Expressões depreciativas estimulam violência contra a mulher
Para participantes de audiência pública, xingamentos humilham e podem levar a atitudes ainda mais graves.
25/11/2016 - 19:17O uso de termos pejorativos contra as mulheres é, também, uma forma de violência e opressão e colabora para a naturalização da cultura de domínio dos homens em todas as esferas de poder, além de abrir caminho para agressões ainda mais graves. Essa reflexão foi unânime entre as participantes da audiência pública da Comissão Extraordinária das Mulheres da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta sexta-feira (25/11/16). A audiência marcou o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, comemorado nesta data.
“Querem nos silenciar e nos constranger com atitudes como essas”, criticou a deputada Marília Campos (PT), uma das autoras do requerimento que motivou a reunião. A parlamentar afirmou que é preciso construir uma cultura de respeito à mulher em todos os ambientes. “Quando há violência física, há cobertura da mídia, mas essa prática cotidiana tem pouca repercussão”, lamentou.
A parlamentar lamentou que, apesar de avanços na legislação brasileira, como a Lei Maria da Penha e a do Feminicídio, a violência contra a mulher continua aumentando. “Esse tratamento propicia o aumento da violência física”, advertiu.
A coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marlise Matos, apresentou dados que mostram a exclusão feminina. Segundo ela, embora 39,8% dos domicílios brasileiros sejam chefiados exclusivamente por mulheres, que são 39% da mão de obra ocupada no mercado, o País está entre os 15 mais desiguais do mundo na relação entre homens e mulheres.
Política - Os números mostram que as mulheres ainda são subrepresentadas na política: elas ocupam 22% das cadeiras na Câmara dos Deputados e 24% no Senado, colocando o Brasil na 154ª posição, entre os 188 pesquisados pelo Fórum Econômico Mundial. Na América Latina, perde para todos os demais países, exceto o Haiti.
E nas últimas eleições municipais, a representação feminina reduziu ainda mais. Nas prefeituras, foram eleitas 641 mulheres, contra 669 que atualmente ocupam o cargo. “O quadro mostra a exclusão injusta das mulheres dos espaços de poder”, analisou a pesquisadora.
Marlise Matos citou exemplos de vários políticos, incluindo atuais ministros, que já se expressaram de forma pejorativa contra as mulheres, destacando o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que foi condenado a indenizar a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) depois de dizer que ela não merecia ser estuprada. “Essas são formas de manter as condições de opressão e de domínio dos homens sobre as mulheres”, disse.
Situação das mulheres negras é ainda pior
De acordo com a coordenadora do Serviço Social do Hospital Risoleta Neves, Vitória Régia Izau, a violência contra a mulher negra é ainda maior, pois também há o fator do racismo.
Para ela, expressões como “vaca”, “galinha”, “piranha”, “macaca”, entre outras, têm o objetivo de difamar, injuriar ou caluniar as mulheres, além de reduzir sua importância como ser humano. Ela lamentou que muitas mulheres reproduzem essas terminologias, que acabam se refletindo em comportamentos violentos que se tornam naturais. “Essa linguagem ofende, humilha, massacara, silencia e mata”, disse.
Em sua análise, esse tipo de discurso mascara relações de poder. E alertou que o sofrimento que essas humilhações provocam também compromete a saúde da mulher.
Mulheres repudiam crítica a Maria do Rosário
Todas as participantes da audiência pública manifestaram indignação com a crítica feita pelo deputado Cabo Júlio (PMDB) à deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), no Plenário da ALMG, no dia 9 de novembro. Na ocasião, ao discordar de um posicionamento que a parlamentar teria feito a respeito do caso de um taxista que matou três pessoas que tentaram assaltá-lo, o parlamentar chamou a deputada de “vaca” e sugeriu que ela ficasse calada.
A deputada Marília Campos afirmou que já apresentou um requerimento de repúdio à atitude do colega, que aguarda posicionamento da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ela também quer sugerir uma alteração no Regimento Interno da ALMG, para incluir um inciso ao artigo 59, que descreve os atos considerados falta de decoro. Ela quer que faça parte da lista o uso de expressões de cunho misógino ou depreciativo contra a mulheres.
Durante a reunião, foi lida uma nota de repúdio ao deputado e de solicitação de sua punição. De acordo com a superintendente de Autonomia Econômica das Mulheres e Articulação Institucional da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania, Renata Adriana Rosa, o documento foi entregue ao presidente da Assembleia, deputado Adalclever Lopes (PMDB), e encaminhado ao Ministério Público.
“É preciso nos organizarmos para desorganizar a cultura machista, que é instrumentalizada por violência e manifestações múltiplas que dilaceram nossa vida”, afirmou Renata Rosa.
A promotora Patrícia Habkouk, da 18ª Promotoria de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, também prestou solidariedade à deputada ofendida e lembrou que essas manifestações podem ser enquadradas no Código Penal.