Distribuição e capacitação são desafios para cumprir lei
Governo anuncia portal de compras, o que facilitará política de aquisição de alimentos da agricultura familiar.
16/03/2016 - 21:09 - Atualizado em 17/03/2016 - 11:27Dificuldade em conciliar os interesses dos pequenos produtores rurais e dos compradores de alimentos nos diversos órgãos, problemas na capacitação técnica desses dois segmentos e gargalos na logística. Em síntese, esses foram os principais entraves para a implementação da Política Estadual de Aquisição de Alimentos da Agricultura familiar, instituída pela Lei 20.608, de 2013. Tal política, originária de Projeto de Lei (PL) 2.352/11, do deputado Antônio Carlos Arantes (PSDB), foi objeto de audiência pública da Comissão de Agropecuária e Agroindústria da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Luiz Ronaldo Carvalho, subsecretário de Agricultura Familiar, da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário (Seda), alegou que o governo enfrentou vários problemas para aplicar a nova política. Um deles foi fazer o convencimento do pessoal que faz as compras de alimentos de que adquiri-los é uma boa opção, pois vai gerar renda para o pequeno produtor e movimentar a economia das cidades. O subsecretário explicou que os compradores estavam acostumados a adquirir produtos de um único fornecedor, daí a dificuldade de mudar o paradigma.
Para reverter a situação, Luiz Ronaldo afirmou que está sendo realizada a capacitação técnica de compradores, e também, dos agricultores familiares. “Vamos fazer capacitações técnicas regionalizadas, a primeira em Ibirité, Região Metropolitana, primeiramente com os produtores rurais e depois, com os operadores do sistema”. De acordo com ele, para viabilizar esse treinamento, foi firmado um termo de cooperação técnica entre as Secretarias de Estado de Desenvolvimento Agrário e de Educação e a Emater.
Também segundo o subsecretário, ainda há insegurança por parte dos governos quanto à capacidade de entrega dos pequenos produtores, muito em função de problemas de logística. “Tivemos uma licitação aqui em Belo Horizonte e ganhou uma cooperativa de produtores do Jaíba, no Norte de Minas. Mas devido à pequena quantidade a ser comprada e do valor alto do transporte, eles desistiram”, declarou.
Portal de compras do governo será lançado em breve
O grande salto para melhorar a logística e a comunicação entre produtores e compradores se dará com o lançamento em breve do “maior portal de compras da América Latina”. Segundo Luiz Ronaldo, nesse ambiente virtual, serão divulgados todos os produtores, separados por região, com os alimentos que fornecem, em que quantidade, a que preço e em que época do ano. “Quando houver algum edital, os produtores daquela região vão ser avisados por e-mail”, informou ele, acrescentando que isso também facilitará a vida do comprador.
A secretária executiva do Colegiado Gestor da Política de Aquisição de Alimentos, Nadiella Monteiro, registrou que o primeiro trabalho foi o de convencer os compradores da mudança de paradigma, com o aumento do número de fornecedores. Outro desafio foi estabelecer uma metodologia de preços justos para os pequenos produtores. Além disso, foi necessário garantir as prioridades previstas na lei, conferidas a quilombolas e mulheres, e definir a documentação comprobatória dessa condição.
Outro grande impedimento, na avaliação de Nadiella, foi a centralização das compras do Governo do Estado em Belo Horizonte. Ela explica que não há oferta de alimentos suficientes em regiões próximas da Capital, o que encarece a vinda dos produtos. “O negócio precisa ser vantajoso para o produtor conseguir trazer o que é necessário, num tempo e num valor que valha a pena”, avaliou. Isso só vai ser obtido com a melhoria da logística, por meio da criação de centrais de abastecimento, na opinião dela.
Renata Souza Seidl, assessora da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag), analisou que é preciso chegar ao equilíbrio entre os dois lados da negociação, para que não se corra o risco de desabastecimento, por um lado, e de editais sem interessados, por outro. Ela completou que, em 2015, o governo fez um teste, realizando uma chamada pública menor, para adquirir alimentos dos agricultores familiares. “Ao todo, foram 18 órgãos que fizeram compras, gerando em 2015, R$ 173 mil. Em 2016, já atingimos R$ 230 mil”, comemorou.
