Paulo Freire é inspiração na luta contra escola sem partido
Em meio a críticas ao governo Temer, participantes de audiência lembram que lições do educador continuam atuais.
20/09/2017 - 19:23Em uma era de cada vez mais intolerância, nada mais oportuno do que revisitar, 20 anos após sua morte, a obra do educador, pedagogo e filósofo brasileiro Paulo Freire. Essa foi, em linhas gerais, a conclusão da audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada na tarde desta quarta-feira (20/9/17).
A reunião, que atendeu a requerimento do deputado Rogério Correia (PT) em virtude da comemoração da Semana Paulo Freire em Belo Horizonte, se transformou em um ato em defesa de uma educação plural, inclusiva e democrática e contra o governo do presidente Michel Temer e o projeto de escola sem partido. Gritos de “Fora Temer” foram repetidos a cada pronunciamento.
“Reforçar o legado de Paulo Freire é importante neste momento de crescente intolerância no País e no mundo. Essa ideia de escola sem partido é um exemplo disso, como se as pessoas e escolas pudessem não tomar partido, não estar ao lado de algo”, criticou o deputado Rogério Correia.
“É impossível não fazer política, algo natural do ser humano, sobretudo nas escolas, que devem discutir os temas importantes para o futuro da sociedade. É essencial unir o que é aprendido com o contexto em que vivemos, como ensinava Paulo Freire”, avaliou o parlamentar.
De acordo com Rogério Correia, esse tipo de projeto tenta incutir a ideia de que os políticos são todos iguais e, ao solapar a prática política, liquida também a oportunidade dos oprimidos de mudar essa situação.
“Não basta saber ler que Eva viu a uva. Essa frase emblemática esconde que posição Eva ocupa em seu contexto social, quem trabalhou para produzir a uva e quem lucra com isso”, exemplificou.
Na mesma linha, a deputada Celise Laviola (PMDB), presidente da comissão, defendeu a liberdade do debate no ambiente escolar. “Não vivemos sem política, ela é o que nos move. Precisamos manter e valorizar os bons políticos”, emendou.
A parlamentar conduziu a reunião, que foi aberta com uma apresentação do grupo Abadá Capoeira, que reproduziu, ao som de um berimbau e passos de dança, cenas da vida de Paulo Freire.
Pedagogia crítica - Paulo Reglus Neves Freire nasceu em Recife (PE), no dia 19 de setembro de 1921, e morreu em São Paulo (SP), no dia 2 de maio de 1997, sendo um dos principais expoentes do movimento denominado pedagogia crítica.
Por lei federal, é o patrono da educação brasileira. Ele propôs uma nova prática didática, voltada sobretudo à alfabetização dos mais pobres, na qual o estudante se transforma no protagonista do processo, traça seu próprio caminho e adquire consciência política.
Ao mesmo tempo em que servia de inspiração para professores na América Latina e na África, Paulo Freire foi perseguido pela Ditadura Militar, preso e exilado. Foi no Chile, em 1968, que ele escreveu sua principal obra: "Pedagogia do Oprimido".
Escola é trincheira em defesa dos oprimidos
A secretária de Estado de Educação, Macaé Evaristo, reforçou a importância dos ensinamentos de Paulo Freire, na sua avaliação um símbolo da construção do direito à educação no Brasil.
“Vivemos em uma sociedade desigual, que se instituiu sobre o racismo e machismo. Por isso, devemos sempre nos perguntar a favor de quem estamos fazendo esta educação. A educação é um ato político e deve ter sempre um compromisso com os oprimidos”, afirmou Macaé.
A presidente da Central Única dos Trabalhadores em Minas Gerais (CUT-MG), Beatriz da Silva Cerqueira, disse que os ensinamentos de Paulo Freire devem ditar a rotina das escolas porque somente a educação tem o poder de transformar a sociedade.
“A escola é um lugar de todos. É lá que vamos vencer ou sermos vencidos pelo racismo, pelo machismo, pelo preconceito. É um território em disputa”, pregou a sindicalista, que exibiu vídeo com críticas ao governo Temer.
Cuba – Coube ao membro da Associação de Pedagogos de Cuba, Mariano Alberto Isla Guerra, que está em Belo Horizonte para participar da programação da Semana Paulo Freire, reforçar o reconhecimento internacional ao educador brasileiro. Em sua apresentação, ele detalhou as várias dimensões do pensamento do homenageado e sua íntima relação com o processo histórico vivido por Cuba desde a Revolução Cubana.
Ele alertou aos presentes para o perigo representado pelo projeto da escola sem partido, classificada por ele como a mais ampla e perigosa estratégia política de manutenção do poder de que se tem notícia em andamento na América Latina.
Na mesma linha, segundo a defensora pública Francis de Oliveira Rabelo Coutinho, a proposta contraria a essência da escola, que é um lugar de conflito. “Mas isso é bom, pois o conflito em si não é positivo nem negativo, mas sim transformador quando há respeito às diferenças. A escola tem que tomar partido em tudo, essa é a verdadeira educação libertadora de Paulo Freire”, apontou.