A audiência teve como objetivo debater o desabastecimento nos postos de saúde de alguns remédios básicos e de outros para doenças raras
Homero julga importante que os profissionais sejam orientados quanto à necessidade real da prescrição
Gilmar de Assis considera necessário alterar a lógica de distribuição de recursos da saúde

Pacientes de doenças graves reclamam de atraso nos remédios

Em reunião, associações de portadores dessas enfermidades denunciam deficiências na assistência farmacêutica do Estado.

22/06/2016 - 21:54 - Atualizado em 23/06/2016 - 15:32

Representantes de diversas associações de familiares e portadores de doenças raras e graves reclamaram das deficiências do Governo do Estado na entrega dos medicamentos para tratamento dessas enfermidades. As queixas principais foram quanto ao atraso na distribuição dos remédios e na própria falta de determinados medicamentos, não só para doenças raras, mas até para doenças comuns.

Todos eles participaram, nesta quarta-feira (22/6/16), de audiência da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Solicitada pelo presidente da comissão, deputado Arlen Santiago (PTB), a reunião teve como objetivo debater o desabastecimento nos postos de saúde de alguns remédios básicos e de outros para doenças raras.

Maria Juliana de Oliveira Silva, presidente da ONG Menkes Brasil e coordenadora da Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves, disse que é preciso rever a logística de distribuição do governo. “Hoje, o município culpa o Estado, que culpa o município e todos culpam a economia mundial neste momento de crise”, relatou. Ela denunciou que estão faltando vários medicamentos básicos nos postos de saúde. “Chegamos ao ponto de a pessoa chegar machucada no posto e o funcionário pedir que ela traga a gaze para que ele faça o curativo”.

A dirigente acrescentou que nem mesmo a judicialização está garantindo o acesso a medicamentos, pois, muitas vezes, o paciente não consegue obter do governo o remédio, conforme determinação judicial. “Quando você tira a chance de um paciente se tratar está eliminando a chance dele viver. Isso é uma verdadeira pena de morte”, reclamou, pedindo mais sensibilidade dos gestores.

Também tratando da judicialização, a presidente da Associação Mineira de Portadores de Doenças Inflamatórias Intestinais, Patrícia Mendes Quintiliano, registrou que visitou a farmácia judicial do governo, na Capital, e comprovou que não havia nenhum medicamento lá. “O que vai acontecer com todo mundo que fica sem os medicamentos para essas doenças? Não estamos mais falando de qualidade de vida, estamos falando é de vida mesmo”, desabafou.

Patrícia denunciou que vários remédios para retocolite (doença que afeta o intestino grosso) não estão mais na lista de medicamentos gratuitos do governo. Por esse motivo, a associação é obrigada a procurar a Justiça, e ainda assim, sem garantia de que receberá o que pediu, pois muitas liminares não estão sendo cumpridas, segundo a dirigente. 

Associações

Também se pronunciaram representantes das seguintes Associações de Minas Gerais: de Parentes, Amigos e Portadores de Epidermólise Bolhosa; dos Parksonianos, de Epilepsia, de Apoio aos Portadores de Esclerose Múltipla (Amapem), do AVC; e ainda as organizações não governamentais (ONGs) Grupar (Ribeirão Preto/SP) e Arur (Uberlândia/MG).

Foi comum nas falas as críticas ao atraso, muitas vezes, de até 90 dias, na entrega de medicamentos para os pacientes dessas enfermidades. Eles também alertaram que a falta dessas drogas pode provocar o agravamento das doenças, com prejuízos para o paciente e para a nação, que perde por deixá-lo inapto para o trabalho, de forma temporária e às vezes para sempre.

SES descentraliza compra de medicamentos

O superintendente de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Homero Souza Filho, destacou que, apesar das críticas recebidas, a situação atual é melhor que a de um ano atrás. De acordo com ele, há cerca de um ano, 165 medicamentos estavam em falta, e hoje, a SES conseguiu reduzir para 40, menos de um quarto do número anterior.

Ele contou como o governo conseguiu reduzir a lista de remédios indisponíveis. Para parte deles, não havia processo licitatório para adquiri-los. “Fizemos uma força-tarefa para fazer as licitações e ter os medicamentos disponíveis nas prateleiras”, lembrou. Ainda segundo Homero, a SES disponibiliza atualmente 450 medicamentos, sendo que ampliou de 140 para 340 aqueles da cesta de remédios básicos.

