Abolição do termo violência obstétrica gera protesto
Ministério da Saúde considera expressão inapropriada e é criticado por mães, profissionais de saúde e ativistas.
20/05/2019 - 16:44A abolição, por parte do Ministério da Saúde, do termo “violência obstétrica”, foi fortemente criticada por profissionais de saúde, mães e ativistas reunidos em audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta segunda-feira (20/5/19). Com a ausência de representantes do ministério, os convidados firmaram consenso no sentido de que esse tipo de violência existe e deve ser combatido e não ignorado.
A reunião foi convocada a requerimento da presidenta da comissão, deputada Marília Campos (PT), para discutir violência obstétrica e direitos reprodutivos da mulher, depois que o Ministério da Saúde se pronunciou contrário ao uso do termo, por meio de despacho oficial divulgado no último dia 3. Na nota, o ministério afirma que o termo tem conotação inadequada, porque faz supor que haja intencionalidade do profissional de saúde no sentido de cometer abusos.
“A discussão não está na intencionalidade, o que questionamos é a concepção de parto, queremos valorizar outras experiências que não têm reconhecimento público ou financiamento, mas que respeitam a mulher”, reagiu a parlamentar, citando o Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte, como referência de instituição voltada para o parto humanizado.
Cesarianas - Como exemplo de violência obstétrica, a deputada destaca o uso indiscriminado de cesarianas, que, no Brasil, abrangem 55% dos partos, fazendo com que o País ocupe o 2º lugar no mundo nessa prática cirúrgica, conforme dados da Organização Mundial de Saúde (OMS).
“Sou mãe de três filhos, todos por cesária. Hoje, me indago se essas cirurgias foram mesmo necessárias. Desde o pré-natal a forma como a gente se submete é quase de humilhação”, criticou.
A deputada Celise Laviola (MDB) lembrou o trabalho da ex-deputada Geisa Teixeira (PT), que iniciou a discussão na comissão, e conclamou as demais parlamentares a fazerem um pronunciamento coletivo no Plenário, no próximo dia 28 de maio, Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher e Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna.
“A mulher não tem consciência da violência obstétrica, ainda vai para o parto sem saber o que pode acontecer com ela”, afirmou.
A deputada federal Margarida Salomão (PT-MG) criticou a postura do ministério. “A portaria do ministério é uma impropriedade e não tem força de lei, é apenas uma informação equivocada”, disse.
Segundo a deputada federal, a posição do Ministério da Saúde se baseia em argumentos do Conselho Federal de Medicina, pois alguns médicos teriam se sentido ofendidos com o termo, sem levar em conta que "os dados estatísticos são alarmantes: uma em cada grupo de quatro mulheres alegam ter sofrido algum tipo de violência obstétrica".
Violência obstétrica é institucional
Oferta inadequada de assistência; humilhações verbais; práticas invasivas; violência física e abordagem inadequada da dor. Esses são alguns aspectos pontuados como violência obstétrica pela médica e mestra em pediatria Ana Maria de Jesus Cardoso. A pesquisadora aponta ainda intervenções sem consentimento ou com coação, escolha de procedimentos conforme financiamento e tratamento cruel ou desumano.
Segundo ela, constrangimentos e outras violações de direitos acontecem tanto na rede pública quanto na particular. “A violência obstétrica é institucional e perpassa pela discriminação por raça, etnia, idade, status socioeconômico e não conformidade de gênero", denunciou.
“Banir o termo é péssimo, o problema só vai ser superado se jogarmos luz”, diz a médica sanitarista e diretora técnica e assistencial do Hospital Risoleta Neves, em Belo Horizonte, Mônica Aparecida Costa. Para ela, a discussão tem raiz histórica no processo de formação profissional dos médicos, cujos paradigmas devem ser rediscutidos, sem que os profissionais sejam “demonizados”.
Mateus Oliveira Marcelino, enfermeiro da Maternidade Odete Valadares, em Belo Horizonte, e representante da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras em Minas Gerais e do Conselho Regional de Enfermagem afirma que as estatísticas estão subdimensionadas. “O cenário é ainda mais ameaçador porque os comitês de ética e pesquisa estão barrando as pesquisas que denunciam violência obstétrica no nosso País”, afirmou.
Contra o desmonte do SUS
A ex-subsecretária de Regulação em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde, Wandha Karine dos Santos, adverte que a discussão está inserida numa questão maior que é a desconstrução do SUS. “Se não enfrentarmos o desmonte do SUS não vamos alcançar vitórias isoladas”, afirmou.
Diretor clínico do Hospital Sofia Feldman, João Batista Marinho de Castro Lima considerou o despacho do ministério “uma manifestação infantil de negação da realidade, que aponta para estratégias de desmontes de políticas de saúde pública”. Segundo ele, “a própria manifestação das entidades médicas é de uma superficialidade extrema”.
Ativista do grupo Parto do Princípio – Mulheres em Rede pela Maternidade Ativa, Polly do Amaral Ferreira também critica a atitude das entidades classistas.
“Assédio, machismo e violência obstétrica são comportamentos naturalizados em nossa sociedade, por isso, muitas mulheres não tomam conhecimento de seus direitos. Mas quem sofre a violência é quem tem que dar nome à situação. Se os médicos se sentem atingidos pelo termo, significa que desconhecem o momento da mulher por excelência, que passa a ser apropriado por eles”, afirmou, defendendo a regulamentação da Lei 23.175, de 2018, que tipifica a violência obstétrica.
Marcílio Dias Magalhães, subsecretário de Estado de Políticas e Ações Sociais de Saúde, reconheceu que o debate é rico, mas frisou que mais importante do que discutir o termo é debater o modelo que vai acolher a gestante e o bebê. Segundo ele, a situação financeira do Estado, muito precária, ainda não permitiu que a polêmica chegasse à secretaria. Mas se mostrou disposto a amadurecer a discussão. “O momento é de construção e nos colocamos à disposição para aprofundar o assunto”.