Comissão da Verdade compara impeachment à ditadura
Membros do grupo apresentam relatório final de trabalho sobre violações de direitos no regime militar.
13/12/2017 - 14:08 - Atualizado em 13/12/2017 - 16:45“Talvez os tanques militares tenham sido substituídos por togas da Justiça, mas os demais atores são os mesmos: latifundiários, empresários, setores conservadores das igrejas. Entender a ditadura militar é essencial para entender o momento de ruptura democrática que vivemos agora”, disse Robson Sávio Reis Souza, o coordenador da Comissão da Verdade em Minas Gerais (Covemg).
Ele e outros membros do grupo apresentaram, nesta quarta-feira (13/12/17), resultados do relatório final da Covemg à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A Covemg estudou e pesquisou por quatro anos as violações de direitos durante a ditadura militar.
A maioria dos convidados fez paralelos entre o golpe militar e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que consideraram um retrocesso democrático. Para o coordenador da Covemg, Robson Souza, muito do que acontecia na ditadura se observa hoje. Entre as práticas que se repetem, ele citou a criminalização da política e dos partidos como forma de afastar os cidadãos das decisões.
Robson ressaltou, ainda, que a ditadura tinha "tentáculos" em toda a sociedade e não foi mantida apenas pelos militares, mas com a participação ativa de membros de todos os Poderes de Estado, de empresários e de latifundiários, outra semelhança que ele aponta com a deposição recente de Dilma Rousseff.
Outro membro da Covemg, Paulo Afonso Moreira, tratou da questão indígena e disse que quatro povos foram visitados pelo grupo de trabalho. Segundo ele, observou-se excesso de militarização nas áreas indígenas com expulsão de etnias de suas terras, como teria acontecido no período ditatorial.
“A invasão das universidades públicas, a política de intimidação, tudo isso não deveria ter acontecido no passado e não deveria acontecer hoje”, completa outro participante da Covemg, Carlos Melgaço.
Metodologia - A Covemg trabalhou em várias frentes, com pesquisas sobre torturados, desaparecidos e mortos por agentes do Estado no período entre 1964 e 1988. Também estudou o impacto causado em etnias indígenas, a repressão de movimentos estudantis, a censura à imprensa e às artes, a repressão à população rural, a cassação de mandatos políticos e a demissão de servidores públicos, o papel das igrejas na ditadura e na resistência, entre outros.
Para a construção do relatório final, foram utilizadas estratégias como entrevistas com militantes do período, além de consulta a documentos oficiais e extraoficiais.
Memória é considerada forma de resistência
Também foi consenso entre os convidados a importância de conhecer a história e preservar a memória para que a democracia brasileira avance. “Lembrar também é uma forma de resistência”, disse Maria Celina Pinto Albano, membro da Covemg. Ela foi responsável, entre outras funções, de buscar os locais onde foram praticadas torturas em Minas Gerais.
Segundo ela, até o educandário do Colégio Militar, em Belo Horizonte, serviu como local de tortura, assim como todos os quartéis do Estado. Ela sugeriu que o local onde funcionava o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), ícone da ditadura, seja transformado em um museu, para que essas histórias não se percam.
A deputada Marília Campos (PT) destacou a importância da Comissão no sentido de conhecer a história real da ditatura militar em Minas Gerais e ressaltou que é importante que essa história seja contada a todos, especialmente aos mais jovens.
Falta de reformas é apontada como impasse à democracia
Uma das dificuldades relatadas é refere-se à realização do levantamento dos culpados das violações de direitos durante o período militar. Outra é a de julgar aqueles que já foram identificados.
O professor de direito e coordenador do Centro de Estudos da Justiça de Transição da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Emílio Peluso, destacou que o Judiciário brasileiro ainda não aceitou nenhuma das 30 denúncias já feitas pelo Ministério Público de Minas contra agentes da ditadura. Para ele, isso demonstra que as instituições não passaram pelas reformas institucionais necessárias para atuarem na democracia.
O deputado Durval Ângelo (PT) lembrou do histórico da Comissão da Verdade, criada pela Lei 20.765, de 2013, que tramitou na ALMG como Projeto de Lei (PL) 3.296/2012. “Fui relator em 1º e 2º turno do projeto e nosso esforço foi para garantir uma lei que não só criasse a Comissão da Verdade, mas que que representasse o desejo dos que lutaram e venceram a ditadura, com ampla participação da sociedade civil”, disse.
O parlamentar elogiou os trabalhos da Covemg e destacou que é preciso continuar as mobilizações pela manutenção da democracia. “O corte diário de direitos que estamos vivendo confirma o golpe que foi dado contra uma presidente democraticamente eleita. E isso demonstra que nossa luta precisa ser permanente”, afirmou.
Recomendações – Ao final do relatório apresentado pela Covemg são feitas recomendações para os três Poderes. Para a ALMG, sugeriu-se, por exemplo, a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o histórico de violações de direitos e mortes em Unaí, desde 1985.
Outra recomendação é de que se promova a reincorporação e/ou a contagem do tempo para a aposentadoria dos funcionários públicos que, durante a ditadura, foram afastados de seus cargos e funções em virtude de sua atuação política.
O coordenador da Covemg, Robson Souza, destacou que ainda há muita dificuldade de acesso a informações sobre esse período e que várias instituições se negaram a colaborar com o estudo, como a Polícia Civil. Ele disse, ainda, que é preciso criar comissões específicas para tratar, por exemplo, dos trabalhadores rurais ou das comunidades indígenas, para avançar no conhecimento sobre o período.
UFMG – A recente condução coercitiva feita do reitor e de professores da UFMG, pela Polícia Federal (PF) na operação batizada de “Esperança Equilibrista”, foi repudiada pelos presentes. “Essas ações não são apenas arbitrárias, elas são inconstitucionais e ilegais”, reforçou o professor Emílio Peluso.
O deputado Cristiano Silveira (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, disse que a corregedoria da PF já abriu um processo para apurar abusos nesse caso.