No ano passado, cerca de 200 mil pessoas ficaram gravemente feridas em acidentes de trânsito no Brasil, de acordo com informações do Ministério da Saúde
Minas tem a maior malha viária do País, o que reflete no número de acidentes rodoviários
Deiró Marra (centro) acredita que a terceirização de rodovias é a melhor solução para reduzir os acidentes
Carreiro conta que, no João XXIII, a média é de um atendimento a vítima de acidente de moto por hora
Bruno Henrique fraturou a bacia e os punhos ao passear com a moto de um amigo
Maria Isabel sofreu um acidente de bicicleta, no qual seu capacete rachou

Educação é vacina contra epidemia de acidentes de trânsito

ALMG adere ao Movimento Maio Amarelo, que une instituições públicas e privadas no mundo em ações de conscientização.

Por Natália Martino
09/05/2016 - 09:00

“De 40 a 50% das vítimas fatais de acidentes de trânsito morrem no local, sem nem a oportunidade de receberem atendimento médico. Não conheço nenhuma doença que faça algo parecido”, diz o cirurgião geral Paulo Roberto Carreiro. Há mais de duas décadas trabalhando na emergência do Hospital Pronto-Socorro João XXIII (HPS), referência no atendimento de traumatismos, ele ressalta que a única forma eficiente de se evitar essas mortes é um trabalho educativo consistente.

É com esse objetivo que várias instituições realizam, desde 2014, o Movimento Maio Amarelo, que reúne uma série de ações de conscientização sobre segurança no trânsito. Em 2016, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) se uniu à campanha e vai anunciar sua participação oficialmente em reunião nesta segunda-feira (9/5/16), às 19 horas. No evento, será assinada uma carta de compromisso com a campanha, a fim de levar os temas relacionados à segurança viária para o Plenário.

A comparação que Paulo Carreiro faz dos acidentes de trânsito com doenças é comprovada pela quantidade de vítimas no sistema de saúde. No Hospital João XXIII, na Capital, 13% dos atendimentos são relacionados a ocorrências nas ruas e rodovias regionais. O problema se estende por todo o País. De acordo com o Ministério da Saúde, só em 2014, cerca de 200 mil pessoas ficaram gravemente feridas em acidentes de trânsito. “Uma pessoa morre em acidente de trânsito a cada 12 minutos no Brasil, isso é uma epidemia", diz a coordenadora do Maio Amarelo em Minas, Roberta Torres.

O problema não é exclusividade brasileira. De acordo com estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), só em 2009, cerca de 1,3 milhão de pessoas morreram em acidentes de trânsito no mundo, enquanto 50 milhões sobreviveram com sequelas. São três mil vidas perdidas por dia nas estradas e ruas ou a nona maior causa de mortes no mundo. Nessas tristes estatísticas, o Brasil se destaca: é o quinto lugar mundial em número de mortes em acidentes de trânsito.

Para mudar essas estatísticas, o movimento, a partir de ações coordenadas conduzidas pelo poder público e pela sociedade civil, pretende engajar a sociedade com uma série de ações educativas sobre a segurança viária, seguindo o modelo de campanhas como o Outubro Rosa e o Novembro Azul, que abordam, respectivamente, os cânceres de mama e de próstata. Em sua 3ª edição, o trabalho é parte de um esforço global encabeçado pela Organização das Nações Unidas (ONU), que definiu o período entre 2011 e 2020 a Década de Ações para a Segurança no Trânsito.

Um recorde que não interessa a ninguém

Minas Gerais surge constantemente nos noticiários com a triste estatística de recordista em acidentes rodoviários, o que se explica, em parte, pelo tamanho da sua malha viária, a maior do País. São quase 300 mil quilômetros de estradas, 16% do total brasileiro. Embora a maioria dos acidentes sejam registrados dentro dos municípios, aqueles ocorridos em rodovias costumam ser mais graves. Só nas rodovias federais, morreram 1.300 pessoas em 2012. Ao todo, foram 4.451 falecimentos no Estado naquele ano, como resultado de ocorrências nas vias e rodovias mineiras.

Os que sobrevivem, não esquecem a dor que um acidente grave pode causar. É o caso da servidora do Tribunal do Trabalho Maria Íris de Oliveira. Há 16 anos, ela saiu de casa, no município de João Monlevade (Região Central), para comprar o mais famoso pão de queijo da região em uma lanchonete na BR-381. Ela não poderia imaginar que aqueles 20 quilômetros mudariam tanto a sua vida. Em uma das curvas, um caminhão que seguia na direção contrária invadiu a sua pista. A colisão frontal, que é o tipo mais comum de acidente em rodovias, matou seu namorado, Juliano, e a deixou no hospital por quatro meses, um deles no Centro de Terapia Intensiva (CTI). Fraturas em quase todas as costelas e perda de 80% do pulmão foram algumas das consequências. “Quando me recuperei, fiquei quatro anos sem pegar estrada e até hoje não viajo se eu não for a motorista”, diz.

