Comissão quer estudos sobre a mulher negra no trabalho
Proposta é formar um grupo reunindo órgãos públicos e sociedade para vencer situações de violência e discriminação.
05/05/2016 - 16:28“Se a mulher branca já enfrenta dificuldades, a solidão da negra grita dez vezes mais”. A fala de Etiene Martins, coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade da Prefeitura de Sabará (Região Metropolitana de Belo Horizonte), resume relatos feitos em audiência da Comissão Extraordinária das Mulheres da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quarta-feira (5/5/16), sobre a realidade da mulher negra no mercado de trabalho. Para propor ações contra situações de discriminação e de violência que excluem essa parcela da população, deverá ser criado um grupo de trabalho formado por parlamentares, órgãos públicos e entidades da sociedade civil.
A proposta foi feita pela presidente da Comissão, deputada Rosângela Reis (Pros), a partir de sugestões de gestores e movimentos sociais. Deverão formar o grupo, além da comissão, representantes das Secretarias de Estado de Direitos Humanos e do Trabalho, e ainda de instituições como a Rede de Afroempreendedorismo, os núcleos de Defesa dos Direitos da Mulher em Situação de Violência (Nudem) e de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem), entre outros.
Segundo a deputada, que também solicitou a audiência, o objetivo do grupo é propor ações para a realização de um diagnóstico sobre a realidade da mulher negra no mercado de trabalho em Minas e para a implementação de políticas públicas inclusivas, como de estímulo ao empreendedorismo, garantia de creches e de combate à violência doméstica, causa importante de afastamento do trabalho. Convidados, e também a deputada, defenderam, ainda, que a Proposta de Emenda à Constituição do Estado (PEC) 16/15 seja votada pelo Plenário para garantir a presença da mulher na Mesa da Assembleia.
Rosângela Reis pontuou que avanços já foram conquistados pelas mulheres, embora elas ainda ganhem 30% a menos do que o homem na mesma função. “Mas foram avanços em menor escala para as mulheres negras, que ainda ocupam os piores postos de trabalho e são as mais atingidas pelo desemprego, com taxas maiores em quase 50% em relação aos homens brancos. São as que mais adoecem e as que recebem os menores salários”, frisou a deputada.
Crédito para empreendedorismo é defendido
Entre as políticas defendidas na audiência, o estímulo ao empreendedorismo foi suscitado por Makota Kizandembu, diretora de Planejamento Estratégico da Rede Brasil Afroempreendedor, organização com representação em 11 Estados. Segundo ela, não faz mais sentido apenas discutir o racismo e a discriminação da mulher negra no mercado do trabalho sem encaminhamentos práticos. Nesse sentido, defendeu a oferta de linhas de crédito como forma de inclusão das mulheres negras no mundo do trabalho.
Makota Kizandembu ressaltou que a Rede discorda de dados de pesquisa do Sebrae que teriam apontado que a maioria dos empreendedores negros do País teria apenas o ensino médio. Ela disse que pesquisa feita pelo Projeto Brasil Afroempreendedor mostrou que a maioria (74%) têm ensino superior, estando sobretudo nos ramos da moda, comércio, gastronomia e artesanato.
“O estímulo ao empreendedorismo pode reverter também a violência doméstica, que muitas vezes está ligada à dependência financeira da mulher”, endossou a presidente da Comissão Estadual da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas (OAB-MG), Cláudia Franco. Segundo ela, somente em Belo Horizonte há hoje mais de 15 mil processos em andamento, envolvendo a violência doméstica contra a mulher. Cláudia destacou que a OAB, juntamente com o Tribunal de Justiça e universidades, realizará na cidade, em agosto, um mutirão para agilizar os processos e dar amparo jurídico e psicológico às vítimas.
Violência - Por sua vez, Ermelinda Ireno Melo, coordenadora da Rede Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e representante do Consórcio Mulheres das Gerais, relatou que em Minas Gerais, de abril de 2015 a abril desse ano, foram registradas 111 mil ocorrências de violência com base na Lei Maria da Penha, situação que lembrou estar aquém da realidade, já que nem todos os casos vêm à tona.
Ermelinda advertiu que esse tipo de violência é um dificultador a mais para a entrada e permanência da mulher negra no mercado de trabalho. Nesse sentido, ela cobrou a regulamentação de artigo da Lei Maria da Penha que dispõe sobre a proteção do trabalho. “A violência doméstica é grande geradora de faltas ao trabalho. A mulher que levou uma surra ou está em cárcere privado falta por questões físicas e emocionais. Mas até hoje não se sabe quem pagará por isso, se o INSS ou a empresa”, criticou ela.
Concordando, a coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade de Sabará acrescentou que a mulher negra precisa ter opções. “Essa é uma realidade estudada a partir da saída da mulher branca para o mercado, quando, na verdade, a mulher negra há muito tempo já estava em casas de família”, frisou Etiene, formada em jornalismo e publicidade. Segundo ela, diante de discriminações, desigualdades e crises, muitas se veem obrigadas a voltar ao trabalho doméstico. “É um trabalho digno como qualquer outro, e que inclusive foi fonte de sustento na minha família, mas queremos ter o direito de escolher”, pontuou, sugerindo que o grupo de trabalho a ser formado preveja ações voltadas também para adolescentes negras.
Para a coordenadora do Comitê Nacional Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, Elizabeth Fleury, a discriminação das mulheres está relacionada também à origem do capitalismo, quando crianças e mulheres eram exploradas como força de trabalho nos séculos XVI e XVII. “O capitalismo se originou e se consolidou nas costas das mulheres”, frisou ela, para quem, na atualidade brasileira, o momento político deve servir de alerta para que não haja retrocessos de direitos e para que sejam eleitos ao Congresso Nacional representantes mais sintonizados com mudanças de comportamento. Na sua avaliação, relações sociais cotidianas já estariam à frente da representação política na valorização da mulher e no combate a relações discriminatórias.