Leonardo Boff analisou o contexto político do País e disse que violações de direitos ocorridas no regime militar persistem ainda hoje.
O teólogo condenou a prisão de Lula e fez críticas ao PT, que teria esvaziado as lideranças populares
Defensores dos direitos humanos cobram punição para crimes da Ditadura Militar

Boff critica pós-democracia e receia que não haja eleição

Em reunião da Comissão de Direitos Humanos, teólogo comparou Brasil de hoje ao da ditadura que executou Vladimir Herzog.

12/07/2018 - 19:31

“No Brasil, acho que não existe mais democracia, mas pós-democracia, nem sabemos se haverá eleição”. A preocupação foi manifestada pelo teólogo e escritor Leonardo Boff, durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quinta-feira (12/7/18).

A reunião teve por objetivo debater a condenação do Brasil pela morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, durante a Ditadura Militar, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, e foi convocada a requerimento do deputado Durval Ângelo (PT).

O teólogo comparou o período da ditadura com a conjuntura atual, lamentando que violações de direitos ocorridas no regime militar, como torturas e perseguições, persistam ainda hoje.

Do ponto de vista político, também traçou um paralelo entre os dois períodos, condenando a prisão do ex-presidente Lula, que considerou como “parte do golpe político-jurídico-midiático iniciado com o impeachment de Dilma Rousseff”.

"O Brasil deveria imitar a Argentina, o Chile e o Uruguai, que levaram os criminosos torturadores aos tribunais”, defendeu. Para ele, o acordo brasileiro que concedeu anistia aos torturadores “foi espúrio e vergonhoso”. “Há uma diferença fundamental: quem torturou e matou eram agentes do Estado e a função do Estado é proteger o acusado. Era um Estado terrorista”, criticou.

Recolonização - O teólogo disse estar convencido de que há um projeto mundial de recolonização da América Latina que passa pela desnacionalização das riquezas do continente. O impeachment de Dilma e a prisão de Lula, segundo ele, se inserem nesse contexto, em confronto com a “política externa ativa e altiva” de Lula e do ex-chanceler Celso Amorim.

O escritor também fez severas críticas ao juiz Sérgio Moro, “que atropela direitos”. “Vivemos um momento trágico em nosso País, em que mais do que julgar Lula, o que querem é impedir que ele seja candidato e se reeleja presidente”, disse.

Reformulando a citação do sociólogo português Boaventura Souza Santos, para quem “o Brasil vive um momento de democracia de baixíssima intensidade”, Boff afirmou que, a rigor, a democracia acabou no País, o que, na sua opinião, pôde ser constatado no episódio ocorrido no último domingo, quando uma instância judicial inferior deixou de cumprir uma ordem superior, mantendo a prisão de Lula, “um ato profundamente antidemocrático”.

“O que se passa com Lula é um processo político, mais do que jurídico; até hoje não se apresentou um único argumento real contra ele, só ilações”, criticou. 

Críticas ao PT – Mas o teólogo não deixou, também, de fazer críticas ao PT, afirmando que, ao chegar ao poder, o partido esvaziou as lideranças populares concedendo-lhes cargos. Criticou também o fato de os governos Lula e Dilma priorizarem a formação de consumidores, em detrimento da formação de cidadãos críticos.

“Faltou organicidade entre o Planalto e a planície”, concluiu, lamentando a falta de lideranças. “Como nos faz falta, hoje, um líder como um Brizola, por exemplo, que teria levado a Brasília 150 mil pessoas, no último domingo, em protesto”.

Deputado se despede da Comissão de Direitos Humanos

Ao abrir a reunião, o autor do requerimento para realização da audiência, deputado Durval Ângelo, que presidiu a Comissão de Direitos Humanos da ALMG por 16 anos, antes de se tornar líder do Governo, disse que essa era, provavelmente, a última reunião da comissão que presidia. Referia-se à indicação de seu nome, pelo governador, para o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG).

A exemplo de Leonardo Boff e dos demais convidados, o deputado classificou a morte do jornalista Vladimir Herzog como um crime bárbaro que tentaram falsear como suicídio, não muito diferente do que ocorre ainda hoje com os pobres.

O parlamentar lembrou vários casos de violação de direitos humanos acompanhados pela comissão, audiências históricas que presidiu e as diligências em presídios com denúncias de torturas e investigações de violência contra os internos.

Disse ainda que a história de Herzog é mais atual do que se imagina. Mencionou que a condenação do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos é um caso emblemático, que resultou, como pena, em multa de 240 mil dólares e na reabertura do processo.

“Pra nós, é muito importante que esse caso seja discutido, porque não se trata de refletir só sobre o Brasil de 1975, mas o de hoje, também, que mata, por ano, 60 mil pessoas por crimes violentos, em sua maioria jovens e negros”.

Os demais convidados – Frei Chico, da Ordem dos Franciscanos; Willian Santos, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil; e Camila Lanhoso, da Diretoria de Memória e Verdade da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania – também comemoraram o reconhecimento de que a morte do jornalista Herzog foi um crime de lesa humanidade e que o Estado brasileiro deve ser responsabilizado.

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