Comissão de Segurança Pública debateu o repasse de recursos para entidades que cuidam do tratamento e recuperação de dependentes de drogas
Parlamentares querem se reunir com os secretários de Estado de Saúde e de Defesa Social

Comunidades terapêuticas cobram repasses do governo

Em audiência na Segurança Pública, representantes criticam atrasos nos pagamentos e prometem cobrar na Justiça.

02/03/2016 - 19:59 - Atualizado em 07/03/2016 - 14:45

Representantes de várias comunidades terapêuticas reclamaram em coro do descaso do Governo de Minas com suas entidades, as quais atendem a ex-dependentes de drogas no Estado. Em audiência da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quarta-feira (2/3/16), eles se queixaram do atraso nos repasses de recursos às comunidades, o que está comprometendo o atendimento a milhares de pessoas em tratamento.

O presidente da Federação das Comunidades Terapêuticas Evangélicas do Brasil (Feteb), pastor Wellington Vieira, foi um dos primeiros a se pronunciar. Ele anunciou que, diante das dificuldades para receber os pagamentos do governo, a entidade já acionou o Ministério Público (MP), em reunião também nesta quarta-feira (2). “Queremos judicializar essa questão no Ministério Público. E aí, o MP é quem vai chamar o governo para se explicar", disse incisivamente.

O dirigente criticou que representantes do Governo do Estadual têm se valido do argumento de que algumas comunidades estariam violando direitos humanos e desviando recursos para atrasar os repasses. “Mas o governo não informa quem comete esses desvios”, rebateu ele, afirmando que não podem ser feitas generalizações nesse assunto.

Concordando com o líder religioso, o deputado Antônio Jorge (PPS) afirmou: Teremos mesmo que judicializar essa questão. Isso para garantir a continuidade dessa política de estado, para manter o funcionamento dessas comunidades e para reparar a honra de todos”. Se não houver mudança, afirmou, mais de 50 comunidades terapêuticas serão afetadas, deixando de oferecer cerca de mil leitos para ex-dependentes.

Também Robert Willian de Carvalho, da ONG Defesa Social, avaliou que, na falta de uma saída, é preciso apelar para a judicialização, para que o atendimento aos usuários de drogas seja mantido.

Atendimento será interrompido caso situação não mude

A psicóloga Núbia Barros, que trabalhou em comunidade terapêutica, ressaltou que tem havido grande descaso com a saúde mental no Estado. Ela relatou que a entidade em que trabalhava, a Fundação de Amparo à Doença e à Pobreza (Fundap), foi fechada no atual governo. “Nós profissionais e os acolhidos ficamos desesperados com a impossibilidade de dar continuidade aos tratamentos por falta de recursos”, contou.

Ernane Souza Silva, presidente da Associação Projeto Amor e Restauração (Apar), considerou a atitude governista uma falta de humanidade. “Não temos condição de continuar se não formos pagos. A Apar tem mais de R$ 47 mil para receber do Estado e por isso, desde 5 de dezembro de 2015, não interna mais nenhuma pessoa”, lamentou.

Cartão Aliança - Outra crítica trazida foi quanto às restrições impostas ao cartão Aliança pela Vida, que viabiliza o tratamento de dependentes com um repasse mensal  para cada paciente em comunidade terapêutica. O coordenador técnico da Associação Brasileira Comunitária para Prevenção do Uso de Drogas (Abraço), Amaury Inácio, disse que o cartão passou a prever atendimento de apenas três meses, sendo que o período contemplado até 2014 era de seis meses.

Também o pastor João Marcos, da Comunidade Terapêutica Vida Nova, de Esmeraldas, na Região Metropoplitana de Belo Horizonte (RMBH), relatou que na cidade há cerca de 16 comunidades, com uma média de 30 internos em cada. “Na nossa comunidade, temos 43 internos, 15 com o cartão Aliança pela Vida. Mas não estamos recebendo os repasses para pagamento dos nossos profissionais. Além de tudo, sou proibido de pedir ajuda, porque se eu fizer isso, meu convênio é imediatamente cortado”, lembrou.

Apenas as comunidades oferecem tratamento efetivo

A assessoria jurídica do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas (Conead), Dilma Abreu Rocha, disse ser “uma tristeza ver o trabalho das comunidades tão desvalorizado”. Na sua avaliação, o único tratamento mais efetivo para dependentes tem sido realizado pelas comunidades terapêuticas. Dilma ainda defendeu essas entidades das críticas de que tentariam doutrinar seus pacientes. “Vimos a luta delas para incluir no tratamento dos dependentes a espiritualidade, e não a religiosidade”, esclareceu.

Paulo Gregório, da Comunidade Terapêutica Sobriedade, de Caeté (Região Metropolitana de Belo Horizonte), concordou com Dilma Rocha quanto a falta de opções ao tratamento oferecido pelas comunidades. “O que o Estado tem para oferecer?”, questionou. Ele deu seu testemunho de que foi usuário de drogas por muitos anos e que começou a se tratar nas unidades do Estado, mas não conseguiu se livrar. “Só melhorei quando entrei para uma comunidade terapêutica, pois lá o clima é diferente, o tratamento é mais humano”, elogiou.

Almir Alves dos Santos, da Casa Azul, salientou a importância das comunidades terapêuticas. Ele relatou que uma dessas instituições lhe deu oportunidade que não havia encontrado antes. Ele ressaltou que já foi preso por roubar lotéricas e carros-forte. “Essas comunidades recebem as pessoas e as reinserem na sociedade”, enfatizou.

Nova audiência com representantes do governo será marcada

Ao fim da reunião, o vice-presidente da comissão, deputado João Leite (PSDB), apresentou um requerimento de reunião conjunta das Comissões de Segurança Pública, Saúde e de Combate ao Crack e Outras Drogas. Para a audiência, serão chamados os secretários de Saúde e de Defesa Social, além de técnicos que fazem as vistorias nas comunidades terapêuticas. O objetivo é debater a política estadual de tratamento dos dependentes químicos e a atuação das comunidades terapêuticas, bem como a continuidade do programa Aliança pela Vida e de outros do governo nessa área.

João Leite também vai solicitar uma reunião do presidente da ALMG, deputado Adalclever Lopes (PMDB), com os representantes das comunidades para que elas exponham seu problema. Para essa reunião, os dirigentes deverão trazer dados sobre comunidades credenciadas e descredenciadas, número de atendimentos realizados, valores em atraso de repasses e impacto disso no atendimento.

O deputado Léo Portela (PR) criticou o Governo do Estado por descumprir promessas feitas em 2014. Ele apresentou gravação de fala do secretário de Estado de Saúde, Fausto Pereira, em que este dizia que o apoio às comunidades e o cartão Aliança Pela Vida seriam mantidos. Também denunciou que as vistorias realizadas pelo Estado estariam sendo feitas de forma tendenciosa. “Não fizeram vistoria respeitando o edital que regula o assunto, que prevê a presença de técnicos da Defesa Social. Estão fazendo visitas às comunidades na calada da noite ou de madrugada e perguntam 'onde é o quartinho da lavagem cerebral, da tortura, da cura gay'"; reclamou.

Já a deputada Ione Pinheiro (DEM) disse que ficou triste, “porque o Estado, em vez de priorizar a vida e o tratamento de dependentes, está valorizando só as penitenciárias”. Para ela, o governo tem prometido muita coisa, mas não cumpre. “Estão destruindo o que era bom, sem colocar nada no lugar”, condenou.

Consulte o resultado da reunião.