Cidadania Ribeirinha começa a colher frutos no cerrado

Após capacitação do projeto, comunidade de São Francisco se organiza, acaba com lixão e cria feira de produtos locais.

Por Carlos Máximo
27/08/2018 - 16:06

A transformação de um lixão em campo de futebol, criando novo espaço de lazer. A implantação de uma feirinha com produtos de agricultores locais. A coleta de resíduos pelos moradores e o aproveitamento de materiais, reduzindo a produção de lixo.

Esses são alguns frutos colhidos pelo Cidadania Ribeirinha, passados três anos desde o início de sua segunda edição, no povoado de Retiro, em São Francisco (Norte). Nessa versão, ele é direcionado a comunidades rurais desse município (além de Retiro, Bom Jardim da Prata e Jiboia) e também de Januária (Norte), contemplada com os povoados de Riacho da Cruz, São Joaquim e Várzea Bonita.

A iniciativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), financiada pelo Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA), capacita lideranças e qualifica novos líderes em lugarejos às margens do Rio São Francisco. Iniciado em 2011, a ação do Parlamento mineiro é destinada a municípios da bacia hidrográfica do Velho Chico com baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH).

Na primeira etapa da nova edição, a partir de agosto de 2015, foram ofertados cursos de qualificação de lideranças comunitárias. O objetivo foi transmitir e sistematizar conhecimentos, valorizar saberes tradicionais e formar multiplicadores dessas informações, aumentando o protagonismo dessas populações.

Balanço - Agora, em agosto de 2018, gestores do Cidadania Ribeirinha, acompanhados do representante do Ministério do Meio Ambiente, responsável pela gestão do FNMA, estão retornando às localidades com o objetivo de verificar quanto o trabalho caminhou, fazendo um balanço das ações e dos seus resultados.

Após longos trajetos - a maioria em estradas de terra -, foi possível ouvir diferentes personagens que deram seu testemunho sobre a transformação promovida pela iniciativa da ALMG.

Pelos relatos, observam-se diferentes ritmos de implantação das ações, com regiões mais adiantadas e outras menos. Um aspecto que une os depoimentos é a valorização da “centelha” produzida pelo projeto, que inspirou o desenvolvimento de iniciativas locais.

Do lixão nasce uma área de lazer

Mais conscientes de seu papel social e ambiental após os treinamentos do projeto, cidadãos do Retiro, a cerca de 25 quilômetros da sede de São Francisco, converteram um antigo lixão em um campo de futebol, ampliando o lazer daquela população. Outra iniciativa importante foi a organização de uma feirinha com alimentos e objetos feitos ali.

Veja o depoimento de pessoas que estiveram à frente das mudanças:

* Renilde Alves da Silva, da comissão gestora do Cidadania Ribeirinha:

“Esse trabalho despertou muito o conhecimento pra mim. Umas coisas eu não conhecia, principalmente sobre o meio ambiente; outras, eu sabia, mas não punha em prática. Na área ambiental, descobri que a gente fazia tudo ao contrário, o que causou um grande prejuízo para nós”.

“Quando chegava o tempo seco, o pessoal queimava todo o mato na beira da lagoa, no alagadiço. Isso porque, no ano seguinte, o alagadiço estaria todo verde, com galhos moles, facilitando a passagem dos pescadores. Com isso, a lagoa secou, faltou peixe e faltou água até de beber. Com o curso, as pessoas entenderam que esse problema era causado pela queimada”.

“Em 2010, Retiro foi campeão em casos de dengue em São Francisco por causa do lixão. O lixo era despejado à beira do povoado. Com essa conscientização, nós entramos em ação: pedimos aos vereadores que nos representavam que tomassem providências. Recolhemos os resíduos, que foram levados para São Francisco. Onde havia o lixão, foi feito um campo de futebol, uma área de lazer para nós. Em relação à dengue, ainda existem casos, mas bem menos que antes”.

“Nossa região é riquíssima em frutas e, quando chega o tempo delas, gera-se muito lixo, que não era aproveitado. O treinamento do Senar, com apoio do projeto, trouxe conhecimento. Eles nos ensinaram como usar as cascas na compostagem, como colher corretamente, selecionar, fazer a polpa”.

* José Paulo Neves dos Santos, da Associação Comunitária do Povoado de Retiro:

“O curso foi uma iniciativa muito boa. As meninas participaram primeiro e me convidaram depois. A maioria das pessoas já produzia, mas não tinha como entregar, como vender. Aí, com o Cidadania Ribeirinha, as pessoas se empolgaram, porque sentiram que podem vender seus produtos e ter um futuro”.

