Carência de recursos materiais e humanos para o exercício da perícia criminal em Minas também foi abordada na reunião
Wilton (à esquerda) abordou a questão do déficit de quase 240 peritos no Estado
João Leite questionou comportamento de delegado Rodrigo Bossi
Peritos criminais cobram mais autonomia

Ingerência de delegados sobre perícia criminal é denunciada

Autonomia da atuação de peritos é cobrada em audiência. Em 19 estados, o serviço já seria desvinculado da Polícia Civil.

15/05/2018 - 17:04 - Atualizado em 16/05/2018 - 09:47

Desrespeito à autonomia funcional que seria assegurada em lei e carência de recursos materiais e humanos para o exercício da perícia criminal em Minas foram denunciados nesta terça-feira (15/5/18) por representantes da categoria, em reunião da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Conforme destacou o presidente do Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de Minas Gerais, Wilton Ribeiro de Sales, a Lei Orgânica Estadual da Polícia Civil, em vigor desde 2013, subordina a perícia criminal à Superintendência de Polícia Técnica Científica (SPTC) da Polícia Civil.

Mas, na prática, segundo ele, delegados estariam interferindo na atuação dos peritos, submetendo-os a pressões de tempo para a conclusão de perícias e mesmo direcionando conteúdos de laudos.

"Muitos delegados estão usurpando o papel do legislador, que deu autonomia funcional aos peritos", frisou Wilton.

O presidente da entidade ainda questionou remoções que estariam ocorrendo de peritos do Instituto de Criminalística para delegacias de polícia, o que, no entendimento do sindicato, contraria a subordinação da função à SPTC.

Déficit - O dirigente também expôs à comissão que haveria um déficit em Minas de quase 240 peritos, tendo declarado em entrevista que há hoje no Estado 675 peritos criminais, para um quadro de 903 previsto em lei.

Além da falta de pessoal, o dirigente criticou a falta de investimentos em equipamentos de trabalho e a ausência da identificação funcional do perito em serviço, por meio de vestimenta própria. "Com isso, locais de homicídios estão sendo liberados antes da hora, porque a Polícia Militar confunde peritos com outros servidores. Já encaminhamos essa denúncia ao Ministério Público", disse.

Assim como o Sindicato dos Peritos Criminais, profissionais presentes à audiência defenderam que a perícia criminal seja vinculada diretamente ao secretário de Estado da Segurança Pública, a exemplo do que ocorreria em São Paulo e outros estados brasileiros.

PC considera desvinculação, mas vê "confusão legal"

O chefe de gabinete da Polícia Civil, Bruno Tasca Cabral, afirmou que a saída da perícia criminal da esfera da PC talvez seja um caminho natural. Segundo ele, isso já foi feito em 19 estados de variadas formas, inclusive organizando o serviço em uma autarquia. O importante, de acordo com ele, é que todos os serviços pertinentes sejam vistos como órgãos integrantes da segurança pública.

Por outro lado, Bruno classificou de "confusão na interpretação da legislação" alguns dos questionamentos feitos quanto à autonomia dos peritos em relação aos delegados.

Segundo ele, a Lei Orgânica de 2013 teria sido fruto de "uma corrida contra o tempo em perído eleitoral", deixando em aberto questões que na sua avaliação não teriam sido debatidas mais a fundo na época, entre elas a distinção, de forma mais clara, entre o que seria a subordinação administrativa e a subordinação hierárquica da perícia criminal.

"A autonomia funcional é inquestionável. Mas isso não exclui a subordinação hierárquica de peritos criminais e médicos legistas ao delegado de polícia, conforme parecer da Advocacia Geral do Estado", afirmou.

Apesar do contraponto, ele disse que todas as denúncias apresentadas, na sua avaliação pontuais, serão objeto de providências junto à Corregedoria da Polícia.

Por sua vez, o superintendente de Polícia Técnico Científica da Polícia Civil, Roberto Simão, classificou de antiga a discussão quanto à autonomia da perícia criminal e avaliou que houve avanços na questão.

Divergência - O presidente da Associação de Criminalística de Minas Gerais, Walney José de Almeida, considerou que a lei orgânica foi amplamente debatida e fora do período eleitoral.

Ele ainda relatou à comissão outras denúncias de interferências, divulgando relato de um perito lotado em Lavras (Sul de Minas) sobre situações de assédio e pressão moral.

Deputados condenam atitude de delegado

O deputado João Leite (PSDB), que solicitou a audiência, defendeu que Minas tenha uma perícia criminal autônoma e cobrou o afastamento do delegado Rodrigo Bossi de Pinho do inqúerito que envolve o lobista Nilton Monteiro, condenado por estelionato e fraude.

Segundo o deputado, o delegado, chefe do Departamento de Investigação de Fraudes, seria um dos exemplos de interferência sobre a perícia criminal, por ter pressionado por mudanças em laudos que teriam contribuído para a condenação de Nilton.

João Leite exibiu vídeo e foto para questionar o comportamento do delegado, que em uma das imagens apareceria tomando cerveja com o condenado, no interior de uma instalação da Polícia Civil. "Isso com alguém que falsificava documentos desde 2005 para cobrar dívidas e que foi o mentor da lista de Furnas", disse o deputado, em referência à lista de políticos que teriam sido beneficados pela estatal.

O presidente da comissão, deputado Sargento Rodrigues (PTB), classificou de escandalosa a postura do delegado, quando também defendeu a apuração das denúncias de ingerência sobre a perícia feitas na audiência. Vice-presidente da comissão, o deputado Cabo Júlio (PMDB) endossou a necessidade de apuração.

Visita - A comissão aprovou diversos requerimentos relativos à audiência, entre eles um de visita ao Instituto de Criminalística, assinado por João Leite, Sargento Rodrigues e Cabo Júlio.

Foi aprovado também requerimento de audiência sobre uma Resolução da Secretaria de Estado de Segurança Pública que trata de procedimento para atendimento da população LGBT no sistema socioeducativo do Estado. O autor é o deputado Sargento Rodrigues.

Consulte o resultado da reunião.