Na reunião, foi lançado o livro A Tragédia de Mariana e o Narcisismo Gerencial na Pós-Modernidade, de Epaminondas Bittencourt
Para Guilherme, a maior parte dos problemas gerados pela Samarco não foi resolvida

Livro denuncia atuação da Samarco

Obra sobre a tragédia de Mariana, que completou um ano, é lançada em audiência da Comissão de Direitos Humanos.

07/11/2016 - 18:34 - Atualizado em 07/11/2016 - 18:57

O descompasso entre a imagem projetada pelas empresas na sociedade e o descompromisso com as comunidades onde estão instaladas as grandes corporações está na essência de tragédias sociais, ambientais e culturais como a que devastou, há um ano, os povoados de Bento Rodriguese Paracatu de Baixo, distritos de Mariana (Região Central do Estado), e o município vizinho de Barra Longa (Zona da Mata). Essas localidades estão entre as que mais sofreram com o rompimento da barragem de Fundão, sob a responsabilidade da mineradora Samarco, controlada pelas empresas Vale e BHP Billinton.

Essa é a abordagem do livro "A Tragédia de Mariana e o Narcisismo Gerencial na Pós-Modernidade", de Epaminondas Bittencourt, lançado nesta segunda-feira (7/11/16) em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A reunião foi solicitada pelo deputado Durval Ângelo (PT), que assina a apresentação da obra.

Lembrando que este ano se completam também 30 anos da tragédia nuclear de Chernobil, na antiga União Soviética, e 32 da tragédia de Bopal, na Índia, o autor do livro enfatiza que o caso Samarco não é único no Brasil e no mundo, mas “é a expressão da sociedade triunfalista de mercado, em que as trocas econômicas estão despojadas de qualquer discurso ético, em que o lucro e os interesses de mercado predominam sobre os valores humanos”. “Em todos os entes envolvidos, desde os agentes reguladores até as comunidades, o que se vê é uma completa falta de enfrentamento com o poder corporativo”, ressalta o escritor.

Mestre em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e em Administração Financeira pelas Universidades de Alicante, Barcelona e Carlos III (Espanha), o autor faz uma análise do discurso da Samarco expresso em balanços e relatórios oficiais. Também chama atenção para o papel do Estado de regular a atuação de empreendimentos de grande porte. O livro é ilustrado por mais de cem fotos do próprio Epaminondas e aborda os vários ciclos de mineração no Brasil, concluindo com críticas à política corporativa das empresas.

Segundo ele, a desregulamentação do mercado nos últimos 30 anos favoreceu tragédias como a de Mariana, já que, a despeito da imagem que constroem e projetam para a sociedade, as empresas, na prática, não mantêm nenhum compromisso com a sociedade e com as comunidades afetadas por seus empreendimentos. É o que o autor chama de “narcisismo gerencial”, por meio do qual a cultura corporativa interna está completamente dissociada da identidade que projeta.

Deputado critica demora na tramitação de projetos

Para o líder do Governo, deputado Durval Ângelo, a expectativa de aprovação dos projetos de lei que regulam as atividades mineradoras no Estado (PLs 3.677/16 e 3.676/16) é muito pequena, porque, na proporção inversa, a força dessas empresas no Parlamento é muito grande. Ele lamentou que, apesar de terem sido apresentados pela Comissão Extraordinária das Barragens após investigações sobre as causas da tragédia de Mariana, a tramitação dos dois projetos não avança. Ambos passaram pela Comissão de Constituição e Justiça e aguardam parecer de 1º turno da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

Em entrevista à imprensa, o deputado Durval Ângelo fez críticas contundentes à Samarco, elogiou o trabalho de Epaminondas Bittencourt e apontou o que considera como uma contradição nas mineradoras, "que se dizem modernas, mas até hoje trabalham com capangas e pistoleiros”, segundo ele. “Trata-se de uma razão cínica, em que o que vale é a força do dinheiro e a lei do capital”, criticou.

Consequências do desastre ainda não foram superadas

Guilherme Camponêz, membro da Coordenação Estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), disse que não há mais dúvidas de que o rompimento da barragem de Fundão é o maior crime socioambiental da história do País. “Se continuar esse modelo capitalista adotado pelas empresas, que coloca o lucro acima da vida das pessoas, essas tragédias vão se reproduzir”, alertou. "Esse é um debate mais que urgente", continuou, afirmando que o MAB não é contra o desenvolvimento, mas o povo precisa participar das decisões e saber as consequências desses empreendimentos.

Ele criticou o modelo que “exporta a maior parte de sua produção, distribui os prejuízos e concentra a riqueza”. E fez um balanço do que ocorreu desde o rompimento da barragem de Fundão, em 5 de novembro de 2015. Segundo ele, a maioria dos problemas gerados pela lama da Samarco não foi resolvida até hoje – os desabrigados continuam sem assentamento, os pescadores do Rio Doce permanecem sem condições de trabalho, dado o alto nível de poluição do rio, e há milhares de atingidos pelo desastre que não são considerados pela empresa ou suas terceirizadas.

O presidente da Cáritas da Diocese de Governador Valadares (Vale do Rio Doce), padre Nelito Nonato Dornelas, disse que há hoje 900 conflitos sociais na América Latina provocados por mineradoras, além de um grande número de ameaçados de morte. Lembrando o Papa Francisco, disse que “esse modelo econômico voraz mata e é preciso repensar novos paradigmas”. E lamentou o divórcio entre política, economia e ciência da ética, o que estaria levando a humanidade à morte, conforme denúncia do Papa João XXIII.

Na Justiça - Guilherme Meneghin, promotor responsável pelo caso de Mariana, apresentou uma prestação de contas, listando o que foi conseguido até agora judicialmente, no sentido de indenizar as vítimas. Segundo ele, os relatos das primeiras testemunhas deixaram claro o desamparo total das vítimas. Ele disse que a Samarco faz marketing das ações reparadoras que, na verdade, foi obrigada a fazer por força de decisão judicial.

O promotor afirmou que dezenas de famílias já receberam uma pré-indenização, mas ainda faltam a reconstrução dos dois povoados e a indenização final pelos danos provocados às famílias. Segundo ele, o Ministério Público está apoiando os atingidos para garantir a participação de todos nas decisões. "A empresa não pode decidir unilateralmente como será a nova Bento e a nova Paracatu de Baixo", afirmou.

A coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, Nívia Mônica da Silva, também defendeu que a justiça trabalhe para tirar a invisibilidade de pessoas atingidas em tragédias como a de Mariana e Bopal, na Índia. "Eles (os atingidos) precisam ser protagonistas da reconstrução de uma história interrompida".

Consulte o resultado da reunião.