensalmente R$ 3 milhões da Samarco.

Antônio Cotta, secretário de Meio Ambiente de Itabirito, também relatou impactos na cidade e o anseio pela ferrovia. Vereadoress solicitaram a inclusão de distritos na rota do trem e salientaram a importância das ferrovias para a memória afetiva dos mineiros.

Com imagens e mapas, o engenheiro Ubirajara Baía, da ONG Trem, mostrou sua tese sobre os trens regionais que poderiam ser implantados em 65 trechos abandonados pelas concessionárias no País. Um deles é justamente o da Linha Mineira. Ele apresentou, inclusive, as sugestões de retificações de trechos sinuosos entre BH e Mariana.

“No mundo inteiro o transporte de passageiros convive com o de cargas. Mas no Brasil as concessionárias dizem que não pode”, enfatizou. Para ele, Minas perde turistas, sobretudo os estrangeiros, em função do perigo de suas rodovias.

Passageiros – Já o professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Gilberto Fernandes, lembrou o caráter coletivo das ferrovias e a economia de energia e de custo que elas trazem. Ele enfatizou, porém, que é preciso retirar o caráter turístico da Linha Mineira, em nome do atendimento de toda a população.

Hoje, o trem turístico de Ouro Preto a Mariana, que circula por 18 quilômetros, custa R$ 75,00, conforme destacou Eduardo Ferreira, morador de Ouro Preto. Ele questionou ainda pontos como quem iria operacionalizar a linha de BH a Mariana e seus impactos, já que ela passa por estação ecológica.

Vale – Rosângela Bessa, gerente de Ferrovias da Vale, afirmou que representantes da empresa estiveram atentos a tudo o que foi dito e tomaram notas que serão levadas à mineradora. A companhia foi duramente criticada por participantes da audiência.

Requerimentos – Vários requerimentos foram aprovados na reunião. Três deles solicitam audiências sobre o tema em Mariana e Itabirito e Rio Acima. Outro pede visita técnica ao Tribunal de Justiça, durante audiência da Ação da AGE.

Foi aprovado ainda envio de ofícios ao Dnit para suspender processos de concessões aos municípios de trechos da Linha Mineira, diante da intenção de retomada dessa ferrovia.