Indígenas da aldeia Naô Xohã viviam do Rio Paraopeba, mas em menos de 24 horas após o rompimento em Brumadinho, a lama de rejeitos já coloria o rio de vermelho
Deputados conheceram o modo de vida dos indígenas e constataram dificuldades enfrentadas pela comunidade

Aldeia pataxó está de luto por morte do Paraopeba

Tendo a água como o deus criador, indígenas relatam à CPI que não podem mais usar o rio para pesca, banho e plantações.

01/04/2019 - 15:17

“O que mais machuca é que a Vale não vê o rio como um atingido”. O desabafo foi feito por Ãngohó pataxó, esposa do cacique da aldeia Naô Xohã. O local, habitado por indígenas da etnia Pataxó Hã-hã-hãe, foi impactado pelo rompimento no último dia 25 de janeiro da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

A aldeia recebeu, na manhã desta segunda-feira (1º/4/19), a visita de deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem de Brumadinho. Eles foram ver de perto a situação do Rio Paraopeba antes de audiência pública marcada para esta tarde, na Câmara Municipal de Brumadinho, onde são aguardados prefeitos de mais de dez cidades também atingidas pelo vazamento da estrutura.

Distante 22 quilômetros da barragem da Mina do Córrego do Feijão, a aldeia está localizada no município vizinho de São Joaquim de Bicas (RMBH). Ocupa uma área de 327 hectares que abriga há dois anos 151 indígenas.

Até o dia do desastre, todos viviam literalmente do Rio Paraopeba. Em menos de 24 horas após o rompimento em Brumadinho, a lama de rejeitos já coloria o rio de vermelho e os indígenas já podiam ver no que se transformariam as águas até então cristalinas e com peixes sempre à vista.

“O rio é o deus que nos criou. Sem água hoje ninguém vive. Estamos sem nossos rituais nas águas, nossas crianças não se banham mais no rio, já perdemos três cachorros que tomaram essa água contaminada e não há mais peixes”, disse Ãngohó pataxo.

Entrega de alimentos e água é insuficiente

Ãngohó pataxo informou que, desde o desmoronamento da barragem, a Vale entregou cestas básicas na aldeia apenas em duas ocasiões.

“Há cinco dias, falam que vão entregar mais, estamos na espera”, informou Ãngohó. Conforme relatos feitos à CPI, ao contrário do que teria sido acertado, a água mineral que tem chegado à aldeia é oriunda de doações de voluntários e não da empresa.

Segundo a esposa do cacique, após o rompimento da barragem, a aldeia chegou a ficar 15 dias sem água própria para o consumo. Antes das doações de vasilhames minerais, a Vale fez uma ligação para captar água da Copasa. Mas, não acostumados à água clorada, muitos passaram mal, contou Ãngohó.

Ainda de acordo com ela, a empresa tem arcado com entregas diárias de 70 quilos de carne. Mas, a alimentação fornecida, segundo os relatos, não respeita os hábitos da aldeia e nem mesmo uma lista que seria indicada pelo Ministério Público Federal, em conjunto com representantes da tribo.

Diante desse quadro, garrafas pets de água mineral vazias foram encontradas à espera de coleta. E, na dispensa da aldeia, os alimentos não seriam suficientes para muitos dias mais.

“No nosso costume, quando a gente perde alguém da família o ritual é fazer o enterro. Agora estamos diante de um rio morto sem poder fazer o sepultamento”, também indignou-se Tehé pataxó, que vive na aldeia com quatro filhos pequenos e a esposa.

Demarcação - Segundo ele, a aldeia reivindica, agora, que a Vale compre o terreno ocupado pelos indígenas, que é de propriedade da mineradora Ferros, e doe a área à União para que ela finalmente demarque a terra dos pataxó na localidade.

Além da situação do rio, cuja nascente eles também disseram ter sido atingida, moradores da aldeia relataram dificuldades de documentação e de reconhecimento dos indígenas para fins de assistência social e médica após o ocorrido, havendo inclusive crianças que não estariam com as vacinas completas.

Solicitaram a visita, o presidente da CPI, Gustavo Valadares (PSDB); o relator, André Quintão (PT); o primeiro signatário do pedido de instauração da comissão, Sargento Rodrigues (PTB); a deputada Beatriz Cerqueira (PT); e os deputados Inácio Franco (PV), Cássio Soares (PSD), Noraldino Júnior (PSC); Bartô (Novo), Celinho Sintrocel (PCdoB) e Sávio Souza Cruz (MDB).

Gustavo Valadares avaliou que a visita serviu para mostrar que há diversos impactos do rompimento da barragem a serem vistos ainda pela comissão. “Muitas comunidades estão sofrendo em consequência desse terrível acontecimento”, afirmou. Já a deputada Beatriz Cerqueira disse que a forma de vida dos indígenas tem sido desrespeitada. “A Vale matou o nosso rio”, acrescentou.