Luciana e Marcelo, uma história de adoção que virou livro

Comissão debate proposta que altera regras para adoção

Projeto federal quer flexibilizar o processo, mas é criticado por fragilizar vivência da criança com a família natural.

18/05/2018 - 13:45

Na semana em que se comemora o Dia Nacional da Adoção, celebrado em 25 de maio, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) propõe um debate sobre o Projeto de Lei do Senado (PLS) 394/17, que cria o Estatuto da Adoção de Criança ou Adolescente.

A reunião da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social será na quinta-feira (24/5/18), às 14 horas, no Auditório, a requerimento do deputado André Quintão (PT). “Esse assunto tem que ser amplamente discutido porque envolve muitas questões”, adianta o parlamentar.

A polêmica em torno da proposta pode ser resumida pelos números da consulta pública aberta no site do próprio Senado. Conforme dados desta sexta (18), os favoráveis ao projeto somam 279 pessoas, contra 367 contrários.

Segundo André Quintão, muitas entidades que atuam nessa área acham um equívoco tratar a adoção dissociada do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei 8.069, de 1990. “O ECA tem uma lógica de proteção integral, que prioriza a convivência natural da criança com a família de origem”, aponta.

Para o parlamentar, com os mecanismos propostos para agilizar a adoção, essa vivência com a família natural será fragilizada. “Teria que haver um fortalecimento disso antes”, contrapõe. Pelo projeto, segundo ele, as adoções podem se dar, inclusive, fora da fila de espera, em intermediação direta com um juiz.

Foco – Outra falha da proposta em tramitação no Senado, na avaliação de André Quintão, é o foco em crianças de seis meses a dois anos. “Nós sabemos que o gargalo é a adoção de crianças mais velhas, negras e com deficiência”, afirma.

Autor classifica o sistema atual como cruel

O PLS 394/17 é do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Em extensa justificativa, ele argumenta que a proposta é fruto de amplo debate com entidades e especialistas. E aponta que o sistema de adoção no Brasil é cruel com crianças e adolescentes, que sofrem com o que ele chamou de espera infindável.

“Milhares estão em abrigos à espera de uma família, sem que ninguém tenha acesso a eles. Tornam-se invisíveis. Não são tratados como sujeitos de direitos”, reforça. Assim, segundo o senador, quando são disponibilizados à adoção, já se tornaram “inadotáveis”, em função da idade.

Para Rodrigues, há uma interpretação equivocada da legislação, no sentido de se buscar a qualquer custo que a criança seja reinserida na família natural ou entregue à guarda da família extensa (parentes). “Ela cresce institucionalizada, o que desatende ao comando constitucional que lhe assegura direito à convivência familiar”, contrapõe.

Ele cita o ECA para defender que a criança deve ficar com quem mantém vínculos de afinidade e afetividade, o que pode não incluir todos os parentes. “A família é da ordem da cultura e não da natureza, e o milenar instituto da adoção é a prova desta teoria”, afirma.

O senador defende, ainda, a adoção dirigida, quando a mãe, por exemplo, só se dispõe a entregar o filho a uma determinada pessoa, o que não é permitido no atual sistema.

Reuniões Interativas – Entre as entidades convidadas para a audiência, está o Instituto Brasileiro de Direito de Família, que participou da elaboração do PLS 394/17, além do Conselho Regional de Psicologia e do Grupo de Apoio à Adoção de Belo Horizonte.

Quem não puder comparecer poderá fazer parte do debate por meio da ferramenta Reuniões Interativas do Portal da Assembleia, que estará disponível no momento da audiência. Questionamentos e dúvidas poderão ser encaminhados e, ao final, serão respondidos pelos convidados.

Perfis e preferências em caminhos opostos

Em Minas Gerais há 980 crianças e adolescentes aptos à adoção, segundo dados de abril da Coordenadoria da Infância e da Juventude (Coinj). Esse não seria um número alarmante, sobretudo diante das mais de 1.250 adoções realizadas no Estado em 2017 e dos 5.253 casais ou pessoas dispostos a adotar.

Mas o cruzamento do perfil dessas crianças com a preferência dos candidatos a pais dá uma pista da dificuldade. Os pretendentes que querem bebês com até um ano somam 857, contra apenas cinco que aceitam filhos adotivos com até 17 anos. Os demais se distribuem nas demais faixas etárias. Por outro lado, há 11 crianças com menos de um ano frente a 84 com 17 anos.

