Estudantes se mobilizam em defesa da educação pública
Pais e filhos se unem em ocupação de escola em Esmeraldas, que recebeu segunda audiência de série promovida pela ALMG.
09/11/2016 - 23:54 - Atualizado em 10/11/2016 - 11:36A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55/16, mais conhecida como PEC do teto dos gastos públicos; a Medida Provisória (MP) 746/16, que prevê a reforma do ensino médio, e, ainda, a legitimidade de outras medidas do Governo Federal e do próprio presidente Michel Temer. Com esses alvos na mira, a audiência pública da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na noite desta quarta-feira (9/11/16), em Esmeraldas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), serviu para reforçar a mobilização da comunidade que gravita em torno da Escola Estadual Monte Sinai, no bairro Novo Retiro.
A reunião é a segunda de uma série em escolas palco de ocupações, atendendo a requerimentos da deputada Marília Campos (PT), presidente da Comissão de Participação Popular. A primeira foi realizada em Contagem (RMBH), na última quinta-feira (3), na Escola Estadual Helena Guerra, e as próximas serão em Brumadinho, Ibirité e Ribeirão das Neves, também na RMBH.
Na Escola Monte Sinai, a ocupação durou apenas sete dias, terminando no último dia 26 de outubro para não atrapalhar o ensino fundamental municipal oferecido ali no período da tarde. Mas o clima dentro e fora da escola ainda é de efervescência, contagiando inclusive pais dos alunos. Alguns deles chegaram a dormir na escola em apoio aos filhos.
Mobilização - No depoimento emocionado de todos ao longo da audiência, fica claro a esperança de que o movimento seja o início de uma “primavera estudantil”, alusão ao movimento pela democracia que começou em Praga, na Tchecoslováquia comunista, em 1968, que depois inspirou as mobilizações populares nos países árabes, a partir de 2011.
Como na “primavera árabe”, em tempos de redes sociais, os estudantes trocam informações e a ocupação da Monte Sinai, inspirada na da Helena Guerra, já se desdobrou para a Escola Estadual Nossa Senhora da Conceição, em Ribeirão das Neves, todas escolas na rota da Comissão de Participação Popular.
Na contabilidade das lideranças estudantis, já são mais de 1.000 escolas e 60 universidades ocupadas em todo o País. O próximo passo dos estudantes é a adesão ao dia nacional de greve nesta sexta-feira (11).
Lições de História em meio à luta
Mobilizações assim precisam de heróis que as inspirem. Os estudantes da Monte Sinai parecem ter escolhido o seu. Na verdade, uma heroína: a professora de História, Alessandra Assis de Oliveira.
Funcionária da escola desde seu primeiro dia de funcionamento (16 de fevereiro de 2013), Alessandra ressalta o sentimento de pertencimento da comunidade com relação à escola, o que facilitou a mobilização contra medidas propostas pelo Governo Federal que ela considera que vão trazer sérios prejuízos a direitos básicos como a educação.
“Como professora, sou a primeira a dizer que é preciso reformar o ensino médio, mas precisamos primeiro ser ouvidos. A história da educação pública no Brasil mostra que ela existe, sobretudo, para atender aos interesses da elite”, acusa.
“E essa reforma do ensino médio que foi proposta tem nome e endereço: é para preto pobre da periferia. Querem atacar a formação do senso crítico, inclusive por meio do projeto da escola sem partido. Como falar, por exemplo, de Revolução Francesa sem falar de política?”, questiona.
Pais e filhos - Interrompida várias vezes por aplausos de estudantes e pais, ela avalia que quando seus alunos ocuparam a escola, levaram o debate para dentro de casa. “Preocupados, os pais procuraram saber o que estava acontecendo e, quando foram devidamente informados pelos filhos, deram um show, saindo dessa invisibilidade que a mídia quer nos forçar”, analisa.
Quanto à imposição de limite aos gastos públicos, ela avalia que também é preciso ajustes. “Qualquer dona de casa sabe que, quando falta dinheiro, é preciso cortar gastos. Mas a família, ao contrário do governo, sabe cortar o que não é prioridade. Não dá para cortar a escola, a saúde e o leite das crianças”, compara.
Deputada é contra as duas propostas
A PEC 55/16, que em linhas gerais limita o crescimento dos gastos do Governo Federal à inflação, já foi aprovada pela Câmara dos Deputados como PEC 241/16 e tramita agora no Senado. Já a MP 746/16 cria a Política de Fomento à Implantação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, uma proposta de reforma do ensino que prevê aumento da carga horária e flexibilização da grade curricular. Publicada no final de setembro, ela tem força de lei, mas perde a validade se não receber o aval do Congresso.
A deputada Marília Campos considera ambas nocivas para a sociedade e por isso pretende estimular o debate para promover a conscientização e a mobilização de alunos e pais. Na audiência em Esmeraldas, além de um desabafo, eles puderam debater o assunto com especialistas, bem como lideranças comunitárias e estudantis.
O tema mais urgente seria a PEC 55, que na avaliação dela pode congelar os gastos públicos com saúde e educação por 20 anos. “Ela congela os gastos nas áreas sociais e não os gastos financeiros, como o pagamento de juros. O resultado disso é que, já a partir do ano que vem, teremos menos dinheiro para aplicar no bem-estar do cidadão”, aponta a deputada.
“A União funciona com um orçamento corrigido pela inflação, mas a entrada de pessoas nos sistemas públicos de saúde e educação não permite essa simplificação dos cortes. Então, só podemos deduzir que pretendem cobrar pelos serviços no futuro”, alerta a deputada.