A estrada que mudou a vida de Maria Íris é a segunda mais mortal de Minas Gerais, de acordo com o Diagnóstico de Acidentes de Trânsito, divulgado em 2015 pela Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds). A ALMG mostra sua preocupação com as estatísticas e, desde o acidente relatado, no ano 2000, até hoje, cerca de 20 audiências públicas foram realizadas pelas comissões da Casa para tratar apenas dessa rodovia. Falou-se sobre segurança de motoristas, de moradores das cidades às margens das estradas e de obras em andamento, especialmente nas Comissões de Transporte, Comunicação e Obras Públicas e de Assuntos Municipais e Regionalização. Ao todo, essas duas comissões realizaram, só em 2015, cerca de 70 reuniões exclusivamente para tratar de segurança no trânsito.

MG-050 - Outra rodovia que muitas vezes esteve em pauta foi a MG-050, a mais mortal do Estado segundo o relatório da Seds, privatizada oito anos antes da divulgação do documento. “Temos feito várias reuniões para rever o contrato de concessão de forma que a estrada seja duplicada, o que reduziria os acidentes”, disse o deputado Deiró Marra (PSB), presidente da Comissão de Transporte. De acordo com ele, uma das principais preocupações dos parlamentares da comissão tem sido discutir a Lei 14.868, de 2003, que trata do Programa Estadual de Parcerias Público-Privadas.

“A melhor alternativa para reduzir os acidentes está na terceirização das rodovias por meio das concessões, mas é preciso que os contratos garantam um equilíbrio entre os custos dos pedágios e as melhorias das estradas”, afirmou Deiró Marra. Assim, a comissão analisou, em 1º e 2º turnos, o Projeto de Lei 1.588/15, que pretende alterar a legislação de forma a garantir obras como duplicação de vias e oferta de serviços de resgate antes da cobrança dos pedágios. A matéria já está pronta para ser apreciada em 2º turno no Plenário.

Outro sinal do engajamento da ALMG na construção de um trânsito mais seguro é a criação de várias frentes parlamentares que tratam do tema, como a Frente da Mobilidade Urbana e a Frente em Defesa das Obras de Duplicação da BR 381 – BH a Governador Valadares. Ambas foram solicitadas pelo deputado Fred Costa (PEN), autor do requerimento que garantiu a adesão da ALMG ao Maio Amarelo.

"É preciso incentivar motoristas e pedestres a adotar comportamentos prudentes e responsáveis no trânsito", ressalta Fred Costa. Ele defende, ainda, que sejam feitos investimentos em obras viárias especialmente nas regiões metropolitanas. Nesse sentido, uma de suas principais bandeiras é a ampliação do metrô na Capital.

De capacete pelas cidades, seja de moto ou bicicleta

Investimentos em mobilidade nos municípios podem reduzir alguns dos problemas frequentes nas vias urbanas. Acidentes com motociclistas são os que mais preocupam e representam cerca de 50% das vítimas que chegam ao Hospital João XXIII. “A média é um atendimento por hora diariamente”, conta o cirurgião Paulo Carreiro. De acordo com ele, nos últimos dez anos houve grande aumento desse tipo de acidente, mas a maioria chega apenas com lesões leves, em geral nos membros inferiores.

“Dos casos que chegam aqui, observamos que os acidentes com motociclistas nas cidades resultam muitas vezes em fraturas ou esmagamento dos membros inferiores. Já aqueles ocorridos em vias expressas e rodovias resultam em politraumatismos e problemas mais graves”, explica o cirurgião.

Casos leves, entretanto, não significam pouca dor, como fica claro ao observar a perna de Mozart José de Freitas. “Um carro fez uma conversão proibida na minha frente. Eu estava devagar, até consegui parar a moto, mas ela caiu em cima de mim”, conta o aposentado, que está internado para tratar da perna direita, totalmente esmagada no acidente. “Ando de moto há 50 anos, já sofri uns 15 acidentes, mas nenhum deles foi grave”, conta. Nem todos têm a mesma sorte. De acordo com o Ministério da Saúde, em 2013, os acidentes com motos resultaram em 12.040 mortes no País, o que corresponde a 28% dos óbitos no transporte terrestre. E 842 dessas vítimas fatais dirigiam por Minas Gerais no momento da ocorrência.

