Deputados se mobilizam contra desvinculação de receitas
Medida está em tramitação no Congresso e pode reduzir ainda mais os recursos destinados à saúde.
08/06/2016 - 19:41A Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) quer o engajamento do Parlamento mineiro contra a aprovação, no Congresso, das duas propostas de emenda à Constituição (PECs) que ampliam a desvinculação de receitas e ameaçam reduzir ainda mais os recursos destinados à saúde.
Em audiência pública realizada nesta quarta-feira (8/6/16), para discutir a questão, a Comissão de Saúde formulou requerimento para que a Assembleia de Minas endosse moção elaborada e assinada por 20 entidades e instituições vinculadas ao setor.
O manifesto foi apresentado pelo promotor de Justiça Gilmar de Assis, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO-Saúde), um dos autores do documento.
A Desvinculação de Receitas da União (DRU) é um mecanismo criado em 1994, pelo governo federal, para flexibilizar a obrigatoriedade de investir determinados recursos em áreas como saúde, educação e previdência social, de forma que o dinheiro pudesse ser aplicado em outras áreas consideradas prioritárias, desde que respeitados os mínimos constitucionais exigidos por cada área.
De acordo com Gilmar de Assis, a estimativa é que a desvinculação já retirou R$ 702 bilhões das áreas de assistência social, saúde e previdência, entre 2003 e 2014. A legislação que permitia a desvinculação encerrou seus efeitos no final de 2015. As duas PECs federais recriam a desvinculação e permitem que também estados e municípios a utilizem.
A PEC 4/15, do deputado André Figueiredo (PDT-CE), que tramita na Câmara dos Deputados, permite uma desvinculação de 30% de diversas receitas, até 2023. Já a PEC 143/15, do senador Danilo Forte (PMDB-CE), tramita no Senado Federal. O texto permite uma desvinculação de 25% das receitas relacionadas, até 2019.
Municípios são os mais prejudicados
Os participantes da audiência pública avaliaram que os principais prejudicados pelo retorno da desvinculação serão os municípios, ainda que, em um primeiro momento, os prefeitos possam comemorar sua extensão às prefeituras. Gilmar de Assis afirmou que a perda de repasses federais e estaduais irá, com certeza, superar qualquer vantagem inicial proporcionada aos municípios.
O deputado Antônio Jorge (PPS) ressaltou que o peso dos gastos com a saúde já recai, há muito, sobre os municípios. “Em 1993, a União respondia por 72% dos gastos públicos com saúde. Hoje, esse percentual está em 42%”, afirmou. Esse quadro se deve não só à desvinculação de receitas, mas à falta de uma regulamentação que obrigue a União a aplicar um percentual mínimo de sua receita no setor.
Para Estados e municípios, no entanto, esse percentual já existe. Antônio Jorge citou dados do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), segundo os quais, entre 2013 e 2015, os municípios assumiram uma despesa de R$ 24,6 bilhões acima dos mínimos constitucionais a que eram obrigados. Enquanto isso, Estados investiram R$ 6,3 bilhões e, a União, apenas R$ 400 milhões.
O presidente da Comissão de Saúde, deputado Arlen Santiago (PTB), ressaltou que a DRU agravará um quadro de desmonte da infraestrutura de saúde em todo o País. “Foram 24 mil leitos fechados nos últimos cinco anos, 3 mil apenas em Minas Gerais. Vamos ver, em 2016, o fechamento de hospitais que nunca imaginávamos”, declarou. Ele citou exemplos como o de Barretos (SP), que fechou unidades hospitalares recentemente, e o Hospital da Baleia, em Belo Horizonte, que fechou o setor de pediatria.
O deputado Doutor Jean Freire (PT) defendeu que as entidades e órgãos oficiais dialoguem e unam forças aos movimentos dos trabalhadores da saúde em defesa do Sistema Único da Saúde (SUS). “O Ocupa SUS é um movimento que já está em diversos estados, ocupando espaços, e talvez seja o momento de fazermos também isso. Senão vai chegar o momento em que vamos estar falando apenas para nós mesmos”, declarou.
