Trabalhador sofre mais com a crise, segundo especialista
Em reunião da Comissão do Trabalho, participantes propõem mobilização para frear desemprego no setor siderúrgico.
07/06/2016 - 20:11 - Atualizado em 08/06/2016 - 10:52A crise econômica enfrentada pelo Brasil está sendo paga pela classe trabalhadora, que sofre com o desemprego em massa e a piora nas condições de trabalho. Essa foi uma das conclusões da reunião realizada nesta terça-feira (7/6/16) pela Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Solicitada pelo presidente da comissão, deputado Celinho do Sinttrocel (PCdoB), a audiência pública reuniu centrais e outras entidades sindicais, além de autoridades estaduais e federais.
O pesquisador do Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese), Gustavo Machado, resumiu o sentimento dos participantes do encontro, ao questionar a ideia disseminada de que a crise é sofrida de igual modo por toda a sociedade.
Analisando dados recentes de vários setores da economia mineira, Machado mostrou que houve aumento de produtividade e das margens de lucro nos últimos anos, valendo-se de demissões constantes. “As demissões, na verdade, servem para que as empresas se livrem de trabalhadores mais antigos e com melhores salários, e exijam dos que ficam uma produtividade cada vez maior”, constatou.
Segundo Machado, a indústria automobilística brasileira demitiu cerca de 30 mil pessoas em 2014, enquanto que a produtividade desse trabalhador aumentou muito, sendo uma das maiores que já existiu. “Atualmente, cada trabalhador produz em média quase 25 veículos por ano”, registrou, acrescentando que a indústria de autopeças também aumentou muito a produtividade.
O mesmo se deu no setor da mineração, de acordo com o pesquisador, com o custo produtivo caindo progressivamente ao longo dos anos, mesmo na atual crise. Exemplificou com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que conseguiu chegar ao valor de produção de minério de ferro mais baixo da história no primeiro semestre deste ano, “à custa do aumento da exploração do trabalhador”.
Outro exemplo citado por Machado foi o da Vale, que obteve um recorde na produção de minério de ferro em 2014, 6,8% superior a de 2013 e 44% superior à 2009, mesmo com todas as demissões efetuadas pela empresa. “Nunca se produziu tanto minério de ferro quanto no ano passado”, exclamou.
Setor metalúrgico já demitiu 400 mil pessoas no País
O supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fernando Ferreira Duarte, relatou que o setor metalúrgico vem sofrendo perdas desde 2013, em virtude principalmente da redução do preço do minério no mercado internacional. Duarte informou que, desse ano para cá, foram eliminados no Brasil quase 400 mil postos de trabalho no setor, sendo cerca de 55 mil em Minas Gerais. O pesquisador avaliou que, como a metalurgia em Minas é concentrada em determinados polos e cidades, o drama do desemprego se mostra ainda mais gritante.
Causa ainda mais preocupação, afirmou Duarte, o ritmo das demissões. “Em um ano e quatro meses, a taxa de desemprego quase dobrou, de pouco mais de 6% para os atuais 11,2% da população economicamente ativa”.
Ele acrescentou que o Brasil está vivendo um cenário oposto ao da maioria dos países. Depois da crise de 2008, segundo Duarte, países como Estados Unidos e Grécia dobraram suas taxas de desemprego e, no Brasil, houve um enfrentamento positivo da crise internacional. O supervisor completou que, após 2013, o cenário internacional se inverteu, com reversão de desemprego na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina, ao passo que o Brasil ampliou sua população desempregada.
Precarização - Segundo o auditor fiscal do Ministério do Trabalho, Mário Parreiras de Farias, em uma época de crise como a atual, a preocupação com a fiscalização aumenta. “A parte mais fraca na relação é o trabalhador, que vai sofrer ainda mais com a precarização, o aumento do volume de trabalho, a pressão por produção. Isso vai ter como consequências o aumento do número de acidentes e de adoecimentos”, constatou.