“Hoje, são mais ou menos 15 produtores que vendem na feirinha e os compradores vêm às centenas, daqui do lugar e de outros de São Francisco e até de Brasília (DF). Às vezes, esses de fora vêm visitar as famílias aqui no povoado e acabam chegando na feirinha. Nos ajudam muito, compram muita coisa na nossa mão”.

“Eu, minha esposa Josiane, minha família, todos somos pescadores e vazanteiros, daqui da beira do São Francisco. A gente planta na época que o rio dá aquela enchente em dezembro. Aí, assim que a água abaixa, a gente aproveita o molhado do terreno e começa a plantar. E planta de um tudo: feijão, fava, milho, abóbora, morango, pepino, maxixe, quiabo... Graças a Deus, raramente, a gente perdeu um ano de plantio”.

“Acredito que esse trabalho é muito bom pra nós. Porque futuramente, nós vamos incentivar nossos filhos e netos a ficar aqui, em vez de ir embora.”

“Eu toco sanfona, sou folião. Tem 16 anos que eu entrei no terno de Folia de Reis e é uma coisa de que eu gosto muito. Toco folia, toco o São Gonçalo, toco o forró também… Eu me sinto bem assim, conhecendo um pouco da tradição”.

Capacitação - De 2015 até agora, foram promovidas diversas atividades que atendem a metas estabelecidas pelo FNMA. As duas primeiras metas, já concluídas, promoveram a formação de agentes populares de educação ambiental na agricultura familiar.

Duas ações estão em andamento: a implementação de Projetos Comunitários de Educação Ambiental (PCEAs), envolvendo recuperação de nascentes, resíduos sólidos, extrativismo, horta/horto; e a criação de uma campanha de educação ambiental voltada à sustentabilidade no meio rural.

Outras comunidades em ação

Na viagem, também foi visitada a localidade de Jiboia, em São Francisco, onde aconteceu reunião com alunos do Cidadania. Na ocasião, as pessoas manifestaram seu apoio à criação de uma feira livre no povoado, como meio de valorizar a produção típica deles, melhorar sua alimentação e socialização.

Os participantes destacaram alguns alimentos produzidos ali que poderiam ser vendidos na feirinha, como: hortaliças, baru, polpas (manga, acerola, umbu, tamarindo, goiaba, cagaita, maracujá), além de rapadura, pinga, frango, queijo, requeijão, doces, biscoitos.

O presidente da Associação dos Moradores de Jiboia, o vereador de São Francisco José Delvan Silva, tem planos de colocar em funcionamento um espaço de preparação de polpas de frutas coletadas pela comunidade. Há um galpão com algumas máquinas, doado pelo Programa Luz Para Todos, o qual necessita de adaptações de modo a ser usado como fábrica de polpas.

Por meio do Cidadania Ribeirinha, viabilizaram-se cursos do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) voltados ao processamento de frutos do cerrado. Várias mulheres de Jiboia se qualificaram e estão aptas a atuar na fábrica, quando ela estiver funcionando.

Informativo – Atendendo à demanda do povoado de Riacho da Cruz, foi realizada uma oficina com dez jovens e parte da equipe do projeto, destinada à produção de um veículo de comunicação, um pequeno jornal comunitário. A proposta é divulgar notícias de interesse dos moradores, promover sua aproximação e maior participação.

Realizado na Funorte, em Montes Claros (Norte), o evento foi bem avaliado pelos oficinistas, como Daiana Oliveira. A estudante de Riacho da Cruz ressaltou que a oportunidade de conhecer equipamentos e um pouco da técnica jornalística despertou nela a vontade de desenvolver algo. “Precisamos utilizar o poder da comunicação em nossa terra”, frisou ela, que já reuniu material visando criar um site com dados sobre o povoado.

Uma palestra sobre preservação ambiental em áreas de cavernas, incluindo ainda informações sobre espeleologia e arqueologia, com o técnico do Instituto Estadual de Florestas, Raimundo Nonato, aconteceu na própria comunidade de Riacho da Cruz.

Na ocasião, os participantes visitaram o sumidouro, uma grande erosão provocada por água de chuva, que vem sendo utilizada pelos moradores como depósito de lixo. Na conversa, foi lembrado que o jornal comunitário a ser criado pode ajudar na conscientização sobre o problema e na busca de soluções.