Falha no acolhimento de menores leva à morte em Contagem
Caso trágico relatado na Comissão de Direitos Humanos é mais um exemplo do colapso no sistema socioeducativo de Minas.
20/06/2018 - 16:24Quinta-feira: um adolescente é detido após tentativa de roubo e levado à Delegacia Especializada de Proteção à Criança e Adolescentes (Dopcad) de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Manhã de sexta-feira: dentro de uma cela superlotada, ele teria sofrido uma tentativa de abuso sexual e revidado.
Tarde de sexta-feira: ele é tirado da cela e levado para uma entrevista social. Naquele momento, alguém pede para que ele não volte para o mesmo local, pois corria risco de ser morto, por causa do desentendimento ocorrido de manhã. Mesmo assim, logo depois, é reconduzido à mesma cela. Sexta-feira, aproximadamente 20 horas: o adolescente é assassinado por outros dois menores. A família só recebe a notícia às 9 horas do dia seguinte.
A morte de Vítor Carvalho Souza, de 16 anos, ocorrida em junho de 2017, e a situação da Dopcad de Contagem foram temas da audiência da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quarta-feira (20/6/18). O local estaria superlotado e totalmente em desacordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O defensor público Marcos Lourenço Capanema comparou o Dopcad a uma masmorra medieval, que não deveria ser usada para abrigamento de menores. Disse ainda que a situação ali pode levar o Brasil a ser denunciado e condenado por órgãos internacionais de direitos humanos.
Emocionados, os pais de Vítor, Sandra Carvalho e Aílton Souza, pediram que o caso seja investigado e que todos os envolvidos sejam punidos para que a situação não se repita com outros jovens.
Na opinião do representante do sindicato dos agentes socioeducativos, Rômulo Francisco de Souza Assis, o sistema está em colapso em todo o Estado, não só em Contagem.
Segundo ele, os agentes também sofrem com a superlotação e a precariedade das instalações prisionais, também são vítimas de violações graves de direitos e muitas vezes acabam sendo culpados pelas tragédias que ocorrem nesses locais.
Sesp admite problemas e superlotação
O diretor de Gestão de Vagas e Atendimento Jurídico da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), Guilherme Rodrigues Oliveira, listou os programas do Estado para acolhimento de menores e afirmou que há um cronograma para construção de novas unidades, visto que as existentes já estão todas superlotadas. Ele admitiu que as condições do Dopcad de Contagem são mesmo insalubres e inadequadas para a guarda dos adolescentes.
Entre outros encaminhamentos, o defensor público Marcos Lourenço Capanema sugeriu que os deputados da Comissão de Direitos Humanos visitem a Dopcad, para comprovar, in loco, a situação denunciada na audiência. O presidente da Comissão, deputado Cristiano Silveira (PT), apresentou vários requerimentos com pedidos de providências, incluindo a visita ao local, que deverão ser aprovados em breve.
Contagem, município hoje com mais de 600 mil habitantes e um dos maiores índices de criminalidade do País, não tem nenhuma unidade do sistema socioeducativo para acolhimento de menores, somente a delegacia. “No Dopcad os adolescentes são largados, em condições desumanas, expostos a maus-tratos e abusos sexuais, como o que motivou o assassinato do Vítor”, denunciou o defensor.
Defensores pedem reparação para a família
A promotora de Justiça Carolina Melo Campos, da 22ª Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude, afirmou que os dois jovens que tiraram a vida de Vítor Carvalho já foram sentenciados a pena de internação no sistema socioeducativo.
Ela lembrou que já existe um acordo entre o Estado e o Ministério Público de Minas Gerais para construção de um centro de internação em Contagem, mas admitiu que as obras estão atrasadas.
No caso do adolescente morto, a promotora confirmou que, após o recolhimento, não houve determinação imediata para internação dele. Mas o juiz da Vara de Infância e Juventude da Comarca de Contagem, Thiago França de Resende, achou por bem mantê-lo na Dopcad.
Esses e outros fatos, segundo o defensor Marcos Lourenço Capanema, justificam pedido de indenização para a família. Após sua morte, os pais de Vítor acolheram em casa uma jovem que acabara de ter um filho com ele. O bebê hoje está com um ano e três meses.
A defensora pública Maria Auxiliadora Viana Pinto, que exerce a função há mais de 30 anos, apoiou o pedido de indenização, mas destacou que não há nada que repare a dor da família. Ela também acredita que o sistema superlotado é que promove esse tipo de tragédia.
Responsabilidade – O juiz Thiago França de Resende não compareceu à audiência, mas enviou uma carta, lida pelo comissário da Infância e Juventude, Maurício Quirino dos Santos. O magistrado não considera que o local apresente condições degradantes para os adolescentes, mas admitiu que ali não há estrutura adequada para orientação e recuperação dos jovens.
Em sua comunicação, o juiz diz que a responsabilidade pela não existência de acolhimento adequado para os menores apreendidos em Contagem é do Estado, que já foi notificado várias vezes e não resolveu o problema.