As recomendações determinam o encaminhamento dos bebês de mães usuárias de drogas para acolhimento institucional ou entrega a parentes próximos
A promotora Kátia Araújo informou que já há um procedimento instaurado para investigar supostos abusos

Violação de direitos de mães e bebês é denunciada na ALMG

Decisões do MP e da Justiça teriam dado margem a abusos, conforme relatos à Comissão de Participação Popular.

30/05/2017 - 19:31 - Atualizado em 31/05/2017 - 11:25

A polêmica existe desde 2014, mas ainda rende muita dor de cabeça para os profissionais de saúde e revolta os defensores do vínculo entre as mães e seus bebês. Eles estão em pé de guerra com a Justiça e o Ministério Público (MP), normalmente acionados para garantir os direitos de mulheres em situação de vulnerabilidade social.

A tensão ficou clara na tarde desta terça-feira (30/5/17), em audiência da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), requerida pelo presidente da comissão, deputado Doutor Jean Freire (PT).

Duas recomendações do MP, de 2014, e uma portaria da Vara Cível da Infância e da Juventude da Comarca de Belo Horizonte, de 2016, têm determinado a notificação, no prazo de 48 horas, e o encaminhamento dos bebês de mães usuárias de drogas ou em trajetória de rua, identificados ainda nas maternidades, para acolhimento institucional ou entrega à família extensa (parentes próximos).

A medida não exigiria a constatação de situações de violência ou de abandono material pela mãe, o que estaia em desacordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Como consequência, segundo relatos feitos na audiência pública, o que era para ser uma excepcionalidade, acabou dando margem a abusos, com o aumento em Belo Horizonte dos casos de mães que perderam seus bebês.

Além disso, quem se opõe à medida estaria sendo intimidado. Duas profissionais de saúde já teriam sido exoneradas e dois membros do Conselho Municipal de Saúde foram obrigados a prestar depoimento na Polícia Civil.

Mobilização - Essa situação gerou a campanha “De quem é este bebê?”, cujo vídeo de apresentação foi exibido na audiência. O principal argumento é de que a perda da maternidade quando ainda há alternativas disponíveis é uma dupla punição, que se soma à própria exclusão social da mãe.

O vídeo traz números que comprovam o aumento de casos de perda dos bebês. Foram 26 casos em 2013 em Belo Horizonte, 72 em 2014, 140 em 2015 e, no ano passado, 132, de acordo com informações da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social.

A deputada Marília Campos (PT) classificou esse tipo de ação como um “sequestro de crianças”. “O direito da criança estará mais garantido se ela ficar ao lado da mãe. Às vezes, o bebê é a única coisa que lhe restou na vida”, afirmou. “A Assembleia precisa se posicionar com firmeza contra isso”, completou o deputado Doutor Jean Freire.

O deputado Antônio Jorge (PPS) disse ser necessária uma regulamentação mais clara de medidas tão extremas como o rompimento do vínculo entre mãe e filho. "Essa medida não pode amparar-se somente em um ato normativo do MP", afirmou.

Já o deputado Geraldo Pimenta (PCdoB) comparou a retirada dos bebês à desocupação da chamada "cracolândia" da capital paulista pelo prefeito de São Paulo, João Dória. "É uma política higienista", classificou. 

Ministério Público investiga abusos

A assessora especial da Procuradoria-Geral de Justiça, promotora Kátia Suzane Lima Mendes Araújo, reconheceu a gravidade do caso e informou que já há um procedimento instaurado para investigar supostos abusos, seguindo determinação do procurador-geral de Justiça, Antonio Sérgio Tonet, que acompanha diretamente a questão. Segundo ela, ainda não há uma definição sobre o assunto.

“O Ministério Público é um defensor intransigente dos direitos humanos, da proteção integral da criança e do adolescente e da dignidade dos cidadãos, inclusive da autonomia das mulheres na decisão de ser mãe, conforme garante a Constituição”, afirmou a promotora.

Ela minimizou o alcance das leis criticadas na audiência, que, na sua opinião, são apenas um passo preliminar na decisão do destino do recém-nascido em risco, que seguirá ainda o devido rito judicial.

Requerimentos - Por sugestão da deputada Marília Campos, foram aprovados diversos requerimentos, entre eles para levar o caso ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal (STF), em uma visita técnica à sua presidente, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha.

Redes estadual e municipal de saúde são contra a prática

Os convidados da audiência foram unânimes no repúdio aos abusos que têm levado mães em situação de vulnerabilidade a perder a guarda dos seus bebês. O coordenador de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Humberto Verona, se disse indignado. “Sob o pretexto de defender a criança, estamos criando uma violação muito mais grave”, ponderou.

Segundo ele, no âmbito do Estado, foi constituída uma comissão intersetorial de várias secretarias que elaborou uma resolução conjunta, em 2016, reforçando os protocolos de atendimento em respeito aos direitos da mãe e do bebê. Vários órgãos públicos e entidades se pronunciaram tecnicamente sobre a questão, documentos que estão sendo reunidos no site da campanha “De quem é este bebê?”.

A vereadora de Belo Horizonte Áurea Carolina elogiou a resolução e cobrou providência semelhante no âmbito da Prefeitura de BH. Segundo ela, o prefeito Alexandre Kalil já teria se comprometido a reforçar a decisão de garantir o direito das mães, mantendo a notificação a cargo dos conselheiros tutelares, como sempre foi feito. 

O coordenador de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Arnor José Trindade Filho, lembrou que já existem protocolos que estabelecem, com o devido respaldo legal e técnico, o fluxo de atendimento a mães e bebês em situação de vulnerabilidade. 

“Querem que o assistente social decida o futuro de duas pessoas no prazo máximo de 48 horas, como se ele fosse uma extensão do tribunal, conforme seus próprios valores, sem diálogo com as pessoas que construíram a política pública de saúde. Vale lembrar que, nesses casos, a política pública já tem um débito com essas pessoas em situação de vulnerabilidade”, completou Arnor Filho.

Outros requerimentos – Outros dois requerimentos de audiência pública foram aprovados. O deputado Doutor Jean Freire quer debater o Programa de Apoio Financeiro à Escola Família Agrícola, instituído pela Lei 14.614, de 2003, e a deputada Marília Campos pretende discutir projeto de sua autoria que institui cotas raciais na Fundação João Pinheiro.

Consulte o resultado da reunião.