O Encontro Internacional Descriminalização das Drogas, que reúne especialistas internacionais e do Brasil, prossegue ao longo desta sexta (17)
Para Frederico Garcia, o aumento dos usuários pode ter consequências na saúde pública
Elisaldo Carlini falou sobre estudos que comprovariam os benefícios do uso medicinal da maconha
Na opinião de Ana Lúcia Godard, é fundamental oferecer opções para as crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social

Especialistas divergem sobre liberação da maconha

Em encontro sobre descriminalização das drogas, expositores discordam quanto aos benefícios do uso medicinal da planta.

17/11/2017 - 12:30 - Atualizado em 17/11/2017 - 15:26

Argumentos contrários, como o aumento do número de dependentes químicos, e favoráveis, como relatos de melhoras em sintomas de doenças, à liberação do uso medicinal e recreacional da maconha foram apresentados por especialistas que participaram na manhã desta sexta-feira (17/11/17), do Encontro Internacional Descriminalização das Drogas, no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

O coordenador do Centro de Referência em Drogas (CRR) e professor adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Frederico Garcia, manifestou-se contrariamente à liberação da maconha para o uso recreacional.

Para ele, o aumento dos usuários pode ter consequências, por exemplo, na saúde pública, com o aumento de dependentes químicos, de doentes mentais e dos gastos públicos com os tratamentos.

Segundo o professor, atualmente cerca de 2 milhões de pessoas são dependentes da maconha no Brasil, sendo que, com a liberação, poderíamos chegar a 10 milhões de dependentes. “O sistema de saúde pública teria que enfrentar uma grande epidemia”, apontou.

Ele destacou ainda que, por trás do discurso da liberação do uso das drogas, existe um forte interesse econômico, alimentado, por exemplo, pela perda de mercado sofrida pela indústria tabagista.

Contrabando - Frederico Garcia contestou os argumentos favoráveis à liberação da maconha e mostrou como é preciso pensar nas suas consequências e nos aspectos judiciais, médicos e econômicos.

Para ele, por exemplo, o argumento de que a liberação poderia diminuir a violência e o tráfico não se sustenta já que, no Brasil, 70% do cigarro comercializado é contrabandeado, o que mostra que legalização não significa o fim do “mercado paralelo”.

O professor Fernando Garcia também contestou as informações de que haveria benefícios no uso medicinal da maconha. Segundo ele, ainda não há segurança sobre a real eficácia da maconha, por exemplo, na utilização em pacientes com doenças psiquiátricas.

Especialista defende uso medicinal

Já o professor emérito da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro do Painel Consultivo de Especialistas em Dependência de Drogas e Problemas com Álcool da Organização Mundial da Saúde (OMS), Elisaldo Carlini, apresentou posição contrária e falou sobre estudos que comprovariam os benefícios do uso medicinal da maconha.

Segundo ele, a história da humanidade é repleta de relatos sobre os benefícios de seu uso, que remontam à China, 3 mil anos antes de Cristo. Entretanto, no século XX, houve uma condenação da maconha, que, apenas agora, começou a ser revista.

Elisaldo Carlini apontou vários estudos e experiências de diversos países como Canadá, Estados Unidos, Israel e Holanda, que vêm mostrando os benefícios do uso medicinal da maconha. Ele citou, como exemplo, melhorias constatadas em pacientes com esclerose múltipla e no alívio das reações causadas pelo tratamento quimioterápico.

Para o professor, os médicos brasileiros, ao negarem os benefícios, estão desprovidos de conhecimento técnico, além de se recusarem a escutar os relatos dos pacientes que estão vivenciando melhora na sua condição. “Está na hora de os médicos refletirem sobre os relatos dos pacientes a respeito dos benefícios vivenciados pelo uso medicinal da maconha”, defendeu.

Incentivo ao esporte pode ser alternativa

O incentivo à prática do esporte pelos jovens como forma de canalizar a tendência genética de consumo compulsivo de álcool e outras drogas foi defendido pela professora da UFMG, pós-doutora em epidemiologia molecular e doutora em genética humana, Ana Lúcia Godard.

Ela apresentou resultado de estudo que indicou a existência de gene ligado tanto a problemas de comportamento na adolescência quanto ao consumo excessivo de álcool na fase adulta. Para ela, a identificação desse gene comum entre os dois comportamentos pode guiar o desenvolvimento das políticas públicas de prevenção ao consumo excessivo.

“As políticas públicas precisam atuar para dar alternativas aos jovens, deslocando a compulsão da droga para outro tipo de compulsão, como, por exemplo, a prática de esportes”, afirmou.

A professora lembrou que não é só a presença do gene que contribui para o desenvolvimento do consumo excessivo do álcool na fase adulta, mas que o ambiente também propicia isso, sendo fundamental oferecer opções para as crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social.

Ana Lúcia Godard ainda trouxe dados sobre o consumo de álcool. Segundo ela, no Brasil, 59% da população faz uso abusivo, sendo que, no caso da população jovem, esse número é de 30%. A professora lembrou que o início do consumo de álcool na adolescência aumenta o risco de dependência, inclusive de outras drogas, na fase adulta.

Alternativa - O presidente da Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas e autor do requerimento, deputado Antônio Jorge (PPS), destacou a importância do caminho apresentado pela professora Ana Lúcia Godard. “Em vez de lutar contras as drogas, podemos competir com elas e oferecer alternativas ao comportamento compulsivo”, afirmou.