A audiência pública foi coordenada por um cerimonialista autista, que trabalha em instituição mantida pela Faculdade Milton Campos
Empregar pessoa com deficiência traz engajamento de equipes, segundo Marcelo Vitoriano
Só 20% das pessoas com autismo, em condições de trabalhar, conseguem emprego

Cota eleva emprego entre autistas, mas ainda atende minoria

Mercado tem cumprido exigência de empregar pessoas com deficiência, mas apenas 2% das vagas são ocupadas por autistas.

04/04/2019 - 20:25 - Atualizado em 05/04/2019 - 12:25

A inserção de pessoas com deficiência intelectual no mercado de trabalho, em Minas Gerais, passou de 374, em 2006, para 3,7 mil, em 2017. Apesar do aumento de quase 1.000% nesse período, apenas 2% desse público está empregado.

Os números foram apresentados nesta quarta-feira (4/4/19) pela coordenadora do Projeto de Inclusão de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Estado, Patricia Siqueira Silveira, em audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Para a especialista, a dificuldade de aceitação de pessoas com deficiência nas empresas é fruto da falta de conhecimento e adaptação, percebidos desde os processos de seleção. Segundo Patrícia Silveira, 92% das vagas preenchidas por pessoas com deficiência são ocupadas apenas para cumprir a Lei 8.213/91, a Lei de Cotas, que estabelece a reserva de emprego entre 2% e 5% para empresas com mais de 100 funcionários. “Não existe inclusão sem apoio. Não basta colocar vagas, se todas são reprovadas”, afirma.

A audiência teve por finalidade debater a vida profissional das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Quebrando o protocolo, a reunião foi conduzida por Eduardo Grandi Netti, que tem o transtorno e é auxiliar administrativo do Centro Educacional de Formação Superior (Cefos). Com maestria, ele coordenou os trabalhos como um experiente cerimonialista.

O Cefos é mantido pela Faculdade Milton Campos. “O sucesso do nosso trabalho se deve porque a faculdade é uma família, somos uns pelos outros”, explicou Eduardo.

OMS - A exclusão das pessoas com autismo foi criticada por deputados que participaram da reunião. De acordo com Professor Cleiton (DC), dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) dão conta de que uma em cada 160 pessoas nascem com TEA. 

“Esses meninos e meninas são de fato especiais: o grande desafio é desenvolver essas potencialidades”, disse Professor Wendel Mesquita (SD), presidente da comissão.

O deputado Zé Guilherme (PRP) lamentou a marginalização dessas pessoas na sociedade. Para ele, as pessoas com deficiência enfrentam uma luta desigual para serem aceitas e acolhidas na sociedade. “Não é favor nenhum (a inclusão), é direito de todos e dever do Estado em assistí-los”, advertiu. 

Empregar pessoas com deficiência melhora ambiente de trabalho

O psicólogo Marcelo Vitoriano, diretor-geral da Specialisterne Brasil, organização dinamarquesa que trabalha com a inclusão de autistas, mencionou as vantagens para as sempresas de se empregar pessoas com deficiência. “Significa equidade de oportunidades, valorização dos direitos humanos, humanização das organizações. Ganha engajamento das equipes, inovação, pessoas mais felizes e, consequentemente, melhores entregas”, explicou.

Segundo Marcelo, no Brasil, cerca de 450 mil pessoas com deficiência estão trabalhando e a realidade do País tem mudado em função da legislação, que é considerada uma das mais avançadas do mundo.

Embora faltem pesquisas nacionais, dados de estudos de países como Espanha, Inglaterra e Estados Unidos apontam que apenas 20% de pessoas com autismo aptas para o trabalho estão inseridas no mercado. “Elas não precisam ser curadas, precisam de ajuda e acolhimento”, apontou.

Marcelo Vitoriano ensinou que as pessoas com TEA sem déficit intelectual são concentradas, muito detalhistas e honestas, qualidades que devem ser aproveitadas pelas organizações.

A Specialisterne chegou ao Brasil em 2015 e já emprega 75 pessoas com autismo em empresas do País. Está presente em 39 cidades de 21 países e já foi responsável por mais de mil colocações de autistas.

Asperger - A advogada e vice-presidente da Associação da Síndrome de Asperger no Transtorno do Espectro do Autismo de Minas Gerais, Cynthia de Lima Prata Abi Habib, lamentou que a maioria das empresas não consegue incluir pessoas com deficiência no ambiente de trabalho. “Ainda não podemos falar de inclusão”, lamentou.

A especialista também criticou a falta de dados estatísticos no Brasil, que seriam necessários para a política de inclusão e mesmo para melhorar o tratamento dessas pessoas.

Especialista explica sintomas

Lídia de Lima Prata, psicóloga cognitivo comportamental, explicou que a pessoa com TEA tem um cérebro que funciona de forma diferente da maioria das pessoas. Nem todos têm deficiência intelectual e também é muito variável o nível de gravidade dos sintomas.

A pessoa com autismo tem dificuldade de comunicação e interação social. Com muita frequência não olham nos olhos quando se comunicam, o que pode parecer falta de interesse. Alguns têm muita dificuldade em participar de eventos sociais e não conseguem ter “jogo de cintura”. Não entendem metáforas e, até por isso, podem ferir pela extrema sinceridade e honestidade.

Outra dificuldade das pessoas com TEA é estabelecer empatia, a capacidade de compreender emocionalmente o sentimento do outro. Diante de situações que fogem do esperado, eles podem se desorganizar e se descontrolar emocionalmente. Por outro lado, são muito detalhistas e possuem uma mente analítica e sistemática. “Quando eles se interessam por algum assunto, se tornam profundos especialistas”, afirma.

Lídia Prata explica que quanto mais cedo for feito o diagnóstico, melhor a adaptação e o tratamento.

Visita - Antes da audiência, a comissão aprovou requerimento do deputado Duarte Bechir (PSD) para uma visita ao Instituto São Rafael, já marcada para a próxima segunda-feira (8).

Consulte o resultado da reunião.