Deputados apoiam terreiro de candomblé contra cerco do MP
Participantes de audiência definem ações em solidariedade a atingidos por restrições à realização de cultos.
26/09/2017 - 20:00 - Atualizado em 27/09/2017 - 11:15Os deputados da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) empenharam, em audiência pública realizada na tarde desta terça-feira (26/9/17), seu apoio aos frequentadores do Centro Espírita Ilê Axé e Sangô, em Santa Luzia (RMBH).
O centro de candomblé tem, desde 2015, seu funcionamento restrito pela ação do Ministério Público (MP), que, acionado por vizinhos que reclamaram do barulho dos cantos e atabaques, teria obrigado os responsáveis a assinar um termo de ajustamento de conduta (TAC). O documento já está sendo questionado administrativamente no Conselho Nacional do Ministério Público, ainda sem previsão para uma decisão.
Diante da demora na solução do problema, ficou definido na audiência que a comissão vai realizar visita técnica ao local, que deve ser transformada em um grande ato público em defesa ao direito à liberdade de culto, previsto na Constituição Federal, e ao respeito às tradições das religiões de matriz africana. A ação consta de um dos requerimentos apresentados ao final dos debates, que devem ser aprovados na próxima reunião.
Também ficou decidido que tanto o MP em Santa Luzia quanto a Procuradoria-Geral de Justiça serão, por meio de outros requerimentos, notificados para que se manifestem. Esses requerimentos foram assinados pelo presidente e pelo vice da comissão, respectivamente deputado Doutor Jean Freire e deputada Marília Campos, ambos do PT.
Ela assinou, juntamente com o deputado Rogério Correia, também do PT, o requerimento para debate desta terça (26). “Vivemos um tempo de intolerância. Comprometer a liberdade religiosa é comprometer a democracia”, justificou Marília Campos.
Atabaques - Os participantes da audiência denunciaram que o conteúdo do TAC desrespeita os pilares da sua prática religiosa. O documento estabeleceria, por exemplo, a realização de cultos apenas uma vez durante a semana, somente até às 22 horas, e em um sábado por mês, até o mesmo horário.
Mas a imposição que mais indignou os presentes foi a restrição ao uso de apenas um atabaque, e não três, já que, para os praticantes de candomblé, não se trata apenas de instrumentos de percussão, mas da própria personificação das entidades que eles cultuam, a exemplo de imagens de santos ou crucifixos em outras religiões. Esses mesmos atabaques foram tocados ao longo da reunião, acompanhando cânticos tradicionais, em meio aos diversos pronunciamentos de protesto.
No último dia 18 de julho, a deputada Marília Campos acompanhou os representantes do centro espírita em uma reunião com o procurador-geral Antônio Sérgio Tonet, na qual foram pedidas providências.
MP - Contudo, conforme destacou a coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos e Apoio Comunitário, promotora Nivia Mônica da Silva, a independência funcional de cada promotor faz com que essa decisão somente possa ser alterada por uma instância superior, no caso o Conselho Nacional do MP.
A promotora reconheceu que a decisão pode ser revista, por não se tratar apenas da liberdade individual de um terreiro, que teria infligido a legislação ambiental, mas da liberdade religiosa de todos os terreiros de candomblé no País, conforme já orienta uma nota técnica do MP mineiro.
Mas o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG, Willian dos Santos, informou que já foi pedido um parecer nacional da entidade sobre a posição do MP de Santa Luzia, o que pode embasar um mandado de segurança da entidade contra o TAC.
Proibir atabaques equivale a proibir orações
A coordenadora do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira, Makota Célia Gonçalves, disse que silenciar os atabaques equivale a impedir os frequentadores do terreiro de rezar. “No Brasil, a Justiça não é cega; é caolha, pois enxerga somente o que lhe interessa. O TAC é uma imposição e queremos que o MP respeite nosso direito de rezar, que é inalienável. Onde todos veem um atabaque, eu vejo uma divindade”, afirmou.
O presidente da Associação Resistência Cultural Afro-Brasileira Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente, Ricardo de Moura, também criticou a limitação aos atabaques. “O couro não pode bater dentro do terreiro, mas todo mundo quer samba”, criticou.
Luiz de Odé, representante do Centro Espírita Ilê Axé e Sango, também foi enfático. “Não são os outros que vão decidir como vou seguir minhas tradições. Queremos uma democracia que não fale apenas aos brancos”, disse.
Mais requerimentos – Ainda na reunião, foram aprovados requerimentos do deputado Doutor Jean Freire para visita à Secretaria de Estado de Fazenda para apurar a disponibilidade de verbas para estruturação dos comitês de bacias hidrográficas no Estado. Na mesma linha, atendendo a pedido do parlamentar, também será realizada audiência pública para debater a situação precária da Bacia do Rio Fanada, no Vale do Jequitinhonha.
Da deputada Marília Campos, foi aprovado requerimento para visita a Betim (RMBH), para visando participar de audiência na Câmara Municipal sobre proposta de mudança no Plano Diretor Metropolitano que pode ampliar a ocupação urbana no entorno da represa da Vargem das Flores.