Debates apontaram que enfrentamento a esses crimes de gênero se faz, ainda, necessário
As colheres lembraram que é preciso intervir e quebrar o silêncio no País onde 500 mulheres foram agredidas a cada minuto em 2018

Audiência reuniu vozes, corpos e lutas na Praça Sete

Dia Internacional da Mulher foi marcado por denúncias das formas de violências que assolam essa parcela da população.

08/03/2019 - 20:14

Mulheres negras, brancas, indígenas, jovens, adultas, idosas, militantes e curiosas se reuniram nesta sexta-feira (8/3/19), na Praça Sete (BH), para acompanhar a audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, que integra o evento Sempre Vivas - Mulheres em Luta contra a violência, promovido pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em parceria com entidades da sociedade civil

O Dia Internacional da Mulher foi marcado pelo chamamento às lutas que atravessaram os corpos presentes e para denunciar as violências contra tantos outros.

Em 2018, 16 milhões de mulheres foram agredidas no Brasil, ou seja, a cada minuto, 500 mulheres foram vítimas de agressão. No mesmo ano, 175 feminicídios foram registrados. Cerca de 60% das mulheres vítimas de violência doméstica são negras. A taxa de homicídio entre as mulheres negras é 71% maior. Os dados trazidos por deputadas, movimentos, entidades, e, ainda, por órgãos como a Defensoria e o Ministério Público, revelam que o enfrentamento a esses crimes de gênero se faz, ainda, necessário.

Para a presidenta da comissão, deputada Marília Campos (PT), e a deputada Ana Paula Siqueira (Rede), o silêncio é uma enorme barreira a ser vencida pelas vítimas. Ana Paula Siqueira afirma que 50% das mulheres não denunciam os seus agressores: “Então, nós estamos aqui para debater as violências visíveis e invisíveis”.

“O feminicídio não se dá apenas no dia em que a mulher é morta”, alerta a defensora pública estadual, Laurelle Carvalho de Araújo. Os homens que cometem o assassinato iniciam com a repreensão das roupas usadas ou apagando os cigarros no corpo da sua companheira, ressalta Laurelle. A defensora disse ainda que, além da violência física, há outras quatro modalidades: sexual, patrimonial, moral e psicológica.

Essa última, muitas vezes, se configura de forma “invisível”. As ameaças diretas ou indiretas, a desqualificação da mulher, o não reconhecimento do trabalho doméstico, são formas de fragilizar no dia a dia as muitas esposas, mães, filhas.

De acordo com Tatiane Carvalho Maia, do programa Mediações de Conflitos da Secretaria de Segurança Pública, 80% dessas mulheres vivenciam essas situações sem se darem conta de que também são violentas. Para ela, quanto mais informação circular na sociedade, maior será o processo de desnaturalização desses comportamentos.

Ana Paula Lamego Balbino, delegada da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, conta que o ciclo de violência, em geral, implica o “arrependimento” do agressor, que se compromete a não ser mais violento. A mulher retoma o relacionamento e, muitas vezes, é impelida pelo companheiro a “pensar que ela provoca a agressividade dele”. Colocar a culpa na bebida também é muito comum, afirma a delegada. “Antes de chegar à violência física, essa mulher precisa romper com o silêncio”, finaliza.

Nesse sentido, a diretora de Políticas para Mulheres, da Prefeitura de Belo Horizonte, Viviane Coelho Moreira, enfatiza que a desconstrução da violência contra a mulher passa, essencialmente, pelos homens. Ela explica que a sociedade, historicamente assentada no patriarcado, deve, primeiro, reconhecer essa centralidade masculina. E essa parcela, detentora dos privilégios, precisa abrir mão deles e do exercício de poder junto as mulheres que lhes cercam.

Manifestações artísticas também desvelam atos de brutalidade

O Morro Encena Grupo de Teatro reuniu quatro atrizes que demonstraram, por meio de performances, como os corpos de mulheres, distraídos pela repetição dos trabalhos domésticos, são surpreendidos por atos de violência que vão desde os puxões de cabelo ao estrangulamento.

Entoaram por fim uma canção que pode ser lida como um lamento, um pedido de socorro ou uma denúncia. “Não, eu não caí da escada não, não, eu não sou desastrada não”, esse trecho, em especial, desmistifica as antigas (?) formas de justificar as marcas deixadas pelos homens em que confiaram um dia.

O movimento Quem Ama Não Mata, ativo desde a década de 1980, quando se manifestou pela primeira vez contra o assassinato de mulheres no âmbito da família, trouxe diversas manifestações artísticas, entre elas o coletivo Pretas Poetas. As integrantes Juliana Tolentino e Júlia Elisa declamaram poesias, que evocaram a luta ancestral da mulher negra; “Meu corpo de mulher também enverga, mas se cai, outras mil nascerão de pé”, nos diz Júlia.

A deputada Andreia de Jesus (PSOL), por sua vez, falou sobre a importância de que as mulheres, sobretudo as negras, ocupem os espaços políticos e que, ainda que haja quem queira impedi-las, elas vão resistir. Pediu que as participantes prestassem uma homenagem à vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, assassinada há quase um ano, “uma mulher negra que ousou ocupar a política”.

Trabalho e renda – A deputada Laura Serrano (Novo) enfatizou que a independência financeira da mulher é condição essencial para que ela alcance, de fato, sua emancipação. Ela afirmou que, muitas vezes, “a mulher se torna refém do parceiro justamente pela ausência de autonomia econômica e que devemos pensar a nossa responsabilidade para mudar essa realidade”. 

Também Valéria Morato, do Fórum Estadual das Mulheres Trabalhadoras das Centrais Sindicais, ressaltou as condições desiguais das mulheres em relação à renda e ao trabalho. Segundo ela, os rendimentos dos homens, em geral, são 28% superior aos das mulheres, elas ocupam os cargos menos valorizados; 47% delas estão na informalidade, 1/3 dessas não contribui para o INSS.

A deputada Ione Pinheiro (DEM) recordou as conquistas já alcançadas pelas mulheres e se comprometeu a atuar para que a violência contra as mulheres seja coibida na sociedade.

Diversidade – Representantes de mulheres indígenas, lésbicas e trans também estiveram presentes no evento. E pleitearam sua representatividade nos espaços de decisão. O Movimento 8 de Março Unificado, segundo sua integrante Dirlene Marques, buscou justamente agregar toda a multiplicidade de corpos e bandeiras.

Santusa Alves de Souza, representante das trabalhadoras sexuais e membro do coletivo Rebu, enfatizou que todas as mulheres são oprimidas, mas que essa opressão se dá de forma diferente conforme os grupos de mulheres: “Nós não somos sequer reconhecidas como trabalhadoras. Somos empurradas assim para a criminalidade. Não queremos ser salvas, só precisamos de respeito”.

Mulheres trans, que passavam pela Praça Sete, resolveram participar do evento e pediram a palavra. Elas falaram sobre a marginalização das quais são vítimas: “99% das mulheres trans se prostituem porque não conseguem emprego”, enfatiza Karina, que acrescentou “Estamos juntas na luta contra o feminicídio, que também nos mata”.

Consulte o resultado da reunião.