Na reunião, também foi abordada a segurança das estruturas remanescentes da Barragem do Fundão, após as movimentações de rejeitos ocorridas em janeiro
José Adércio Sampaio frisou que, apesar de a primeira responsável ser a Samarco, o poder público falhou
Segundo Roger de Moura (à esquerda), um abalo sísmico pode acelerar o rompimento de uma barragem com problemas, mas nunca de uma saudável

MPF cobra política de segurança de barragens no Brasil

Autoridades que investigam o rompimento da Barragem do Fundão também apontam falhas no processo de licenciamento.

16/02/2016 - 14:20 - Atualizado em 17/02/2016 - 15:05

O rompimento da Barragem do Fundão, da mineradora Samarco, em novembro de 2015, ressalta a existência de problemas nos processos de licenciamento ambiental e a falta de uma política nacional de segurança de barragens. A consideração foi feita pelo coordenador da força-tarefa Rio Doce, do Ministério Público Federal (MPF), o procurador regional da República José Adércio Leite Sampaio, durante audiência pública realizada nesta terça-feira (16/2/16) pela Comissão Extraordinária das Barragens da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

“Não há e não havia elementos do ponto de vista dos relatórios do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) que apontassem Fundão como uma barragem insegura”, considerou o procurador Sampaio. Esse fato, em sua avaliação, reforça a existência de um grave problema sobre os parâmetros usados para classificar como seguras estruturas desse porte.

Para Sampaio, ao se analisar o fato ocorrido em Mariana (Região Central do Estado), verifica-se que a Barragem do Fundão já apresentava um histórico de problemas reiterados e, por isso mesmo, não poderia ser classificada como um empreendimento seguro. Nesse sentido, ele exemplificou que, desde o início de seu funcionamento, a barragem apresentava dificuldades para escoar a água. Ele complementou que o MPF teria ajuizado, em 2012, 57 ações contra empresas que tinham barragens inseguras, e Fundão não teria aparecido nessa listagem.

Além dessa questão, que estaria inserida no âmbito da responsabilização criminal e civil do acidente na barragem, Sampaio ainda afirmou que outra frente de atuação do Ministério Público Federal diz respeito à identificação de falhas, para que haja mudanças na legislação federal e na estadual. O procurador da República concluiu que a responsabilidade primeira no que se refere à tragédia em Mariana é da empresa Samarco. “Isso não invalida a observação de que o poder público falhou, ao se omitir na fiscalização. Vemos de maneira clara a omissão do Estado”, disse.

Nesse mesmo sentido, o promotor de Justiça Felipe Faria de Oliveira reforçou a preocupação do Ministério Público Estadual quanto às falhas que se evidenciam na área de licenciamento ambiental. Entre elas, ele citou a expedição de documentos e da concessão da autorização provisória de operação de forma precipitada e acelerada pelos órgãos ambientais.

Outro ponto abordado por Oliveira seria com relação à segurança das estruturas remanescentes, especialmente após as movimentações de rejeitos ocorridas em janeiro. Na avaliação de Oliveira, há uma série de obrigações não cumpridas e ignoradas pelo poder público e pelas empresas relacionadas à segurança das estruturas. O promotor ainda afirmou que se buscou um acordo com a Samarco, a fim de tomar medidas emergenciais para a eventualidade de novos rompimentos, além da manutenção de equipes de segurança e resgate, dentro de uma perspectiva preventiva.

Irregularidades - O deputado Rogério Correia (PT), relator da Comissão das Barragens, questionou os convidados sobre os procedimentos adotados para o licenciamento ambiental do empreendimento da Barragem do Fundão. Ele afirmou que a licença prévia para a barragem teria sido autorizada em fevereiro de 2007, de forma unilateral, sem submeter o documento à votação do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), que posteriormente teria referendado a licença. Em junho do mesmo ano, segundo o parlamentar, teria sido concedida a licença de instalação, que iria compor uma segunda fase desse processo.

