Na audiência, autoridades denunciaram que funcionários da empresa estariam recomendando moradores de Citrolândia a consumir água que pode estar contaminada
Joceli Andrioli classificou como erro o fato da mineradora ser a responsável por dizer quem são as vítimas
Direito à informação não tem sido cumprido pela Vale

Vale é acusada de adiar pagamento de auxílios a vítimas

Para evitar violação de direitos, desarquivamento de PL sobre política para atingidos por barragens foi defendido.

20/03/2019 - 17:58

Não cessaram as angústias e as violações de direitos das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, de propriedade do grupo Vale, em 25 de janeiro deste ano. Esse foi o recado de autoridades e convidados ouvidos pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em reunião realizada nesta quarta-feira (20/3/19), para avaliar o impacto humano do desastre.   

Durante a reunião, representantes das Defensorias Públicas Federal e Estadual, do Ministério Público Federal (MPF) e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) acusaram a empresa Vale de procrastinar o pagamento de auxílios mensais aos atingidos e de iludir famílias, de maneira a fazê-las consumir uma água que pode estar contaminada.

Para evitar que esses danos e violações continuem e se repitam no futuro, o procurador da República Edmundo Dias Netto Júnior fez um apelo aos deputados para que seja desarquivado e aprovado o Projeto de Lei (PL) 3.312/16, do ex-governador Fernando Pimentel, que institui a Política Estadual dos Atingidos por Barragens e outros Empreendimentos.

Durante a reunião, tanto o procurador Edmundo Dias quanto a defensora pública estadual Carolina Morishita Ferreira relataram dificuldades e empecilhos que a Vale colocou para viabilizar o pagamento do auxílio mensal emergencial, determinado pela Justiça.

Esse pagamento só foi iniciado no dia 15 de março, quase dois meses depois da tragédia, e apenas para algumas famílias das comunidades mais diretamente atingidas: Córrego do Feijão e Parque da Cachoeira, localizadas no município de Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte). De acordo com Carolina Morishita, a Vale se recusou por várias vezes em receber, de forma coletiva, a documentação das pessoas que teriam direito ao auxílio.

Outro caso grave relatado pela defensora pública é o de moradores do distrito de Citrolândia, no município de Betim (RMBH), que vivem próximos ao Rio Paraopeba, contaminado pelos rejeitos da barragem rompida. Funcionários da Vale visitaram esses moradores e recomendaram que eles consumissem a água disponível, mesmo sem garantias de que ela não estivesse contaminada.

“Essas pessoas, em sua simplicidade, falavam para o funcionário beber a água, para ele ver como o gosto está estranho”, relatou a defensora. A reação do funcionário, segundo ela, foi se dizer agredido.

Famílias enterram parte de corpos de seus familiares

Ainda mais dramático foi o caso de famílias que têm passado pelo sofrimento continuado de ter que enterrar partes dos corpos de seus familiares, inclusive de uma família que teve de reabrir a cova para enterrar o braço direito, após ter enterrado o braço esquerdo. De acordo com o balanço divulgado pela Defesa Civil de Minas Gerais em 14 de março de 2019, estão confirmadas 203 mortes na tragédia, enquanto 105 pessoas continuam desaparecidas.

De acordo com a defensora pública federal Sabrina Nunes Vieira, diversas famílias enfrentam dívidas que se avolumam, mesmo antes de receber qualquer compensação da empresa responsável por seu prejuízo. “Temos violações (aos direitos humanos) de todos os tipos e de todas as proporções”, afirmou ela.

O coordenador nacional do MAB, Joceli Andrioli, fez um apelo para que as autoridades não permitam, no caso do rompimento da barragem localizada em Brumadinho, a repetição de um erro ocorrido no caso do rompimento da barragem do Fundão, no município de Mariana (Região Central), em 2015.

“No caso de Mariana, os criminosos têm o direito de dizer quem são as vítimas e são eles os encarregados de dar assistência a essas vítimas”, criticou Joceli. Ele explica que, com relação à tragédia de 2015, atribuiu-se às empresas responsáveis pelo rompimento da barragem a tarefa de cadastrar e avaliar quem teria sido de fato atingido ou prejudicado pelo desastre. A barragem de Mariana pertencia à empresa Samarco Mineração, uma subsidiária do próprio grupo Vale e do grupo BHP Billiton, de origem australiana.

Publicidade da Vale é criticada

Na mesma linha, o deputado João Vítor Xavier (PSDB) criticou propaganda veiculada pela Vale, de que a empresa doou R$ 20 milhões para os bombeiros militares, que vêm realizando as buscas pelos corpos das vítimas fatais do rompimento em Brumadinho. “Eles arrebentaram o Rio Doce, o Rio Paraopeba, a economia do Estado, a vida das pessoas, e falam isso? R$ 20 milhões é o que o Estado gasta em dez dias com as operações de busca”, criticou o deputado.

João Vítor Xavier também criticou a condução da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem de Brumadinho, na ALMG, em especial a rejeição de um pedido de convocação de um secretário de Estado. “Espero que não transformem essa CPI em uma operação abafa”, afirmou o parlamentar. Ele recebeu o apoio do deputado Bruno Engler (PSL), que defendeu a convocação do secretário.

A presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputada Leninha (PT), garantiu que seriam apresentados requerimentos solicitados pelos convidados, inclusive em apoio ao desarquivamento do PL 3.312/16.

Já a deputada Andréia de Jesus (Psol) agradeceu as informações dos convidados, como um contraponto às informações divulgadas pelo grupo Vale nos grandes veículos de comunicação. “A Vale, a cada minuto, divulga o pagamento de algum benefício e ficamos sem saber qual a real situação”, afirmou.