Prédio fica localizado na Avenida Afonso Pena, 2.300, e pertence à Fundação Sistel de Seguridade Social
A deputada Marília Campos, que solicitou a visita,  disse esperar que as negociações avancem para uma solução definitiva

Moradores querem manter ocupação no Centro da Capital

Comissão de Direitos Humanos visita edifício que abriga 200 famílias há 28 dias e ouve relatos do dia a dia no local.

04/10/2017 - 21:05

Moradores da ocupação urbana Carolina Maria de Jesus, instalada há 28 dias em prédio no Centro de Belo Horizonte, consideraram insuficiente a bolsa moradia, ou aluguel social, acenada pelo Governo do Estado e pela prefeitura para que deixem o local.

Durante visita da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) ao imóvel nesta quarta-feira (4/10/17), lideranças do movimento manifestaram que a intenção é manter a ocupação do edifício, localizado na Avenida Afonso Pena, 2.300, que está vazio há alguns anos e pertence à Fundação Sistel de Seguridade Social.

"Consideramos importante o diálogo aberto com o governo, mas a bolsa moradia não resolve o problema, pois cria uma insegurança sobre sua continuidade", afirmou Leonardo Péricles, da coordenação nacional do Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB).

Conforme o dirigente relatou à deputada Marília Campos (PT), que solicitou a visita, uma alternativa à proposta da concessão da bolsa moradia seria garantir que as cerca de 200 famílias da ocupação continuem no edifício. "Inclusive arquitetos que nos apoiam já iniciaram estudos para a adaptação do prédio, que é comercial, em prédio de apartamentos", informou Leonardo.

Segundo ele, outra alternativa defendida seria que o imóvel fosse transformado em área de moradia popular no Centro da Capital. "Mas estamos abertos a outras propostas, lembrando que um reassentamento em outro local tem que ser em condições iguais ou melhores, porque aqui estamos vivendo bem", afirmou, citando o Estatuto da Cidade para defender a função social que a propriedade teria que exercer.

Solidariedade - A deputada Marília Campos disse esperar que as negociações com o Governo do Estado e a prefeitura avancem para uma solução definitiva para os moradores da ocupação, que classificou de legítima. "Viemos trazer nossa solidariedade e apoio a esses 28 dias de luta e resistência, pois vocês se alimentam de uma esperança por uma vida melhor e pelo direito à moradia", afirmou a parlamentar.

Espaço tem regras e tarefas compartilhadas

Lideranças da ocupação também destacaram à comissão que pesquisa feita junto aos moradores teria mostrado que 70% deles querem morar no Centro de Belo Horizonte, sendo que o restante ficaria na região, embora prefira não se fixar no Centro.

As famílias da ocupação, segundo o movimento, são oriundas de bairros da Região Norte da Capital, do Barreiro e do próprio Centro. A maioria estaria em situação de rua ou à beira disso, morando de favor, desempregada ou trabalhando como ambulantes ou em colocações informais.

Durante a visita, moradores informaram que boa parte das crianças já teria conseguido transferência para escolas próximas e apresentaram à comissão os vários espaços ocupados. O hall de entrada do edifício foi transformado em espaço de convivência, com apresentações culturais, área de creche para as crianças menores, espaço de lazer e estudo para as maiores, e até uma biblioteca em fase inicial de organização.

Nessa mesma área, eles contaram que são realizados também aulões semanais, sobre temas diversos, e que aulas de alfabetização de jovens e adultos duas vezes por semana serão iniciadas nos próximos dias, envolvendo  voluntários que já estariam sendo recrutados pelas redes sociais.

Desde a entrada na ocupação já são expressas as regras de convivência no espaço. A partir das 22 horas, impera a lei do silêncio. O último horário para entrada à noite é às 22h30. "Depois disso, só em caso de exceções, como estudo ou trabalho. Também não se pode usar drogas ou beber aqui, nem entrar alcoolizado. E casos de violência contra mulheres serão discutidos em assembleia e podem gerar até expulsão", relatou Poliana de Souza Inácio.

Banhos - Da mesma forma, banhos não podem passar de quatro minutos e há horários fixos para as quatro refeições diárias, preparadas de forma compartilhada na cozinha comunitária que funciona no pilotis do prédio. Os alimentos são levados por moradores ou doados pela vizinhança, como sacolões da região. "Temos comida para mais dois dias, mas até hoje não faltou", contou Amarilis Murça, uma das responsáveis pela tarefa.

Na área externa do pilotis, crianças iniciaram, em jardineiras desocupadas, o plantio de uma horta comunitária, onde começam a surgir os primeiros pés de alface, couve e tempeiros. "Estamos dando vida para o prédio, o que antes não tinha aqui, só havia mato", apresentou Flávia Moreira, que está na ocupação com três filhos.

Em vão livre, os andares acima - dos 15 andares do edifício, sete estão ocupados - foram transformados em grandes quartos abertos, com divisórias improvisadas, ao gosto de cada família, ou demarcados por colchonetes agrupados ou mesmo barracas. Pequenas TVs e roupas dependuradas completam o ambiente.

Homenagem – O nome da ocupação é uma homenagem à escritora Carolina Maria de Jesus, nascida em Sacramento (Triângulo Mineiro). Negra e pobre, foi viver na capital paulista em 1947, onde atuou como catadora de lixo, ao mesmo tempo que escrevia. É autora de “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, obra publicada em 1960.

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