Estudo aponta interações genéticas do alcoolismo
Pesquisa desenvolvida na UFMG abre caminho para novos tratamentos que possam, por exemplo, reduzir o prazer da bebida.
10/05/2016 - 19:55Uma nova fronteira para o tratamento da dependência ao álcool pode estar escondida em pequenas interações celulares que ocorrem no cérebro de quem usa essa substância. É o que demonstram resultados preliminares da pesquisa Mecanismos Genéticos e Moleculares Relacionados ao Alcoolismo, apresentada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta terça-feira (10/5/16), durante reunião da Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e outras Drogas.
Após um estudo de camundongos, os pesquisadores descobriram diferenças em 1.127 moléculas de RNA daqueles que fizeram uso constante e compulsivo de álcool, os adictos. A área escolhida para o estudo foi o estriado, parte do cérebro responsável pela euforia do alcoolismo, que traz a recompensa do prazer. Os adictos também têm mais RNAs, o que aponta para a existência de problemas em mecanismos de transmissão que comprometem a liberação de neurotransmissores.
“O neurônio se adapta ao álcool”, aponta a professora Ana Lúcia Brunialt Godard, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Genética da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e responsável pelo grupo que realiza a pesquisa. Por essa razão, ela defende que a prevenção ao alcoolismo tem que se dar na primeira fase, que é a da euforia, quando o cérebro ainda vai tentar combater essa “estranha sensação”, levando o indivíduo “passar mal”, por exemplo.
“O álcool é responsável por 2,5 milhões de mortes por ano no mundo. Por que continuamos a beber? Por prazer!”, afirma a professora. Na fase seguinte, da abstinência, a bebida alivia sensações negativas, até que o problema se torna crônico, com os desequilíbrios neurobiológicos apontados na pesquisa. O estudo apresentado também reforça que a genética responde por 50% do problema. Os filhos de adictos, por exemplo, têm predisposição três vezes maior para o alcoolismo. Agora, a equipe quer identificar novos genes envolvidos na questão e testar, por exemplo, a resposta das cobaias aos medicamentos disponíveis.
Avanços – O deputado Antônio Jorge (PPS), presidente da comissão e autor do requerimento da reunião, classificou como “alvissareiros” os avanços da pesquisa e seus prováveis impactos na assistência ao dependente de álcool. “E se tivermos um medicamento que regule o prazer do álcool, para que ele não seja tão significante?”, cogitou? Outra possibilidade, segundo ele, seria de extratificar o risco do alcoolismo, como ocorre hoje com a gestação, por exemplo. Assim, os casos mais graves teriam atenção diferenciada, levando a uma assistência mais eficiente.
O parlamentar também ressaltou que a comprovação do componente genético no alcoolismo muda o debate da chamada “fraqueza de espírito”. “É importante que a pessoa conheça isso de forma equilibrada, para não pensar que tudo é genético”, ponderou, lembrando que o problema é multifatorial. Antônio Jorge citou exemplo de filhos de alcoólatras que, mesmo tendo a predisposição e estando na presença do álcool, têm aversão à substância, até mesmo pela história de sofrimento familiar.
Camundongos se comportam como humanos
Os camundongos foram escolhidos para a pesquisa por sua semelhança genética e comportamental com os humanos. E, de fato, algumas situações observadas no estudo soaram familiar a pessoas que lidam, na prática, com o alcoolismo e que estavam presentes à reunião. De acordo com Ana Lúcia, os ratos tiveram a liberdade de escolher entre álcool e água, oferecidos em posições alternadas ao longo do estudo. E aqueles que se revelaram compulsivos aceitaram até mesmo quinino, quando o álcool foi retirado. Marcílio de Assis, coordenador da Comunidade Terapêutica Mães e Filhos, logo fez a relação com pacientes que, na falta de outra bebida, consomem álcool de posto de gasolina.
Outro grupo de camundongos preferiu o álcool, mas rejeitou o quinino, o que demonstra diferentes níveis de adição. Nesse ponto, o presidente do Colegiado de Secretarias Municipais de Saúde de Minas Gerais (Cosems-MG), José Maurício Rezende defendeu mais investimentos em pesquisas. “Começo a ver uma luz e, futuramente, poderemos ter um êxito maior no trabalho que, hoje, é feito no escuro, porque damos tratamento igual a casos desiguais”, afirmou. Ele destacou o custo social do alcoolismo, que gera muitos acidentes e faz vítimas inocentes.
Ana Lúcia ratificou esse impacto no País, lembrando que 59% dos brasileiros fazem uso abusivo do álcool e, destes, 14% são dependentes. Há, ainda, segundo ela, uma estreita relação do álcool com doenças psiquiátricas, hepáticas e cardíacas, entre outras, que somam 10% dos problemas totais de saúde no Brasil. “É, claramente, um problema de saúde pública”, define. Ela completou as informações sobre a pesquisa, afirmando que um grupo de ratos ficou praticamente sem o etanol e outro, de controle, não teve acesso à substância.
Outro ponto destacado na reunião foi a importância de a sociedade e o poder público se apropriarem dessas informações, embora o estudo seja de difícil compreensão. “Essa interlocução precisa ser feita, também porque a prática pode influenciar a pesquisa”, concordou a professora Ana Lúcia, salientando que a audiência na ALMG foi um primeiro passo.