Deputados ouviram relatos de problemas em São Joaquim de Bicas e criticaram a ausência de representantes do Governo do Estado na reunião
Para Maria Tereza, realidade vivenciada no presídio de Bicas 2 não é caso isolado
Deputados acreditam que situações como as de Bicas 2 representam drama para presos e familiares

Parentes de presos relatam superlotação em presídio

Familiares dos detentos também denunciam maus tratos e castigos coletivos em presídio de São Joaquim de Bicas.

24/04/2018 - 17:22

Violência contra presos, com casos de espancamentos; falta de remédios e de itens como fraldas geriátricas e absorventes; visitas de familiares dificultadas; fornecimento de alimentação imprópria; superlotação de celas. Denúncias como essas foram feitas nesta terça-feira (24/4/18) por familiares de detentos do Presídio de São Joaquim de Bicas 2, situado na cidade de mesmo nome, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

Eles participaram de audiência da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada para discutir a situação em Bicas, mas que acabou expondo uma realidade também vivenciada por diversas unidades prisionais.

“Bicas não é um caso isolado. A situação no Estado nunca esteve tão ruim como agora", afirmou a presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, Maria Tereza dos Santos.

Também marcaram presença na audiência familiares de presos vindos de outras cidades, como Betim e Contagem (RMBH), Mariana e Ouro Preto (Região Central do Estado) e Ponte Nova (Zona da Mata), que lotaram o Auditório da ALMG.

Maria Tereza mencionou itens de um extenso documento de denúncias relacionadas a Bicas 2, que abriga hoje em torno de 2.300 presos, para uma capacidade projetada em 754. Além da qualidade da comida, que classificou de péssima, ela destacou casos de presos com dentes, braços e costelas quebrados em sessões de castigos coletivos, que seriam frequentes na unidade, mas que estariam sendo ocultados por meio da suspensão temporária de visitas para esconder das famílias as evidências das agressões.

Uso rotineiro de grupo de intervenção é criticado

A presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade creditou boa parte da situação de violência em Bicas 2 à presença rotineira do chamado Grupo de Intervenção Rápida (GIR).

O GIR integra o sistema de segurança pública, sendo formado por agentes penitenciários treinados para intervir em situações específicas. Contudo, diante da carência de agentes penitenciários regulares, o grupo tem sido presença constante em várias unidades do sistema prisional.

Além disso, o GIR estaria se valendo do uso da balaclava, gorro que cobre a cabeça e o pescoço, para ocultar a identidade de agentes em serviço. “Nosso ponto principal hoje, dentro da lei, é que se tire das unidades a balaclava", cobrou Maria Tereza.

"Trata-se de uma tortura institucionalizada o uso indiscriminado dessa máscara pelos agentes", endossou a defensora pública Raquel Passos, ao classificar de pertinentes as denúncias envolvendo a situação de Bicas.

Raquel disse ainda que há situações semelhantes de superlotação e maus tratos em outras unidades. É o caso do Presídio Regional de Nova Lima (RMBH), que, segundo ela, foi alvo de recente pedido de interdição por superlotação, tendo sido encontradas no local 33 pessoas numa mesma cela, todas com conjuntivite.

Por sua vez, o promotor Mauro Ellovitch lembrou que ainda em 2012 foi proposta pelo Ministério Público uma ação para interdição de Bicas 2, com o objetivo de impedir juridicamente a colocação de novos presos na unidade. Segundo ele, a comarca local foi favorável à ação em decisão liminar, mas o Estado recorreu ao Tribunal de Justiça e hoje a ação se encontra à espera de julgamento nos tribunais superiores.

Segundo o promotor, além da superlotação, Bicas 2 convive com a falta de agentes penitenciários: são 440 servidores, abaixo do número recomendado (754).

Deputados culpam Estado por demissão de agentes

Presidente da comissão e autor do requerimento da audiência, o deputado Sargento Rodrigues (PTB) criticou a ausência de representantes do governo à reunião e cobrou providências. Ele pontuou que situações como a de Bicas 2 impõem um "martírio" a presos e familiares e decorrem de medidas equivocadas adotadas pelo governo.

O parlamentar citou a dispensa de três mil agentes penitenciários contratados, sem que tivesse havido reposição ou abertura de novas vagas. "Isso impacta diretamente em todo o sistema, dificultando o trabalho dos agentes que ficaram e a visita dos familiares a que os presos têm direito", afirmou.

O deputado João Leite (PSDB) também criticou a situação dos internos do sistema penitenciário e seus familiares. "As famílias estão vivendo um drama. O Poder Executivo está falhando", registrou ele.

Carta de Ouro Preto

Dada a palavra à plateia, a francesa Nathalie Geneviève, que está no Brasil há 23 anos e hoje vive em Ouro Preto, relatou ter sido presa na cadeia da cidade recentemente, junto com o marido, este ainda detido, pelo fato de a família manter em casa uma plantação para fins medicinais visando ao uso do canabidiol, um dos princípios ativos da maconha.

"Conheci um sistema falido, com jovens jogados em unidades sem condições, sem dignidade", disse ela, que relatou ter tido o braço quebrado durante um tumulto na unidade. A francesa entregou à comissão uma carta em nome de detentos e familiares de Ouro Preto contendo reivindicações como o direito à assistência médica e social e ao trabalho remunerado.

Segundo o presidente da comissão, a chamada "Carta de Ouro Preto" será encaminhada, via requerimento, às autoridades competentes, assim como outros requerimentos relativos à audiência sobre Bicas 2.

Consulte o resultado da reunião.