Tema foi debatido em audiência pública da Comissão de Participação Popular nesta terça (22)
Negro F. enfatizou que o piche e o grafite são manifestações legítimas

Grafismo urbano ainda luta para sair da marginalidade

Grafiteiros e pichadores denunciam abusos da repressão policial e cobram politicas públicas para fomentar arte urbana.

22/11/2016 - 18:45 - Atualizado em 22/11/2016 - 19:56

Um maior respeito da sociedade e, consequentemente, do poder público às várias formas de grafismo urbano foi defendido nesta terça-feira (22/11/16), em audiência pública da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O debate atendeu a requerimento da presidente da comissão, deputada Marília Campos (PT), que apontou como alternativa a retomada de políticas públicas que amenizem a repressão aos chamados artistas urbanos.

Segundo a deputada, Belo Horizonte é atualmente uma das capitais que mais reprime essa prática no País, indo na direção contrária ao entendimento vigente em outras grandes metrópoles mundiais. Atualmente, de acordo com a parlamentar, três pichadores estão presos e 17 submetidos ao recolhimento domiciliar noturno, além de usarem tornozeleiras eletrônicas.

Um desses pichadores já teria sido condenado a oito anos e seis meses de prisão pela pichação da Biblioteca Pública Estadual Luis de Bessa. Uma multa no valor de R$ 10 milhões também estaria sendo cobrada de um grupo de 19 pichadores, sendo que o valor médio desse tipo de punição fica em torno de R$ 15 mil.

Na avaliação dos presentes, a repressão desmedida tem unido prefeituras, Polícia Militar (PM) e Ministério Público e, na avaliação da deputada Marília Campos, serve de pretexto para a violência policial. “Diante desse cenário, queremos introduzir uma nova temática para elaboração de políticas públicas. Várias formas de arte e comunicação competem entre si nas metrópoles. O curioso é que algumas são estimuladas e outras são consideradas crimes”, afirmou.

Lei prevê punição para pichação

Lei Federal 9.605, de 1998, que trata dos crimes ambientais, tipifica em seu artigo 65 como crime pichar ou conspurcar edificação ou monumento urbano, com pena de detenção de três meses a um ano, além de multa.

Esse artigo teve nova redação dada pela Lei Federal 12.408, de 2011, que descriminalizou o ato de grafitar. Essa diferença entre as duas modalidades - o grafite, baseado em desenhos e que seria socialmente aceito, e o chamado piche ou escrita urbana - estaria também contribuindo para os abusos das autoridades.

Segundo o professor Fernando Nogueira, do curso de Direito da Universidade Federal de Lavras (Ufla), há uma criminalização do gosto estético e o dano da pichação é tão ínfimo que poderia ser resolvido fora da esfera penal. “Muito se diz sobre o respeito à diferença, mas pouco se faz. O muro branco é uma dimensão da propriedade privada que deveria ser entendida como algo público”, avaliou.

Na avaliação do advogado, como a pena prevista na lei é leve, os chamados pichadores têm sido denunciados por formação de quadrilha, ação que se segue à ação irregular da PM em investigações e ao uso da tortura para obter confissões.

Uma expressão para sair do anonimato

Uma liderança entre os artistas urbanos de Belo Horizonte, Frederico Eustáquio, mais conhecido como Negro F., diz que tanto o piche quanto o grafite são expressões legítimas de uma camada segregada da população. “A pichação é uma escrita de rua. Foi assim que eu comecei a interagir com a cidade. Hoje, vivo de grafite e com ele sustento minha família”, contou o artista, responsável pela formação de várias gerações de grafiteiros, sobretudo da região do Alto Vera Cruz.

Segundo Negro F., essas manifestações artísticas dão a oportunidade ao jovem da periferia de sair do anonimato, de ser visto pela sociedade que o oprime. Na avaliação dele, apesar de algumas iniciativas isoladas, o Estado ainda não está preparado para manter projetos que possibilitem uma vazão a essa inquietude da juventude. “Estamos dispostos ao diálogo, mas não abrimos mão da liberdade para nos expressarmos. Do jeito que está hoje, formo meninos para fazer grafite e tenho medo de ser indiciado por formação de quadrilha”, ironizou.

O professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Roberto Andrés, lembrou que, curiosamente, também nesta terça-feira (22), foi aberta uma exposição no Palácio das Artes em que o maior símbolo é uma pichação, o que contraria essa onda de criminalização por critérios estéticos. “Temos que valorizar todas as formas de performance no espaço publico. Assim como não dá para esconder pretos e pobres embaixo do tapete, a cidade precisa dialogar com seus conflitos”, analisou.

Alta tensão com autoridades policiais

Por fim, a pesquisadora Ludmila Zaggo, do Grupo Cidade e Alteridade, traçou um histórico da relação das autoridades de Belo Horizonte com a pichação que, segundo ela, estaria vivendo atualmente um dos momentos de mais alta tensão, com vários exemplos de abuso policial. Ao relatar a convivência pacífica de cidades como Barcelona, na Espanha, com esse tipo de manifestação, ela disse considerar estranho que, no Brasil, a avaliação da validade artística seja feita pela polícia.

“A pichação da Biblioteca Pública foi apagada em 12 horas, com água e sabão, mas seu autor continua preso. Na Igreja da Pampulha, o autor só ficou sabendo que se tratava de patrimônio tombado ao ver a repercussão. Ele se identificou e também continua preso. As mesmas autoridades que estão lidando com o crime ambiental de pichação estão cuidando da tragédia de Mariana e ninguém ainda foi punido lá”, comparou.

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