Além de lutar contra a restrição maior de recursos, o deputado Geraldo Pimenta (PCdoB) defendeu a necessidade de também exigir mais fontes orçamentárias para a saúde. Para isso, defendeu a volta da CPMF, “carimbada para a saúde”, a taxação de grandes fortunas e dos lucros.
Desequilíbrio federativo prejudica Minas Gerais
Os participantes da audiência pública também lamentaram que a desvinculação de receitas se soma a outros mecanismos que vêm reduzindo os recursos federais destinados à saúde, em especial para Minas Gerais. Arlen Santiago e Antônio Jorge chamaram atenção para o fato de que o Estado possui a terceira maior capacidade instalada de prestação de serviços de saúde, mas é apenas o 14° no ranking dos Estados em termos de recursos transferidos pela União, per capita.
O deputado Arlen Santiago e o deputado Carlos Pimenta (PDT) defenderam uma mobilização para corrigir essa injustiça com Minas. “Não sei porque essa iniquidade com Minas perdura por tantos anos”, protestou Pimenta. Antônio Jorge, por sua vez, disse que Minas receberia R$ 800 milhões a mais, por ano, apenas se alcançasse o valor per capita transferido para a Bahia.
Deputados e convidados também chamaram atenção para as “pedaladas” da saúde, ou seja, os valores empenhados para o setor que jamais são executados (efetivamente gastos), apesar de contarem no cálculo dos mínimos constitucionais obrigatórios. Segundo Gilmar de Assis, o problema se transformou em uma bola de neve. De 2014 para 2015, os restos a pagar não executados foram de R$ 3,8 bilhões. De 2015 para 2016, passou para R$ 5,7 bilhões.
Arlen Santiago previu que, em 2016, ao menos R$ 3 bilhões já empenhados não serão executados. O deputado Antônio Jorge defendeu que se aprove uma emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para que os restos a pagar sejam condicionados à transferência dos recursos empenhados aos fundos setoriais.
Requerimentos – Na mesma reunião, foram aprovados outros nove requerimentos para realização de visitas ou audiências públicas. Sete deles são de autoria do deputado Arlen Santiago:
- Realização de audiência pública para debater a situação das maternidades de Minas Gerais, incluindo as maternidades regionais;
- Visita ao ministro da Saúde para debater a questão da urgência e emergência, a melhoria do diagnóstico precoce para a diminuição de custos de tratamentos paliativos, bem como o motivo pelo qual Minas Gerais ficou de fora do programa de expansão de radioterapia do Ministério da Saúde;
- Visita ao presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para debater as dívidas dos hospitais e o desenvolvimento de tecnologias na área da saúde;
- Realização de audiência pública sobre o Projeto de Lei (PL) 367/15, do deputado Doutor Wilson Batista (PSD), que assegura, através do SUS, no âmbito do Estado, a realização em até trinta dias dos exames destinados à comprovação de doença neoplásica;
- Visita ao secretário de Estado de Saúde, com a presença de representantes da Associação do Noroeste Mineiro de Estudos e Combate ao Câncer (Anmec), para debater as dificuldades enfrentadas pelos pacientes com câncer na região Noroeste do Estado;
- Audiência pública no município de Patos de Minas para debater a oncologia nas microrregiões de saúde de Unaí e Patos de Minas (Noroeste);
- Audiência pública no município de Paracatu (Noroeste) para debater as questões de saúde locais.
Também foi aprovado requerimento do deputado Fred Costa (PEN) para que seja realizada audiência pública para debater as medidas preventivas de combate à depressão e ao suicídio. E ainda requerimento do deputado Iran Barbosa (PMDB) para que seja realizada audiência pública conjunta com a Comissão do Trabalho, Previdência e Assistência Social para debater a situação do Hospital Odilon Behrens e as condições de trabalho dos servidores após o desmembramento do setor de emergência para a UPA anexa ao hospital.