Epidemia de drogas nos presídios preocupa comissão
Representantes do Estado admitem que não há política específica para controlar dependência de drogas nas prisões.
19/04/2016 - 19:19A população carcerária de Minas Gerais, calculada em 70 mil presos, vive hoje uma epidemia de dependência química, com consequências diretas no aumento da reincidência e da criminalidade fora das penitenciárias. Reunião realizada nesta terça-feira (19/4/16) pela Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), discutiu a situação. Representantes do Estado admitiram que não existe atualmente uma política pública específica para controlar ou reduzir a dependência de álcool e drogas da população carcerária.
Durante a reunião, tanto o presidente da comissão parlamentar, deputado Antônio Jorge (PPS), quanto a superintendente de Prevenção da Subsecretaria de Políticas Sobre Drogas, Fabiane Rodrigues Oliveira, consideraram a situação constrangedora e mostraram esperança de que a situação melhore com a reformulação do Plano Operativo Estadual de Atenção à Saúde no Sistema Prisional, que está em andamento.
Uma das medidas recentes é a implantação, no Estado, do Grupo Condutor da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (Pnaisp), que prevê a habilitação de equipes municipais de saúde, financiadas pelo governo federal. O deputado Antônio Jorge, no entanto, fez um apelo aos representantes do Estado para que ajudem a ampliar esse Grupo Condutor, de forma a garantir a participação de entidades como as comunidades terapêuticas, que já desenvolvem projetos bem sucedidos de apoio e recuperação de presos dependentes de drogas.
Para o deputado, é muito difícil um trabalho desse tipo funcionar sem a ajuda da sociedade civil. Ele considera difícil a mobilização de recursos humanos habilitados para essa atividade, por meio de concurso público, e apontou a parceria como o caminho natural. Um dos exemplos de sucesso apontados é o da comunidade terapêutica Ele Clama, criada pelo ex-jogador de basquete Carlos Eduardo Braga Menezes, que participou da reunião.
Desde 2011, a entidade Ele Clama realiza um projeto para reduzir o consumo e criar alternativas para os presos dependentes químicos, que já atuou no Complexo Penitenciário Estevão Pinto (Piep, com uma população de 400 presas) e no presídio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves (Região Metropolitana de Belo Horizonte). Menezes afirmou que, em um mapeamento inicial, 600 dos 2 mil presos da Dutra Ladeira manifestaram interesse em iniciar um tratamento para se livrar das drogas.
Dependência química nos presídios alimenta criminalidade
Menezes afirmou que mesmo dirigentes estaduais estimam que mais de 90% dos presos têm problemas com drogas. As consequências disso para a sociedade ficam claras em casos que ele relatou, como o de um ex-presidiário da Nelson Hungria que, três dias depois de sair da cadeia, foi preso assaltando uma casa lotérica para conseguir dinheiro para o crack.
A coordenadora em Saúde da Pessoa Privada de Liberdade, Reila Rezende, disse ter a expectativa de que o Grupo Condutor ajude a mudar o quadro atual, mas cobrou iniciativas da União e de municípios. Isso porque, atualmente, o Estado aguarda a habilitação das equipes municipais e o repasse de recursos para os municípios, por parte do Governo Federal. Ela acrescentou, ainda, que alguns municípios importantes, como Ribeirão das Neves, não aderiram ao novo sistema.
Sobre o uso generalizado de drogas nos presídios, Antônio Jorge questionou o diretor de Saúde e Atendimento Psicossocial da Secretaria de Estado de Defesa Social, Jober de Souza, se há uma facilitação da entrada de psicotrópicos nas unidades prisionais, como estratégia para evitar rebeliões. “A superlotação não justifica a entrada de drogas. Se ela existe é porque o controle está falhando”, afirmou Souza. O diretor relatou que hoje a Secretaria trabalha com campanhas pontuais, mas há dificuldade para manter a continuidade no tratamento, até porque há obstáculos para uma articulação adequada com os serviços de saúde.
Sobre essa questão, Antônio Jorge defendeu que se instalem equipamentos específicos para atendimento aos presos dentro dos estabelecimentos prisionais. Foram relatados casos em que a presença de presidiários e de agentes prisionais em unidades de saúde geraram desconforto e reações negativas por parte de pacientes.
Ao final da reunião, o deputado Antônio Jorge afirmou que a comissão irá solicitar ao Ministério da Saúde uma habilitação mais ágil das equipes relacionadas ao Grupo Condutor. Outra iniciativa a ser agendada, segundo ele, é uma visita à unidade prisional administrada por meio de uma parceria público-privada, em Ribeirão das Neves, para averiguar como a questão da saúde e da dependência química é tratada no local. A comissão também irá conhecer o modelo implantado pelo Espírito Santo para recuperar dependentes químicos em suas prisões. O sistema é baseado em parcerias com entidades da sociedade civil, algo elogiado pelo deputado.