Fórum técnico, que teve início nesta segunda (11), foi apontado como fundamental em um momento de retrocessos dos direitos sociais no Pais
Participantes podem contribuir com propostas para implementar a Política para a População em Situação de Rua
Especialista defende acesso à moradia para população em situação de rua

Fórum denuncia violência contra mães em situação de rua

Esterilização forçada em São Paulo e tentativa de retirada de crianças em Minas causam indignação em abertura do evento.

11/06/2018 - 17:27

A denúncia de que uma mulher em situação de rua do município de Mococa (interior de São Paulo) foi esterilizada coercitivamente, por ordem judicial, chamou especial atenção e foi fortemente repudiada por participantes da abertura da etapa final do Fórum Técnico População em Situação de Rua, nesta segunda-feira (11/6/18), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

O caso foi denunciado pelo professor de Direito Constitucional Oscar Vilhena, em artigo publicado pelo jornal Folha de S.Paulo no sábado (9/6). Janaína Aquino, segundo ele, foi conduzida coercitivamente para um hospital, onde foi realizada a cirurgia de laqueadura de trompas, por determinação judicial.

Na abertura do fórum, o episódio foi relatado e lamentado pelo secretário de Estado em exercício de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania, Gabriel Rocha.

Um dos expositores do painel de abertura também se disse escandalizado com o ocorrido. “Estou sem palavras para essa arbitrariedade”, afirmou Samuel Rodrigues, coordenador do Movimento Nacional da População em Situação de Rua.

Em sua exposição, Samuel lamentou a dificuldade para que o País avance na efetivação de direitos das pessoas em situação de rua.

Em vez disso, ele disse que ainda são muito frequentes ações que refletem um assistencialismo institucional.

Um dos pontos que destacou é a necessidade de evitar que a assistência a usuários de drogas seja “guiada por pensamentos policiais”, que acabam afastando essas pessoas do poder público.

Durante o evento, também foi denunciado que a polícia de Minas, nesta mesma segunda-feira, durante a realização do fórum, estava tentando retirar os filhos da moradora de uma ocupação no bairro Pompéia, em Belo Horizonte. 

Para deputado, evento é ato de resistência contra retrocesso social

Representando o presidente da ALMG, deputado Adalclever Lopes (MDB), o deputado Rogério Correia (PT) disse ser fundamental a realização do fórum, quando o País vive um momento de retrocesso em direitos sociais. Rogério Correia leu uma declaração do presidente, em que ele ressalta a importância do evento. “Acreditamos que soluções eficazes e duradouras surgirão deste fórum”, afirmou Adalclever Lopes.

O Fórum Técnico tem o objetivo de contribuir com propostas para o plano de metas e ações que Minas Gerais deverá elaborar para implementar a Política Estadual para a População em Situação de Rua, instituída pela Lei 20.846, de 2013. O plano deverá ser encaminhado à ALMG pelo Poder Executivo.

Na abertura, ainda em alusão ao caso da esterilização coercitiva, a defensora pública Júnia Carvalho lamentou repetidos casos em que mulheres perdem o direito à maternidade por viverem uma situação de rua.

A promotora de Justiça Janaína Dauro ofereceu aos participantes o auxílio da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos e Apoio Comunitário, inclusive para garantir o acesso a água, luz e dignidade, na luta por uma moradia e pelo emprego.

O ex-ministro de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, disse que todos têm a obrigação de se unir para que os direitos humanos, elaborados há 70 anos, saiam do papel.

Especialista diz que moradia e emprego são interdependentes

Em uma segunda exposição que se seguiu à abertura do evento, o professor Luiz Kohara afirmou que as políticas públicas são frequentemente contaminadas por uma ideologia que retrata as pessoas em situação de rua como “seres desprezíveis e tuteláveis”. Ele apresentou um estudo sobre experiências de atendimento a pessoas em situação de rua em São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza (CE) e Salvador (BA).

O estudo desmistifica alguns preconceitos, tais como o de que as pessoas em situação de rua são desocupadas e não têm como assumir qualquer compromisso financeiro. A maioria das pessoas acompanhadas têm ocupação formal ou informal.

A pesquisa também demonstra a correlação entre moradia e emprego, uma vez que o endereço fixo é necessário para a pessoa conseguir um trabalho com carteira assinada e, ao mesmo tempo, é impossível manter a moradia sem uma fonte de renda.

Ele criticou, sobretudo, programas habitacionais que disponibilizam moradias em locais muito distantes, que tornam impossível a mobilidade e a empregabilidade das pessoas atendidas.

“Isso é quase colocar a pessoa em um exílio, em que ela não tem sequer a possibilidade de fazer bicos”, afirmou. Não se pode ainda, segundo ele, criar guetos ou prédios apenas ocupados por pessoas que estavam em situação de rua. “Isso gera preconceito”, explicou.

Kohara também criticou políticas que excluem o atendimento a pessoas sozinhas, uma vez que uma grande parte da população em situação de rua vive só. O professor é pós-doutor em Sociologia Urbana e fundador e colaborador do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, com sede em São Paulo.

Ação do Parlamento visa combater o preconceito

O deputado André Quintão (PT) encerrou as exposições comentando sobre a relação entre o Poder Legislativo e a população em situação de rua. Ele afirmou que um dos papéis do Parlamento é apoiar ações que fortaleçam a cidadania desse segmento populacional.

Por esse motivo, segundo ele, esse Fórum Técnico foi realizado, apesar de a Assembleia viver um momento de corte de gastos. “Houve uma economia de 86% na realização de eventos da Assembleia, mas esse fórum foi mantido”, disse.

O deputado defendeu a necessidade de um diálogo maior entre as instituições públicas, representações de pessoas em situação de rua e a sociedade. “A sociedade não compreende o fenômeno da população de rua e, com isso, a tendência é a culpabilização e criminalização dessa população”, afirmou André Quintão.

Roda de conversa ao vivo - Pessoas em situação de rua, representantes do poder público e da rede de apoio a essa população se reuniram no fim da tarde para a atividade Fala Rua-Roda de Conversas, dando voz a relatos que foram transmitidos ao vivo pelo Facebook da ALMG