Centrais defendem mobilização dos trabalhadores
Para o diretor da Central Sindical e Popular (CSP-Conlutas), Gilberto Antônio Gomes, a crise no País teve um impacto profundo na mineração, e, na sequência, no setor siderúrgico. Ele lamentou que a produção de ferro-gusa e de alumínio no Estado esteja sendo “praticamente extinta”. “Em Ouro Preto, a Vale e a Novelis foram fechadas; em Mariana, foi praticamente extinto o emprego”, citou. Ainda conforme o sindicalista, a crise atual não se assemelha a outras, em que o crescimento era retomado em poucos anos.
Gomes defendeu providências urgentes por parte do poder público e solicitou que a comissão intermedeie uma reunião das centrais sindicais com o governo estadual, primeiramente, e depois, com o federal. O diretor sugeriu como medidas emergenciais para os desempregados a isenção de algumas tarifas e a assistência a saúde, além de propor a organização de comitês de lutas para cobrar ações dos prefeitos e a união dos sindicatos, centrais e trabalhadores na luta contra a crise e na defesa do emprego.
Desindustrialização - Também o presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Marcelino da Rocha, defendeu essa mobilização e lembrou que isso já ocorre na Europa, com protestos na França, Portugal e Espanha. Ele avaliou que o processo de desindustrialização no Brasil também contribui muito para o desemprego. A redução da participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) do País teria começado na década de 1970. “Nessa época, a participação da indústria no PIB era de 30% e hoje é de menos de 10%, no mesmo nível de 1950”, apontou.
Para Marcelino da Rocha, os sindicatos têm que resistir a esse movimento de precarização das condições de trabalho e de aumento do desemprego, e o objetivo principal da luta deve ser o resgate do Estado Democrático de Direito. “O programa Ponte para o Futuro, do governo Temer, é a ponte para o inferno. Não adianta brigar pela industrialização, se continuarmos com esse projeto ilegítimo para o Brasil, em que o trabalhador sempre paga a conta”, bradou.
Segundo a presidente da Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT-MG), Beatriz Cerqueira, no setor metalúrgico houve redução de quase 13% dos postos de trabalhadores. “As empresas quando recontratam, o fazem com salários menores. Além disso, terceirizam cada vez mais, reduzem direitos e pioram condições de trabalho”, completou. Como resposta, ela defendeu a união para forçar o empresariado a garantir condições aos trabalhadores e cobrou do Estado a retomada dos trabalhos do Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico e Social (Cedes), que estaria paralisado.
Na avaliação dela, em Minas, colhem-se os frutos do choque de gestão, aplicado nos 15 anos de gestão tucana. Segundo Beatriz, nesse período, o governo não procurou diversificar a economia mineira, mantendo-a dependente da exportação de commodities, como o minério e os produtos agropecuários. Em relação à política nacional, Beatriz avalia que é falsa a ideia de que a mudança da Presidência da República resolverá a crise brasileira.
Deputados e governo anunciam providências
O superintendente de Gestão do Atendimento ao Trabalhador da Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social, Márcio Guglielmoni, divulgou que foi criada a Central de Vagas do Sistema Nacional de Emprego (Sine), na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O objetivo, segundo ele, é oferecer à comunidade empresarial informações mais confiáveis sobre o trabalhador para que ela amplie as contratações.
O deputado Celinho do Sinttrocel também defendeu a união de forças para vencer a crise. Sobre o processo de desindustrialização, ele lembrou que, em 2012, realizou evento na ALMG com o objetivo de discutir o assunto. O parlamentar destaca que pouco se fez para reverter o quadro desde então e, por isso, a situação fica cada vez mais grave.
O deputado Geraldo Pimenta (PCdoB), ao final da reunião, leu alguns requerimentos sobre o tema, que devem ser aprovados na próxima reunião da comissão. Eles pedem ao Governo do Estado a retomada dos trabalhos do Cedes e reunião com centrais sindicais para tratar do desemprego no setor metalúrgico, entre outras providências.