Muitos acidentes com motos também acabam com ferimentos mais graves. O servente de pedreiro Bruno da Silva Henrique, por exemplo, não imaginava que uma simples volta com a moto do amigo poderia render tanta dor. Internado, ele aguarda uma cirurgia em meio a analgésicos que tentam aliviar as dores decorrentes da bacia e dos punhos quebrados. “A mulher passou direto em um sinal de pare e bateu em mim”, conta, sem deixar de admitir também que estava acima da velocidade permitida. Ele ficou desacordado no acidente, que aconteceu em Pará de Minas (Centro-Oeste), e foi imediatamente transferido a Belo Horizonte diante da gravidade de seus ferimentos.

Ciclistas - Outro personagem frágil do trânsito que tem ocupado cada vez mais leitos nos hospitais são os ciclistas. “As pessoas começaram a usar mais as bicicletas como meio de transporte, mas ainda não há uma cultura de respeito a esse novo usuário”, ressalta o cirurgião Paulo Carreiro. Belo Horizonte tem cerca de 70 quilômetros de ciclovia, mas, ainda assim, é apontada pelos ciclistas como extremamente insegura. De acordo com levantamento do projeto Parceria Nacional pela Mobilidade por Bicicletas, que ouviu 5.012 usuários em dez cidades brasileiras, a Capital mineira é percebida como a mais perigosa para ciclistas. Na pesquisa, 37,8% dos entrevistados disseram que a falta de segurança no trânsito é o principal problema, enquanto a média geral ficou em 22%.

Além de conhecerem as regras de trânsito que envolvem esse meio de transporte e estarem atentos aos carros com quem dividem a pista, os usuários de bicicletas devem reconhecer sua fragilidade e usar sempre os equipamentos de segurança. Foi isso que salvou a médica veterinária e professora universitária Maria Isabel Vaz de Melo. Em um passeio por João Pessoa (PB), ela se chocou com outro ciclista, que fazia parte de um grupo que treinava em alta velocidade. “Fiz uma pesquisa e vi que a cidade tinha muitas ciclovias, então levei o capacete na mala. Foi o que me salvou. O capacete rachou e absorveu o impacto”, conta, sobre acidente do qual saiu com muitos arranhões e dores pelos ombros e cabeça.

“Cinto de segurança, airbag, capacete, tudo isso é muito importante, reduz a gravidade dos acidentes. É o que chamamos de prevenção secundária: não impede as ocorrências, mas minimiza as lesões”, salienta o cirurgião. A conscientização para o uso desses equipamentos é fruto de educação e os resultados são a longo prazo, como lembra o médico. “Há 30 anos, ninguém usava cinto de segurança, hoje, é natural usar”, destaca. Maria Isabel, por sua vez, conta que só usou o capacete por recomendação do sobrinho que vive no Canadá. “Lá, todo mundo usa, isso nem é questionado mais”, diz. 

Por mais e melhores políticas públicas

O apoio da ALMG para cumprir essa missão foi comemorado pela coordenadora do Movimento em Minas Gerais, Roberta Torres. “Nós precisamos do apoio da classe política, existem muitas políticas públicas a serem implementadas”, diz. Além da ALMG, várias outras instituições já aderiram. De acordo com Torres, o Maio Amarelo já chegou, por exemplo, a todos os Departamentos de Estradas de Rodagem (DER).

O cronograma do órgão em Minas Gerais inclui uma blitz educativa no dia 17 de maio, no Km 17 da MG-010. Segundo a assessoria de imprensa da instituição, o DER também vai realizar ações voltadas para a prevenção, a segurança e a educação para o trânsito nas suas 40 coordenadorias regionais. O trabalho tem sido feito em parceria com a Polícia Militar; o Hospital das Clínicas e a Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); e o Centro Profissionalizante do Bombeiro Civil. 

Com todos esses apoios, o Movimento Maio Amarelo tem tratado principalmente dos temas o uso de cinto de segurança e o excesso de velocidade. “Esses são os assuntos que temos colocado na linha de frente, mas muitos outros estão em nossa pauta, como a mistura de álcool e direção, os cuidados com os motociclistas e vários outros listados como primordiais pela ONU”, afirma Roberta Torres. Por fim, ela ressalta que um trânsito seguro é mais do que um desejo, é um direito de todos e está garantido pelo Código de Trânsito Brasileiro. “Quanto mais gente souber disso, mais gente vai cobrar esse direito”, afirma.