A população vive medo constante de uma tragédia como as ocorridas em outras cidades
Participantes denunciaram que reassentamento é tratado como uma benesse da mineradora
Segundo André Prado, atingidos são obrigadas a assinar acordos violadores de direitos
Moradores de Conceição do Mato Dentro reclamam de prejuízos por expansão de atividades de mineradora

Moradores querem suspender mineração para evacuar cidades

Empresa Anglo American não contratou assessoria externa para reparar danos e orientar população, como exigia a licença.

09/04/2019 - 23:07 - Atualizado em 10/04/2019 - 12:17

Representantes do Ministério Público Federal e Estadual e moradores de comunidades dos municípios de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas (Região Central) reivindicam que o governo suspenda as atividades da mineradora Anglo American até que a empresa cumpra uma exigência estipulada na concessão, em janeiro do ano passado, de suas licenças Prévia (LP) e de Instalação (LI) para expansão do Sistema Minas-Rio.

A demanda foi apresentada nesta terça-feira (9/4/19), em audiência realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O representante do Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema), no entanto, respondeu que não há nada que possa ser feito do ponto de vista administrativo.

O projeto integrado de mineração Sistema Minas-Rio inclui o maior mineroduto do mundo, com 529 quilômetros de extensão, que transporta o minério de Conceição do Mato Dentro ao Porto do Açu, em São João da Barra, no Rio de Janeiro, atravessando 33 cidades. Apesar do descumprimento da exigência definida, em janeiro deste ano, a empresa obteve a licença de operação da etapa 3 (step 3) do projeto.

O analista ambiental da Secretaria de Estado Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Adriano Tostes de Macedo, admitiu que a mineradora ainda não cumpriu a condicionante 39 da licença, que impõe a contratação de uma Assessoria Técnica para orientar os moradores em relação aos impactos já provocados pela mineradora e acompanhar o processo de reparação de danos e indenização dos imóveis situados abaixo da barragem de rejeito. Segundo ele, outras condicionantes foram impostas, mas também dependem da contratação da assessoria, que pode ocorrer ainda esta semana.

Adriano Macedo explicou que as próprias comunidades situadas na região de risco optaram por contratar o Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab). “Fomos mediadores, nossa preocupação foi técnica, para garantir essa assessoria”, afirmou. O analista disse que em 34 inquéritos abertos contra a mineradora, nenhum foi concluído. Ele sugere a implantação de uma instância de conciliação do Tribunal de Justiça, para que possa mediar esses conflitos históricos na região.

A realocação das comunidades que estão na zona de autossalvamento da barragem de rejeito da mineradora está prevista no Plano de Negociação Opcional (PNO), elaborado pela própria Anglo American.

Isso foi outro motivo de reclamação dos participantes da audiência, que denunciaram que nem a mineradora e nem a justiça reconhecem as mais de 800 famílias dos locais como atingidos pela barragem. De acordo com o relato de várias pessoas, o reassentamento é tratado como uma benesse da mineradora, que decidiu pela opção para “reduzir o medo da população”.

Para promotor, mineradora se aproveira do sofrimento das pessoas

A atuação da empresa foi rechaçada pelo promotor de justiça André Sperling Prado, coordenador de Inclusão e Mobilização Social (Cimos) do Ministério Público de Minas Gerais. Segundo ele, esse é um método utilizado por todas as mineradoras. “O empreendedor, o causador do dano, o violador, diz quem é o atingido e o direito que ele tem”, criticou.

Ele lembrou que pela primeira vez num licenciamento é garantido aos atingidos o direito de escolher o corpo técnico para assessorar as negociações, mas denunciou que isso está sendo desrespeitado pela Anglo American, que tem feito negociações individuais com moradores e imposto sigilo sobre as cifras acertadas.

“A Anglo se aproveita do sofrimento do atingido contra ele mesmo. Premidas pela necessidade, pelo barulho, pelo desemprego, pela desesperança, são obrigadas a assinar acordos individuais violadores de direitos”, acusou.

Elizete Pires de Sena, moradora da Comunidade do Passa Sete, distrito de Conceição do Mato Dentro, explicou que as negociações estão sendo feitas apenas pela assessoria da empresa, sem nenhuma orientação para os moradores. Ela disse que muitos são idosos ou analfabetos e, por isso, facilmente ludibriados pelos técnicos. “Nem sabem o que estão assinando e não têm dinheiro para contratar um advogado”, lamentou.

Violações de direitos são apontados por participantes

Moradora da Comunidade São José de Jassém, Ivanilde Pacifica Neves, relata que a mineradora destruiu tudo que antes havia na cidade. Poluiu o rio, comprou fazendas impedindo os pequenos lavradores a ter acesso à terra para o plantio, o que também inflacionou o preço dos produtos no mercado, e é responsável por um barulho assustador e mau cheiro horrível, além das detonações que fazem tremer as janelas das construções e causam pânico na população.

Ela afirma que a população praticamente não dorme pelo temor de um rompimento e muitos já apresentaram ou vivem em depressão. “Antes da empresa ninguém morria de fome porque a gente plantava. Estamos vivendo sem direito à vida. Hoje tudo que comemos é poluído pelo minério. A Anglo American é um monstro”, desabafou.

A integrante da Rede de Acompanhamento e Justiça Ambiental dos Atingidos do Projeto Minas – Rio, Patricia Generoso Thomaz Guerra, reclamou que a empresa vem cercando todas as áreas que tem adquirido nos municípios, deixando os moradores das comunidades ilhados em suas localidades, com acesso apenas por caminhos estreitos.

Em março de 2018, a tubulação do mineroduto Minas-Rio se rompeu em Santo Antônio do Grama (Zona da Mata), atingindo o Ribeirão Santo Antônio. O vazamento provocou o escoamento de 70% de minério de ferro e 30% de água, comprometendo, na época, o abastecimento de três mil consumidores.

Outra denúncia apresentada pelas duas participantes é em relação à rota de fuga que faz parte do plano de emergência da empresa, para casos de acidentes. Como a empresa cerca todas as suas propriedades, o escape reservado é estreito e situado num morro íngreme.

Segundo a coordenadora Estadual do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Juliana Deprá Stelzer, a barragem de rejeito da Anglo já atingiu, em quatro anos, o mesmo volume da Barragem de Fundão, que rompeu em 2015, em Mariana (Região Central). A preocupação da militante é que a vida útil prevista para a estrutura é de 18 anos, mas com a expansão licenciada terá permissão para operar por 28 anos. “A Minas-Rio é uma tragédia anunciada”, advertiu.

“As mineradoras mentem e assassinam nosso modo de vida”, avaliou a deputada Beatriz Cerqueira (PT), que solicitou e conduziu a audiência pública. 

Impunidade – O assessor do procurador da República da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de Minas Gerais, Wilson Macedo, afirmou que a violação dos direitos humanos tem sido comum na atividade de mineração do Estado. Se mostrou surpreso pelo licenciamento do empreendimento que terá uma barragem de rejeitos dez vezes maior que a de Fundão. Afirmou que o MP está atento e tem sempre movido ações.

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