Outros números que se destacam são, por exemplo, os 753 pretendentes que só querem crianças brancas ou os 1.531 que exigem o sexo feminino. Entre as crianças e adolescentes aptos à adoção, há, ainda, 256 com alguma doença ou deficiência, o que é outro obstáculo.

O coordenador técnico da Coinj, Marcos Paulo Amorim, argumenta que na preparação dos candidatos a pais, feita nas comarcas, há conteúdos que buscam ampliar o leque do perfil desejado. Mas tudo é feito, segundo ele, com delicadeza, porque essas pessoas já estão se propondo a um ato de grande nobreza.

Campanhas – Marcos Amorim também cita campanhas, como uma que está em curso no Tribunal de Justiça, que tentam desmistificar a adoção, sobretudo a tardia, e aproximar as pessoas desse universo. Com o lema “O amor não vem do sangue. Vem do coração!”, a iniciativa tem programação variada e segue até 16 de junho.

Outra campanha, segundo ele, foi feita em 2017, pelo Cruzeiro Esporte Clube, e levou ao encaminhamento de 20 dos 28 adolescentes participantes, com idade de 7 a 17 anos. Um deles foi Carlão, de 17 anos, portador de doença degenerativa e cadeirante.

“Ele tinha três sonhos: ser adotado, conhecer os jogadores do Cruzeiro e o mar”, relata Marcos. O último ele realizou já com os pais adotivos, com os quais viveu por três meses, até morrer.

Sem se ater às alterações previstas no PLS 394/17, o coordenador do Coinj afirma que alguns prazos importantes nas normas de adoção vêm sendo abreviados desde 2014. Em fevereiro deste ano, segundo ele, houve nova mudança, que reduziu o período de reavaliação de cada caso de criança institucionalizada, para definição sobre o retorno à família ou o ingresso na lista de adoção.

“O Judiciário tem procurado cumprir os prazos, mas isso tem que ser acompanhado de um esforço para manter a qualidade do processo, para que a adoção seja exitosa”, frisa o coordenador. Segundo Marcos, 5 mil crianças estão abrigadas institucionalmente em Minas, sem a convivência familiar. Esse número inclui os aptos à adoção.

No Brasil, segundo dados inseridos na justificativa do PLS 394/17, há mais de 50 mil crianças nessa situação, com apenas 10% delas disponíveis para a adoção. Já os candidatos a pais somam mais de 35 mil.

O menino que morava na nuvem

“Uma experiência transformadora”. Assim a jornalista Luciana Neves Moreira define a adoção de Marcelo, hoje com cinco anos. O bebê chegou com seis dias de vida, dez meses depois de ela ingressar na fila de adoção, após a etapa de cadastro e preparação, que durou outros seis meses.

“Foi o tempo de uma gestação na fila, mas, em contato com outros pais adotivos, descobri que meu processo foi mais rápido que o normal”, afirma Luciana. Ela fez algumas exigências de perfil, como idade até dois anos e a inexistência de doença não tratável.

Para a jornalista, cada pretendente à adoção tem que pensar na própria realidade, no que dá conta, até para evitar “devoluções”. “Eu tinha os receios normais, de não gostar da criança. Mas quando vi o Marcelo passar no bebê conforto, lá no Juizado, falei: ‘Meu filho’. Foi só paz, serenidade e amor”, celebra.

Luciana defende agilidade nos processos adotivos, inclusive na fase que vai da chegada da criança até a certidão definitiva. “Marcelo só foi batizado com dois anos e meio”, lembra. Mas prega cautela por entender que há muitas questões envolvidas, entre as quais o tráfico de crianças.

Livro – A revelação a Marcelo que ele era adotado foi outro momento especial nas vidas de mãe e filho. “Criei uma historinha de ninar. Quando terminei, ele me abraçou e disse ‘eu e você, mamãe’. Decidi colocar no papel”, conta Luciana. “O menino que morava na nuvem” é a história de um filho do coração e levou sua autora por caminhos impensados.

Hoje, Luciana conta sua experiência em escolas e grupos de apoio à adoção e ajuda a desmistificar o processo. “O livro ajuda outras pessoas que estão passando por isso. A adoção é uma forma de se constituir uma família. A forma como a criança chega é só um detalhe”, garante.

Consulte a lista completa de convidados para a reunião.