Machismo nas emissoras e limitação da forma com que a mídia retrata as mulheres negras foram pontos abordados
Especialistas criticam a representação da mulher na mídia

Mídia desqualifica e retrata mulher com estereótipos

Comissão recebeu especialistas para o debate, que culminou na ideia de realização de curso sobre mulher na mídia.

09/07/2018 - 19:31 - Atualizado em 10/07/2018 - 12:55

A realização de um curso ou de uma jornada de debates que trate das diversas facetas que envolvem a forma como a mídia retrata as mulheres foi levantada como possível desdobramento de audiência pública da Comissão Extraordinária das Mulheres da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta segunda-feira (9/7/18). A ideia surgiu a partir do debate, que contou com a participação de mulheres de diferentes áreas de atuação.

Autora do livro “A Imagem da Mulher na Mídia”, Rachel Moreno falou sobre como a mídia, um poder informal, foca sua publicidade nas mulheres, que são responsáveis por 80% das decisões de consumo.

"Ao mesmo tempo, temos o sexo e a violência banalizados e espetacularizados pela mídia, da forma que convém a ela. E se na Argentina temos um conjunto de leis que proíbe que qualquer tipo de violência contra a mulher seja mostrada pela mídia, aqui no Brasil só temos a autorregulamentação, que não funciona”, ponderou.

Autora do requerimento que motivou a reunião e presidente da comissão, a deputada Marília Campos (PT) lembrou de recente debate na TV Cultura com a pré-candidata do PCdoB à Presidência da República, Manoela D’Ávila, que ganhou repercussão negativa nas redes sociais pela quantidade de vezes em que ela foi interrompida enquanto falava, muito superior à de outros candidatos homens entrevistados pelo programa. “A mídia constamente contra-ataca, querendo nos colocar ‘no nosso lugar’”, reforçou.

A gestora do Centro de Referência da Cultura Popular e Tradicional Lagoa do Nado (Belo Horizonte) e autora do livro “Mídia e Racismo”, Rosália Estelita Diogo, explicou como é limitada a forma com que a mídia retrata as mulheres negras.

“Sempre de forma negativa e estereotipada. Com mais melanina na pele, temos mais restrições. Hoje temos uma Taís Araújo em destaque nas novelas. Mas a mulher negra brasileira está longe de ser como a Taís. Inclusive eu sonho com o dia em que teremos uma mulher negra deputada nesta Casa. Espero por isso nas próximas eleições”, pediu.

A presidenta da Rede Minas, Luiza Moreira Castro, falou da experiência de produzir uma programação mais preocupada em retratar a mulher na mídia de maneira mais saudável e crítica e disse que isso repercutiu inclusive no ambiente da emissora. 

TV pública tenta desconstruir cultura machista

A produtora da Diretoria de Programação e Produção da emissora, Brenda Marques Pena, complementou que muitos homens aprenderam que, culturalmente, falar mais alto e ser mais agressivo é normal com as colegas de trabalho e disse que a emissora tem buscado desconstruir essa cultura.

“Se não for a rede pública a cumprir esse papel, quem irá?”, questionou. Um dos exemplos recentes na programação da emissora é o “Mulhere-se”, programa de pautas construídas coletivamente e que está em sua segunda temporada, trazendo depoimentos gravados com diversas mulheres.

Também falando sobre o ambiente nas emissoras, a diretora de Formação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG), Andrea Castello Branco, lembrou que muitas vezes a mídia reproduz uma imagem das mulheres que vigora dentro de suas próprias instalações.

“Padrão de beleza limitador, exigência de comportamento passivo, controle do corpo, cotidiano marcado por assédio moral e sexual, seja do chefe e até mesmo dos entrevistados, especialmente em início de carreira. E também a sub-representação em cargos de chefia, apesar de sermos maioria no jornalismo”, ressaltou.

Redes sociais - A professora da UFMG, Joana Ziller, falou sobre como a falta de uma regulamentação mais rigorosa em redes sociais as tornam um local propício à proliferação de discursos misóginos e de ódio.

“A mídia trata como questões individuais, não como algo sistêmico e enraizado na cultura, o que não contribui para uma análise crítica. E temos pornografia de vingança e incentivo à violência contra a mulher de maneira explícita e que não deveria ter mais lugar na mídia tradicional”, explicou.

Atividades femininas são desqualificadas pela mídia

Professora no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Rayza Sarmento apresentou ponderações sobre a forma estereotipada como políticas e ativistas feministas são sempre desqualificadas e infantilizadas pela mídia. “Na minha tese, analisei 95 anos de cobertura jornalística sobre feminismo no Brasil, e, apesar de os termos mudarem, elas são constantemente demonizadas e denegridas, por se oporem à ordem estabelecida”.

A diretora de Políticas para a Igualdade Racial da Prefeitura de Belo Horizonte, Makota Kizandembu, falou que entre os projetos da diretoria estão um aplicativo de celular, site e revista, pois a questão da mídia afeta diretamente a população negra e, por isso, é de grande prioridade. “Não dá pra pensar em mídia sem pensar na desconstrução do racismo. A mídia sempre busca desempoderar as mulheres de tradição, sendo que a tradição e a política não se separam. Fomos nós que começamos os movimentos feministas, quilombolas, sempre fomos liderança”, completou.

Consulte o resultado da reunião.