A Comissão de Direitos Humanos realizou debate sobre o processo de fortalecimento da democracia no Brasil
O professor José Luiz Quadros considera que a única saída democrática para o Brasil é o retorno da presidente eleita
Beatriz Cerqueira criticou a vinculação da Controladoria Geral da União a um ministério
Marília Campos falou sobre cortes nas políticas sociais
Carlos Pimenta defendeu que, se o presidente atual é de fato ilegítimo, sejam convocadas novas eleições

Nova eleição seria próximo passo de suposto golpe

Em reunião na ALMG, professor compara situação brasileira às do Paraguai e de Honduras.

31/05/2016 - 14:22 - Atualizado em 01/06/2016 - 09:28

O processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff foi classificado como "golpe" pelos participantes de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Na reunião, realizada nesta terça-feira (31/5/16), o professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), José Luiz Quadros, avaliou que se trata de um golpe similar aos já concretizados em outros países latinos, como Honduras e Paraguai.

José Luiz Quadros ressaltou que nesses dois países a convocação de novas eleições serviu para calar quem denunciava a tomada arbitrária de poder. "No Brasil, esse governo surreal de homens ricos, brancos e processados não vai se sustentar, e a tese das eleições começa a ganhar fôlego. Está no manual, é o próximo passo do golpe", disse.

O professor afirmou, ainda, que estamos vivendo, no Brasil, o que ele classifica como "surrealismo político". "Uma presidenta afastada - contra a qual não há processo, denúncia ou delação – é substituída por um governo no qual todos respondem a processos. É golpe e já foi inclusive confessado nas gravações vazadas recentemente", afirmou.

Ele chamou de mentiroso o discurso que disse estar sendo usado para justificar perdas de direitos sociais no País. "O discurso é de que a economia é uma ciência matemática, que deve ser deixada para especialistas a partir, por exemplo, da autonomia do Banco Central. Somos colocados como reféns de um único caminho econômico possível. Isso não é verdade. A economia é uma ciência social aplicada e não pode ser retirada do discurso político e jurídico. São escolhas nesse ramo que definem quase tudo: se tem ou não emprego, se os salários são altos ou baixos, quem estará incluído e quem poderá ser substituído", avaliou José Luiz Quadros.

Para o professor, a única saída democrática para a atual crise seria o retorno da presidenta eleita sem que a sociedade civil saia das ruas. A partir disso, seria necessário convocar uma Constituinte exclusiva para promover uma ampla reforma política. "E essa reforma só será positiva se o povo continuar nas ruas. A saída é a mobilização", disse.

Propostas do governo interino sofrem críticas

Os participantes da audiência chamaram a atenção não apenas para o processo de afastamento da presidente Dilma, mas também para as propostas que têm sido discutidas pelo governo interino de Michel Temer. A presidente da Central Única dos Trabalhadores em Minas Gerais (CUT-MG), Beatriz Cerqueira, disse que essas medidas vão piorar o desemprego e aumentar o desamparo da população.

Como exemplo, ela destacou as propostas de flexibilização das leis trabalhistas, de terceirização e de reforma da previdência social. “Estão tentando nos convencer de que o problema é que nós não trabalhamos o suficiente e, enquanto isso, estão tirando nossos direitos. O fim do Ministério da Previdência e sua subordinação ao Ministério da Fazenda é um sinal claro de que os direitos sociais serão transformados em mercadoria”, avaliou.

Beatriz Cerqueira criticou também a vinculação da Controladoria Geral da União (CGU) a um ministério. "Estamos diante do rompimento da estrutura de combate à corrupção", disse. Por fim, falou sobre a desvinclulação dos royalties pela exploração do petróleo do Pré-Sal de investimentos nas áreas da saúde e da educação. "Seriam milhões de recursos para essas áreas, que nos levariam a um patamar em que nunca estivemos, mas o senador José Serra já se comprometeu a mudar os parâmetros de exploração, passando-os para a iniciativa privada", afirmou.