Mariza Flores Peixoto, gerente regional da Emater-MG, mostrou-se honrada por ter sido a uma das responsáveis por viabilizar a primeira compra no PAA Agricultura Familiar, pela Fundação Helena Antipoff, de Ibirité (Região Metropolitana de Belo Horizonte). “Inicialmente, lançamos a chamada e não apareceu ninguém. Então, fizemos um trabalho com os produtores de lá e conseguimos viabilizar a primeira compra pelo programa”, contou. Na sua avaliação, é necessário levar membros do governo para conhecer a realidade do campo. “Temos muito que aproximar a realidade de quem produz do mundo de quem consome”, concluiu.
Autor do projeto defende mais recursos para a política
"Se tem um programa que o Governo do Estado tem que colocar muito recurso é esse!”, propôs o deputado Antônio Carlos Arantes, autor do PL 2.352/11. Para ele, se houver desenvolvimento rural, toda a sociedade sai ganhando. “Só um setor está com superávit atualmente no País, o agropecuário, que faz a diferença, principalmente graças ao pequeno produtor”, constatou. Ele acrescentou que a distribuição de renda no campo é mais democrática por meio do pequeno produtor, que emprega mão de obra local e compra produtos na sua cidade.
Por outro lado, Arantes considera que a lei fruto de seu projeto está sendo vista pelo governo como mais uma. “Espero que vocês me convençam de que estou errado, mas não estou vendo isso”, provocou ele, dirigindo-se aos representantes do Estado. “O governo está com um belo instrumento nas mãos e não está usando como poderia”, reparou.
O presidente da comissão, deputado Fabiano Tolentino (PPS) refletiu que “a realização da audiência pública era uma mostra da boa política”. Ele completou que a discussão de hoje propiciou que as entidades e órgãos envolvidos com o tema fossem chamados a participar e ajudar no aperfeiçoamento de uma política criada na Assembleia Legislativa.
O deputado Rogério Correia (PT) festejou o reajuste do valor que o Governo do Estado vai oferecer para a alimentação escolar. Conforme o parlamentar, a cada R$ 1,00 pago pelo Governo Federal, o Governo do Estado entrará com esse mesmo valor, o que também favoreceria ao produtor rural . Rogério também defendeu a ampliação da assistência técnica ao pequeno agricultor. "Muito se exige dele para que diversifique sua produção, mas para isso, ele precisa de mais assistência técnica", concluiu.
Já Guilherme Gonçalves Teixeira, assessor técnico da Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg), elogiou a política de aquisição de alimentos, mas ressalvou que ela é ainda muito tímida. “Temos hoje 437 mil unidades rurais familiares. Como o PAA familiar tem orçamento de R$ 10 milhões com um teto de R$ 20 mil por unidade, o programa só atenderia a 500 agricultores, cerca de 2% do total”, criticou.
Ele defendeu aumento do orçamento do programa e ainda, a ampliação da assistência técnica aos pequenos produtores, o que permitiria maior qualificação para entrar nos certames. Não é o que vem acontecendo, de acordo com ele, como tentou mostrar pelo que se vê na Capital. “Pela Prefeitura de Belo Horizonte, conseguimos entregar cerca de 5% no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Experiência exitosa - Moisés Soares, da Secretaria de Agricultura de Divinópolis, falou da experiência bem sucedida de aquisição de alimentos pela prefeitura local. Ele lembrou que já a partir de 2010, com a entrada em vigor da Lei da alimentação escolar, o município conseguiu cumprir a meta de comprar 30% dos alimentos de produtores familiares. Em 2012, foram comprados mais de 40% desses agricultores e em 2015, 35%.
Ele destaca que esse resultado só foi obtido com a sensibilização de nutricionistas e gestores de compras. “Eles não queriam considerar questões como a cultura, a sazonalidade dos alimentos”, declarou, avaliando que não foram obtidos índices maiores de compra por falta de assistência técnica para organizar a produção. Na sua opinião, esse apoio deveria vir da Emater, com a criação de um fundo ou uma lei de incentivo para a assistência técnica. Também sugeriu que sejam capacitadas, pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), as inspeções municipais, para facilitar a liberação da produção familiar. Por fim, defendeu o fomento ao cooperativismo e ao associativismo.