Apaes pedem mais profissionais e garantia de recursos
Em audiência na ALMG, instituições reivindicaram mais investimentos do Estado e solução para a carência de professores.
19/04/2016 - 21:23 - Atualizado em 26/04/2016 - 17:08A perda de profissionais especializados, em função da declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar 100, de 2007, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), e o atraso, por parte do Governo do Estado, de repasse de recursos financeiros para as instituições foram as principais queixas manifestadas pelos representantes das Associações de Pais e Amigos de Excepcionais (Apaes), durante audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta terça-feira (19/4/16).
Convocada a requerimento dos deputados Arnaldo Silva (PR) e Elismar Prado (sem partido), a audiência, conduzida pelo presidente da comissão, deputado Duarte Bechir (PSD), teve a finalidade de debater as dificuldades pelas quais as Apaes do Triângulo Mineiro estão passando nos últimos meses. Ao todo, compareceram representantes de dez Apaes, a maioria do Triângulo Mineiro, mas também algumas das regiões Sul, Centro-Oeste e Leste do Estado.
Foram feitos inúmeros relatos de queda de qualidade no ensino e no atendimento, em decorrência da perda de profissionais. Vilma Paula Machado, de Frutal (Triângulo Mineiro), disse que, no último ano, a área de educação enfrentou muitas dificuldades em razão da perda de professores que eram vinculados ao Estado pela Lei 100. “De 18 servidores só contamos, hoje, com 11. Durante anos investimos na capacitação desses profissionais e, com a queda da lei, perdemos”, disse. Ela pediu que o governo estude a elaboração de uma política pública de educação para qualificar novos profissionais, a fim de evitar queda de qualidade no trabalho das instituições.
Valéria de Lima, de Ituiutaba (Triângulo Mineiro), disse que a perda de profissionais em razão da Lei 100 atingiu pessoas capacitadas, algumas com mais de dez anos de trabalho. “Perdemos oito professores. Eram 22, hoje estamos com 14, apenas", disse. "Tivemos que juntar salas e já tínhamos começado o ano letivo, o que tornou a situação ainda pior”, queixou-se. Maria Lúcia Figueira Freitas, de Araporã, no Triângulo, que acolhe crianças muito pequenas, também lamentou a perda de profissionais, afirmando que a entidade perdeu não só professores, mas também fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional.
Segundo Lucinélia Miranda Pinto, de Candeias (Sul de Minas), crianças e jovens que já estavam na instituição há tempos, hoje estão em casa, totalizando 80% dos alunos. “Tornou-se impossível dar continuidade ao trabalho”, disse. Ela criticou a forma como a Superintendência Regional de Ensino se relaciona com as entidades, alegando que não houve diálogo, e criticou a unificação de turmas, o que, de acordo com Lucinélia, gera prejuízos no ensino. Já Vanessa Vieira Ribeiro, de Campo Belo (Centro-Oeste de Minas), observou que a legislação não é compatível com a realidade das entidades. “Oito alunos autistas numa mesma turma não funciona. Além disso, os autistas não se adaptam à troca de professores por disciplinas”, queixou-se.
Rogério Moraes do Nascimento, de Governador Valadares (Vale do Rio Doce), destacou a excelência do serviço prestado pela entidade há 61 anos. Disse que a instituição é aprovada por 94% dos brasileiros e atua como “braço direito do Estado”. “Mas o nosso trabalho não pode ser feito por profissionais mal qualificados nem as instituições podem viver de doações. Peço ao governo que valorize essa longa história, essa história bonita”, disse.
Governo garante continuidade de repasses
O diretor de Proteção Especial da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social, Régis Spindola, informou que o Estado conta com 42 unidades de casas-lares conveniadas com Apaes, sendo três no Triângulo Mineiro. O gestor reconheceu a necessidade de novos investimentos e disse que o governo quer garantir maior inclusão. Acrescentou que já está sendo elaborado estudo nesse sentido e desmentiu boatos de que serão suspensos pagamentos às instituições. “Ao contrário, a meta é ampliar o número de atendidos”, frisou.
O mesmo foi dito pelo coordenador de Proteção à Saúde da Secretaria de Saúde, David Mello de Jesus, que informou que 21 Apaes do Triângulo são credenciadas no Estado. Conforme explicou, a partir do final de março, a coordenação passou a priorizar os pagamentos das instituições e os repasses estão em curso. David afirmou que, das 10 instituições presentes à audiência, apenas duas ou três não fazem parte da rede estadual e acrescentou que, no final do ano passado, foram credenciadas as entidades de Curvelo (Região Central do Estado), Uberlândia (Triângulo Mineiro) e Ipatinga (Vale do Aço), sendo destinada a elas recursos da ordem de R$ 609 mil reais. “Avançamos na construção da rede de cuidados especiais”, assegurou, acrescentando que na região do Triângulo foram habilitados também um centro de reabilitação em Uberlândia e outro em Araxá, além de um terceiro em Mantena (Vale do Rio Doce).