A sindicalista disse, ainda, que a retirada de direitos não vai resolver os problemas econômicos do País e que, em 2008, a crise econômica mundial foi controlada internamente com investimentos em infraestrutura, investimentos públicos e créditos aos pequenos produtores e empresários. Esse é, para ela, o caminho ideal.

Inquérito - Por fim, a presidente da CUT-MG afirmou, também, que os movimentos sociais já estão sendo criminalizados pelo governo interino. Segundo ela, a entidade recebeu cópia de denúncia e pedido de instauração de inquérito civil para apurar financiamento de manifestações pelo Brasil. "Nós assinamos tudo o que fazemos, temos CNPJ, temos notas fiscais de tudo. Agora, quero saber se teremos inquérito dos trioelétricos verde e amarelos, esses sim financiados com dinheiro público, já que a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), por exemplo, recebe recursos do governo", questionou.

Beatriz Cerqueira contou que o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), entidade que ela também representa, responde a 24 processos impetrados pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) por ter denunciado a situação de escolas estaduais em Minas e que ela, pessoalmente, responde a processo que quer retirar seus direitos políticos por oito anos.

Deputado diz que projeto derrotado nas urnas agora governa

O deputado Rogério Correia (PT) destacou que o maior sinal de que o afastamento da presidente Dilma seria um golpe é o fato de o Brasil estar, agora, sendo governado por aqueles que defendem um projeto que foi derrotada nas urnas. "Um tucano agora controla a saúde e já falou que o SUS (Sistema Único de Saúde) não é prioridade. Quer substituí-lo pelos planos de saúde, que sempre o financiaram. A educação foi para 'as mãos' do DEM, que se pronunciou contrário, por exemplo, ao ProUni”, afirmou, referindo-se ao programa federal de financiamento estudantil.

Na mesma linha, a deputada Marília Campos (PT) também denunciou o suposto golpe. "É golpe e isso é óbvio, mas é muito importante falarmos que, em meio a esse processo, a agenda do Congresso Nacional não parou e estão sendo votados assuntos importantes sobre os quais a população não está sendo informada", disse. Ela citou a aprovação, na última semana, do novo Orçamento da União, que prevê déficit de R$ 170 bilhões.

"Qual a consequência disso? O corte de políticas sociais", avaliou Marília Campos. A deputada destacou, ainda, a demanda de que os investimentos em educação e saúde sejam desvinculados do orçamento. "A população não sabe o que isso significa, ela só sabe que vai ao posto e não tem remédio. E isso vai piorar. O que já está escasso, vai ficar ainda mais escasso com essa política", disse.

Imprensa - O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Kerrison Lopes, disse que os governos Lula e Dilma não teriam enfrentado os conglomerados de mídia da forma como deveriam ter feito para conseguir uma imprensa efetivamente democrática. Em sua avaliação, bastava regulamentar dispositivos constitucionais, como a proibição de propriedade cruzada de veículos de comunicação.

Ainda segundo Kerrison Lopes, a imprensa internacional inicialmente comprou o discurso dos veículos nacionais, mas após a votação do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados, no dia 17 de abril, já teria chegado ao consenso de que se tratou de um golpe. O sindicalista disse, ainda, que a presidenta Dilma cometeu erros, inclusive percorrendo caminhos na economia contrários aos interesses da esquerda brasileira e que essa reflexão tem que ser feita, mas avaliou como golpe a retirada dela da forma como está sendo feita. 

STF - O deputado Cristiano Silveira (PT), presidente da comissão, reforçou a posição do presidente do Sindicato dos Jornalistas e disse que não é possível se informar apenas com o que dizem os veículos hegemônicos de comunicação. “Mas, por mais que houvessem críticas à imprensa, ao Judiciário e à nossa democracia como um todo, ainda assim era uma democracia que caminhava e tinha um caminho claro. Agora estamos retroagindo décadas”, disse.