Sobre a distribuição das substâncias, Homero Filho relatou que a SES, no governo anterior, tinha optado por terceirizar a logística, passando essa tarefa para uma empresa. De acordo com o gestor, muito do atraso nas entregas se deu em função da inoperância do operador logístico, que retardou em mais de três meses, além da grande quantidade de medicamentos vencidos. Por isso, o governo rompeu o contrato de R$ 20 milhões com a empresa e buscou reocupar o almoxarifado e regularizar a situação.

Descentralização - Como contraponto, o governo optou por descentralizar as compras de muitos medicamentos, disponibilizando as licitações para os municípios. Homero explicou que, até então, os gestores propagavam a ideia de que grandes compras governamentais sempre reduziam o preço dos produtos em função do ganho de escala.

Só que, por outro lado, essa redução era tamanha que muitos fornecedores desistiam das licitações ou deixavam de fornecer medicamentos, conforme explicou. Com as licitações menores, feitas nos municípios, o gestor acredita que a possibilidade de faltar remédios será menor e quando ocorrer, vai se circunscrever a uma cidade ou região.

Para Homero, é necessário melhorar a informação ao cidadão sobre o acesso a esses remédios, e mais ainda, orientar os profissionais de saúde nos municípios quanto à necessidade real de prescrever medicações. “Segundo as pesquisas, 26% das prescrições médicas não eram de fato necessárias”, afirmou.

Parlamentares pessimistas quanto aos resultados da descentralização

O deputado Arlen Santiago manifestou preocupação com o fato de os recursos para compra de medicamentos irem direto para o município. “Pode acontecer de o próprio município não depositar na conta local para compra de medicamentos. Como tenho essa preocupação, pedi que fosse inserida na resolução estadual que trata do assunto algum mecanismo para não permitir que a prefeitura use esse recurso para outras finalidades”, destacou.

Para o deputado Antônio Jorge (PPS), tanto o modelo anterior de distribuição, terceirizado, quanto o atual, feito pelo governo, não funcionam bem. Ele sugeriu uma terceira via, que seria o fornecimento dos medicamentos pelas farmácias em cada cidade. “Temos o recurso federal para se comprar os medicamentos que a população precisa. Por que não autorizar as pessoas a comprarem no varejo com um cartão fornecido pelo governo?”, questionou.

Como foi secretário de Estado de Saúde na gestão do governador Antonio Anastasia, Antônio Jorge explicou que o problema foi a empresa escolhida para a terceirização. Além disso, ele julgou que a Secretaria de Saúde demorou muito a romper o contrato com esse fornecedor.

Já Carlos Pimenta (PDT) lamentou a crise atual, em que as pessoas não têm dinheiro para comprar remédios e, ao mesmo tempo, eles estão em falta nos postos de saúde. "Quando a pessoa é rica, ela se vira e compra o remédio, mas quem precisa de saúde gratuita é o pobre. E o governo está tratando muito mal essa população carente", desabafou.

Por sua vez, o deputado Geraldo Pimenta (PCdoB) criticou o assédio da indústria farmacêutica aos médicos. “Se não tomarmos cuidado, a gente acaba receitando medicamentos desnecessariamente”, afirmou. Acrescentou que não é verdade que se gasta cada vez menos com saúde e garantiu que os números mostram que houve avanços em Minas no setor, apesar de a necessidade ainda ser grande.

Subfinanciamento - Na avaliação do promotor de Justiça e coordenador do Cento de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Defesa da Saúde (CAO-Saúde), Gilmar de Assis, a principal causa da judicialização e das deficiências na assistência farmacêutica é o subfinanciamento da saúde. Ele avalia que a tendência é piorar, com a aprovação no Congresso da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e do teto de gastos na saúde.

O promotor manifestou sua dúvida sobre a efetividade do cumprimento do contrato por parte de um laboratório que ganhe uma licitação para entrega de pequena quantidade de medicamentos a municípios distantes.

Ele concordou com Antônio Jorge na proposta de distribuição de medicamentos via farmácias, por meio de um cartão governamental. Por último, advertiu que é preciso alterar a lógica de distribuição de recursos da saúde. “Quase 50% da verba é usada na média e na alta complexidade; apenas 16% na promoção e prevenção da saúde”, defendeu.

Consulte o resultado da reunião.