Impunidade da empresa e preocupação com comerciantes e agricultores foram temas debatidos na reunião.
“O criminoso tem que sair da cena do crime
Marcelo Klein disse que nova gestão da Vale quer construir mineração mais sustentável

Demora da Vale na reparação de danos é questionada

Comissão do Trabalho ouve atingidos, governo e representante da Vale, que apresenta plano para atender brumadinhenses.

02/04/2019 - 20:35 - Atualizado em 03/04/2019 - 11:03

Atingidos pelo rompimento da Barragem I da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte) reclamam da morosidade da Vale em ações para, pelo menos, minimizar o sofrimento da população local. Por outro lado, o representante da mineradora apresenta um protocolo de intenções no qual a empresa se compromete com a reparação integral dos danos.

Ouvidos deputados, convidados e cidadãos brumadinhenses, essa foi a principal constatação da audiência pública que a Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social promoveu nesta terça-feira (2/4/19). Solicitada pelo deputado Mauro Tramonte (PRB), a reunião que lotou o Auditório da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) teve como objetivo debater a situação dos empreendimentos atingidos pelo desastre. 

“O sentimento que temos em Brumadinho é de abandono”, lamentou o presidente da Câmara Municipal, vereador Antônio Sérgio Vieira. Segundo ele, o crime está comprovado e o criminoso, identificado. “Mas e depois disso? Nós, que fomos atingidos, não sabemos quando haverá reparação”, indignou-se.

Ele citou os projetos divulgados pela Vale, e também pelo Governo do Estado, para recuperar a economia local, mas que não se traduzem em ações. “Ouvi propostas da empresa para recuperação do comércio, mas quando isso sairá do papel? Quando todos os comerciantes falirem? E a ferrovia até Inhotim, prometida pelo governo? Nesse ritmo, o museu fecha as portas antes”, alertou.

Impunidade -  O dirigente nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andrioli, fez coro à fala e acrescentou que o impacto não é só para Brumadinho, mas para toda a bacia do São Francisco. “Além das mortes, tivemos agricultores atingidos, e com isso, toda a cadeia produtiva da agropecuária, refletindo no aumento de preços de produtos; sem falar nos danos ao turismo, comércio”, sustentou.

Na avaliação de Joceli, se esse crime ficar impune como ocorreu em Mariana (Central), a Vale terá a possibilidade de continuar praticando crimes. Ele acredita que a mineradora se utiliza de uma “estratégia de morosidade” e mesmo sendo a responsável pelo dano, ainda diz o que tem de ser feito: “O criminoso tem que sair da cena do crime. Dizer o que vai ser feito é tarefa do Estado e da justiça. Senão, vai ficar impune novamente”, criticou.

Ainda para o dirigente, o discurso da Vale de que quer resolver a situação dos atingidos de forma rápida não é verdadeiro. “Em Mariana, não cadastraram e nem repararam as pessoas corretamente. Ela trabalha com a estratégia de dividir os atingidos e de cooptar órgãos públicos”, opinou. Ele defendeu que a ALMG aprove um projeto que garanta os direitos dos atingidos.

Vale diz que quer trabalhar na reparação integral

O gerente executivo da Vale, Marcelo Klein, afirmou que atua hoje como coordenador de resposta imediata. Segundo ele, é objetivo da nova gestão trabalhar na reparação integral dos danos provocados em Brumadinho. O objetivo final, afirma ele, é de “construir uma mineração mais sustentável”.

Marcelo Klein declarou também que a empresa está concluindo a etapa de pagamento das doações emergenciais e que, após isso, inicia outras duas etapas. Uma é a contabilização das indenizações e a outra, mais complexa, um pacote de reparações para reativar a economia da região. “Não temos prazo ainda para isso”, afirmou.

Sobre os projetos, ele citou um plano para revitalização do turismo local. E disse que alguns processos de indenização já começam a andar na semana que vem.

“As demandas são muitas. E é importante que a gente consolide as propostas e as legitime com a comunidade atingida”, declarou.

Indenizações - Questionado sobre a proposta de reparação da Vale, o representante da empresa respondeu que a primeira medida, que estaria praticamente concluída, é a composição de indenizações aos setores de comércio, prestação de serviços, agropecuária, inclusive aos que exercem atividades informais. “Submetemos a proposta à Defensoria Pública, o que exige várias rodadas de negociação”, enfatizou.

A segunda parte da proposta inclui a revitalização de Brumadinho. “Ressignificação é o nosso projeto, de levar novas atividades econômicas para a cidade e fomentá-las, com o objetivo de dar normalidade à vida no município, reerguendo a economia local”, destacou.

Secretaria de Agricultura verifica segurança de alimentos

O subsecretário de Política e Economia Agrícola, João Ricardo Albanez, destacou que os órgãos da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) - Emater, Ima e Epamig – estão trabalhando desde o rompimento para levantar os danos nos municípios. “Num primeiro momento, queríamos saber se os agricultores tinham água e alimento para si e os animais e se havia estradas de acesso”, registrou.

Num segundo momento, destacou João Ricardo, a preocupação foi com a garantia da segurança dos alimentos. Foram criados planos para avaliar o nível de contaminação de alimentos, como o leite, com a avaliação de 64 propriedades em Moeda e Belo Vale. Também está sendo avaliada a piscicultura, com análise de amostras de peixes de 81 piscicultores.

Além disso, será feita a vacinação de bovinos e equinos contra raiva e botulismo, em virtude da preocupação com a contaminação desses animais, após identificada a mudança no comportamento de morcegos. 

Por fim, o subsecretário declarou que a Emater está discutindo com a Defensoria Pública valores de indenização de produtores rurais impactados pelo rompimento. “Sei que é muito pouco frente ao que ocorreu, mas a nossa determinação é de estarmos atentos e tentar trazer alento ao produtor rural”, concluiu.

Crimes da mineração impactam todo o Estado

O deputado Mauro Tramonte defendeu que os empreendimentos de Brumadinho sejam devidamente amparados, pois “são eles que geram emprego e renda para a população local”. Ele citou outras cidades que sofrem com a divulgação de risco de rompimento. “O movimento turístico de Ouro Preto caiu 80%. Em Macacos, vi o dono de um restaurante chorando porque seu estabelecimento estava vazio. Será que esses lugares vão virar cidades fantasmas? Queremos alguma solução!”, protestou.

O deputado Antonio Carlos Arantes foi mais longe. “São 20 milhões de mineiros impactados com esse crime. O movimento das pousadas está caindo. Estamos todos enlameados”, constatou. Diante dos últimos acontecimentos, ele analisou que há duas Vales: Uma que não vale e outra que tem milhares de trabalhadores e que gera riqueza e renda. “Acho que esta última tem que ser salva. Já a primeira, de criminosos que sabiam dos riscos nas barragens, esta tem que ser morta”, afirmou, defendendo que a CPI da Barragem chegue a esses criminosos.

O deputado Celinho Sintrocel (PCdoB) lembrou que a Agência Nacional de Mineração indicou 36 barragens para serem interditadas em Minas Gerais e dessas, 18 são da Vale. 

Também a deputada Beatriz Cerqueira (PT) condenou a forma como a mineradora trata os atingidos. “A história mostra que quando não punimos exemplarmente os criminosos, eles se sentem à vontade para repetir seus crimes. É isso que estamos vendo. Negociação livre com a Vale não existe. Ela tenta controlar o pós-crime”, declarou.

Consulte o resultado da reunião.