O parlamentar também criticou duramente o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que deveria atuar como árbitro, mas trabalharia mais como advogado de defesa do PSDB e do senador Aécio Neves.

Democratizar todas as instituições, especialmente o Judiciário e o Ministério Público, foi a necessidade defendida pelo procurador de Justiça Afonso Henrique Miranda Teixeira. “Precisamos de negros e pobres não apenas nas universidades, mas também nessas insituições, que hoje são ocupadas apenas por membros da elite, que puderam frequentar boas escolas e, assim, serem aprovados no concurso. Essas instituições têm sido fiéis ao que representam, as elites, apesar de infiéis aos seus deveres constitucionais”, disse.

Parlamentar nega golpe e critica estratégia dos movimentos sociais

O deputado Carlos Pimenta (PDT) discordou dos colegas que classificaram o impeachment como golpe. Disse que, se o presidente atual é ilegítimo, que sejam convocadas novas eleições. Afirmou, ainda, que é preciso fazer uma defesa sistemática das instituições. "Temos que fortalecer o Judiciário, o Tribunal Eleitoral, a polícia", defendeu. Ele destacou, ainda, a situação ruim da economia brasileira, com um grande número de pessoas desempregadas e endividadas, e criticou a estratégia dos movimentos sociais de "invadir" espaços públicos e privados.

Também presentes, membros de movimentos sociais defenderam a luta pela democracia. “O que vai ficar deste momento é a experiência de luta dessa geração, que está indo para as ruas sem medo do enfrentamento. Estamos nos fortalecendo”, disse Júlia Louzada de Souza, integrante da Coordenação Nacional do Levante Popular da Juventude. Ela defendeu, ainda, as ocupações e provocou o deputado Carlos Pimenta, única voz dissonante da reunião. "Invasão foi a colonização do Brasil, invasão é o que os grileiros fazem nas terras quilombolas. O que os artistas fazem nos espaços culturais e o MST nos latifúndios é ocupação. Isso é um instrumento legítimo de luta usado em toda América Latina", afirmou.

Retrocesso - A presidente da União Estadual dos Estudantes do Estado de Minas Gerais, Luanna Kathleen Paiva Ramalho, fez coro com a colega e salientou que, se antes a juventude se reunia para discutir como avançar, agora é para debater como não retroagir. Ela disse que conquistas históricas, como o ProUni, estão agora ameaçadas e que a população não vai aceitar nem um direito a menos.

O representante do Movimento dos Atingidos por Barragens, Mateus Vaz de Melo, por sua vez, disse que, se antes as críticas à condução do golpe eram acusadas de serem teorias da conspiração, agora os áudios vazados demonstram que não eram. “Não há mais espaço para dúvidas”, disse. 

Requerimentos - Durante a reunião, a comissão aprovou dois requerimentos dos deputados petistas Cristiano Silveira, Rogério Correia e Marília Campos para debater a proposta de redução de gastos governamentais em relação a dois setores: educação e a saúde pública no Brasil. Nas duas ocasiões será considerado o princípio constitucional da vedação ao retrocesso dos direitos fundamentais.

Da deputada Marília Campos, foi aprovado também requerimento de audiência pública para analisar o risco de retirada de direitos fundamentais da população relativos à Previdência Social, em detrimento ao artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 

Outro requerimento aprovado, do deputado Rogério Correia, solicita reunião para debater o conflito agrário no assentamento da Fazenda Ariadnópolis. Ainda do parlamentar petista, foi aprovado requerimento de audiência pública em Porteirinha (Norte de Minas) para discutir violação de direitos humanos sob a perspectiva das vítimas, em virtude da crescente violência urbana e rural na comunidade.

Também foi aprovado requerimento do deputado Cabo Júlio (PMDB) para realizar audiência pública em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte) para debater o atraso no concurso de Guarda Municipal, edital de 3 de junho de 2014. Segundo o parlamentar esse atraso tem gerado insegurança para os candidatos.

Consulte o resultado da reunião.