De acordo com o promotor Felipe Faria de Oliveira, a licença prévia, que corresponde à primeira da fase do licenciamento, é a mais importante porque identifica a viabilidade ambiental do empreendimento. Segundo ele, a concessão da licença de instalação poucos meses após concedida a licença prévia poderia ser considerado um procedimento feito em um prazo curto. “Não é de praxe que isso aconteça de forma tão célere”. Além disso, ele considerou que não é comum que as licenças sejam concedidas unilateralmente.

Ainda segundo o promotor, em 2011 foi feito um adendo à licença de operação - última etapa do processo, concedida em 2008 - , com o intuito de adicionar obrigações relativas à questão do desmate. Entretanto, na revalidação da licença, em 2013, as obrigações previstas no termo licenciamento de 2008 não teriam sequer sido mencionadas.

Abalos sísmicos não poderiam romper uma barragem saudável

O chefe da Delegacia de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico da Superintendência Regional de Polícia Federal em Minas Gerais, Roger Lima de Moura, confirmou que, no dia do rompimento da barragem foram registrados abalos sísmicos de baixa intensidade na região, o que não minimizaria o fato de Fundão nunca ter sido considerado um empreendimento saudável.

“Um abalo sísmico pode funcionar como gatilho para romper uma barragem que já tem problemas, mas não de uma barragem saudável”, disse. O representante da Polícia Federal afirmou que o rompimento da barragem foi um fato criminoso, uma vez que a Samarco assumiu o risco de um acidente, independentemente das causas do rompimento que venham a ser apontadas na conclusão do inquérito.

Acúmulo de água - A drenagem e o acúmulo de água na barragem foi outro problema apontado pelo delegado regional de Polícia Civil, Rodrigo Macedo de Bustamante. Segundo ele, a forma como Fundão foi construída é a mais antiga, econômica e simples. “Esse método de construção dificulta a implantação do sistema interno de drenagem para controle do volume de água”, explicou.

A deputada Marília Campos (PT) lembrou que as falhas no licenciamento devem ser consideradas, mas destacou a importância de não se esquecer da responsabilidade da empresa. A mesma preocupação foi ratificada pela deputada Celise Laviola (PMDB), que denunciou que a Vale já teria inclusive questionado o valor determinado como indenização para a recuperação do Rio Doce, por considerá-lo injusto.

O deputado Agostinho Patrus Filho (PV) lembrou que a Lei Federal 12.334, que trata das barragens, determina que a empresa mineradora é a responsável por eventuais danos e problemas ao meio ambiente e às pessoas.

Atingidos - Moradora de Cachoeira Escura, distrito de Belo Oriente (Vale do Rio Doce), Ellen Dutra de Oliveira é uma das pessoas atingidas pela tragédia ocorrida em Mariana. Ela foi ouvida pelos deputados ao final da reunião e contou como as comunidades que dependem da captação de água do Rio Doce têm sido lesadas. Ellen Oliveira reivindicou o direito de as pessoas atingidas serem ressarcidas e terem acesso a, pelo menos, água limpa.

Novas visitas e audiências foram aprovadas

Ainda na reunião, os deputados aprovaram a realização de novas atividades da comissão. Foram definidas visitas à Mina Ferro Mais em Ouro Preto (Região Central do Estado), com o objetivo de conhecer os equipamentos utilizados para o reaproveitamento de resíduos que eliminam o uso de barragens de rejeitos; à barragem do complexo de Germano, para verificar a atual situação do local; e conjunta com a Comissão Extraordinária de Proteção aos Animais ao município de Barra Longa (Região Central do Estado) para verificar a situação dos animais diante da tragédia ambiental ocorrida em novembro do ano passado.

Foram aprovadas, também, reuniões com convidados para tratar do licenciamento ambiental da Barragem do Fundão; e para discutir com a Copasa a atual qualidade da água da Bacia do Rio Doce. Finalmente, foi aprovada a realização de audiência pública em Governador Valadares (Vale do Rio Doce) para debater os impactos do rompimento da barragem da Samarco para os trabalhadores, atendendo a pedido do Movimento Mundo do Trabalho contra a Terceirização.

Consulte o resultado da reunião.