A diretora da Superintendência de Pessoal da Subsecretaria de Gestão de Recursos Humanos da Secretaria de Estado de Educação, Margareth Caldas de Souza Anício, reconheceu os impactos negativos da declaração de inconstitucionalidade da Lei 100, que atingiu 59 mil servidores, muitos há anos nas Apaes. “Mas não tínhamos como desobedecer uma decisão da instância maior do Judiciário, que é o STF”, observou. Ela lembrou ainda que o Estado está cumprindo com o que foi repactuado com as entidades, em dezembro do ano passado.
A procuradora jurídica da Federação das Apaes, Maria Tereza Feldner, reforçou as palavras dos representantes do governo. “O Estado tem se mostrado aberto ao diálogo e temos resolvido alguns casos pontuais, como a reformulação do quantitativo de professores e da matriz curricular”. Ela também admitiu que está em elaboração um documento, por parte da secretaria e da federação, e afirmou que aos poucos as dificuldades estão sendo superadas. “Creio que até setembro ou outubro já teremos um direcionamento sobre diversas questões”, disse, embora admitindo que há muitas dificuldades a serem superadas. Quanto aos problemas relacionados à educação infantil, apontados por alguns, admitiu que não é responsabilidade do Estado, mas do município, que, segundo ela, pode e deve buscar parceria com a sociedade civil, caso não tenha recursos para manter sozinho essas atividades.
Deputados avaliam atuação da comissão e situação das Apaes
O deputado Arnaldo Silva assinalou que importantes debates que têm sido feitos na comissão da ALMG, com resultados relevantes, como os que tratam do afastamento de servidores da Apae por causa da declaração de inconstitucionalidade da Lei 100; a questão da acessibilidade; a de políticas públicas sobre autismo; a que debateu isenção de impostos para pessoas com deficiência e a que aprovou a realização de um ciclo de debates sobre programa de qualificação para pessoas com deficiência, em parceria com a Câmara dos Deputados e Ministério Público.
Elismar Prado também enfatizou a importância do trabalho das Apaes no Estado e salientou a necessidade de que a comissão esteja sempre a par das perspectivas da entidade nesse contexto de crise econômica e política, considerando que a entidade sempre enfrentou dificuldades para se manter. “Precisamos de uma política de Estado, não de governo, que dê sustentação ao trabalho de vocês, já que, mesmo substituindo com muita competência o poder público, vocês precisam de ajuda”, disse. “Estamos aqui para provocar e cobrar do governo e acredito que a nossa provocação vai surtir efeito, pois essa é uma das funções das comissões”, concluiu.
O presidente da comissão, deputado Duarte Bechir, mostrou-se também bastante preocupado com a denúncia de precariedade das chamadas casas-lares, de acolhimento, e, por isso, propôs a realização de uma reunião específica da comissão para tratar do tema. Já o deputado Bonifácio Mourão (PSDB) destacou a importância de se atualizar as informações sobre o que vêm ocorrendo com as instituições mineiras. “É preciso prestigiar as entidades sérias, que utilizam de forma humana e cristã os recursos a elas encaminhados, como a Apae”, disse ele, afirmando que os problemas decorrentes da Lei 100 e a crise econômica agravaram a situação dessas instituições.
Requerimentos - Ao final do encontro, os deputados aprovaram uma série de requerimentos para atender às principais demandas apresentadas pelos participantes. Um deles propõe audiência pública sobre os serviços de acolhimento institucional ofertados pela rede socioassistencial, em especial o serviço de casa-lar e suas parcerias com as Apaes. Outro é de visita à Secretaria de Estado de Educação, acompanhada da representante da Federação das Apaes do Estado de Minas Gerais, para apresentar o atual quadro das entidades frente a Ação Direta de Incostitucionalidade (ADI) 4876, que julgou inconstitucionais dispositivos da Lei Complementar 100, de 2007.
Os demais encaminham ofícios com pedidos de providências a órgãos públicos estaduais. Um deles, dirigido às Secretarias de Estado de Saúde e de Trabalho e Assistência Social, pede providências no sentido de avaliar a possibilidade de criação de um fundo específico para a destinação de recursos para o atendimento às pessoas com deficiência no Estado. Outro solicita que as Apaes sejam incluídas no programa de repasse de recursos da Loteria Mineira.
Também foi aprovado requerimento solicitando à Secretaria de Estado de Educação a realização de concurso público específico para preencher cargo de professor do Estado vinculado às Apaes, evitando, dessa forma, a alternância de profissionais nessas instituições.
Finalmente, foi aprovado pedido de informações à Secretaria de Estado de Saúde indagando os motivos do atraso no repasse de recursos financeiros às Apaes credenciadas como Serviços Especializados de Reabilitação em Deficiência Intelectual (Serdi) e executoras do Programa de Intervenção Precoce Avançado (Pipa), bem como sobre a previsão de cronograma para quitar os valores atrasados e garantir a regularização dos repasses.