Entre as irregularidades estão a falta de licitação da instituição que conduziu o processo; o uso do programa de computador da PBH; e muitas questões anuladas
O defensor Wellerson Corrêa disse que o pleito foi questionado em outros municípios

Eleições para Conselhos Tutelares de BH são questionadas

Defensoria Pública, advogado e candidatos denunciam irregularidades no pleito realizado em 4 de outubro.

03/12/2015 - 20:46

Denúncias de fraudes e de falta de lisura e transparência durante o processo eleitoral que escolheu os 45 conselheiros para os Conselhos Tutelares de Belo Horizonte, em 4 de outubro último, foram apresentadas à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) durante audiência pública na tarde desta quinta-feira (3/12/15). A reunião ocorreu a requerimento do presidente da comissão, deputado Cristiano Silveira (PT).

Entre as irregularidades apontadas consta a dispensa de licitação da instituição responsável pela condução do processo, a Fundação Guimarães Rosa. Outro aspecto questionado pelos denunciantes refere-se ao uso do programa de computador da Prodabel, empresa de informática da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), no lugar de urnas do Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Finalmente, os reclamantes denunciam também o alto número de questões anuladas na prova de avaliação dos candidatos, conduzida pela Fundação contratada pela Prefeitura.

Instituídos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os conselhos tutelares começaram a ser instalados em 1990 e operam no enfrentamento à negligência, à violência física e psicológica, à exploração sexual e a qualquer forma de violação envolvendo crianças e jovens. A eleição realizada em outubro ocorreu de forma simultânea em todo o País. Os conselheiros terão mandato de quatro anos. A posse dos novos conselheiros está prevista para o dia 10 de janeiro de 2016.

O processo de escolha dos conselheiros compreende duas etapas: a votação propriamente dita e a avaliação dos candidatos por meio de uma prova de conhecimentos específicos. Neste ano, esta avaliação foi conduzida pela Fundação Guimarães Rosa, escolhida sem licitação pela PBH sob o argumento de que a excelência da instituição dispensaria os procedimentos licitatórios. Para os denunciantes, porém, o alto número de questões anuladas na prova seria uma demonstração de que a alegada excelência da instituição não se sustenta. Ao todo, foram anuladas 12 questões da prova, num universo de 50, o que, na opinião dos reclamantes, acabou favorecendo candidatos que, de outra forma, não teriam condição de se classificar.

Software - Quanto ao software utilizado pela Prodabel, foi considerado frágil e altamente vulnerável a fraudes, conforme definiu o advogado Márcio Ramos da Silva, que representa os denunciantes. “Contamina o processo a insegurança e a vulnerabilidade adotadas na votação, principalmente porque os computadores eram interligados em rede, o que facilita a fraude”, denunciou. “Na falta de urnas eletrônicas, deveriam ser utilizadas cédulas de papel, que, por mais que pareça um sistema arcaico, é o mais seguro”, acrescentou.

Segundo Márcio Silva, resolução do Conselho Nacional da Infância e Adolescência (Conanda) determina que a eleição para conselheiros tutelares deve ser feita, preferencialmente, por urnas eletrônicas cedidas pelo TRE de cada estado. Na falta dessas, deverão ser substituídas por urnas de lona também cedidas pelo TRE, optando-se, assim, pelo processo manual.

Como o TRE-MG não pôde disponibilizar as urnas eletrônicas, devido ao envolvimento de seu pessoal com o processo de cadastramento biométrico para as eleições municipais do ano que vem, a Prefeitura optou por encarregar a Prodabel de elaborar um software próprio. A medida, contudo, foi questionada pela Defensoria Pública. De acordo com o defensor público Wellerson Eduardo da Silva Corrêa, o fato se configura como violação de propriedade intelectual da União, pois, segundo afirmou, a propriedade intelectual da votação eletrônica é da Justiça Eleitoral para qualquer eleição.

Defensoria pública busca anulação do processo

As irregularidades apontadas levaram a Defensoria Pública a entrar com ação civil pública para anular o processo eleitoral. A ação está tramitando na Vara da Infância e Juventude.

O defensor Wellerson Corrêa questiona a legitimidade do pleito: “Qual a idoneidade para chancelar essa eleição? Essa era uma oportunidade única de se fazer uma eleição democrática e participativa e, no entanto, a eleição foi uma bagunça, conselheiros foram eleitos com pouco mais de 300 votos em bairros onde há registro de milhares de eleitores. Não houve divulgação, não havia locais de votação, foi um processo desastroso. Num universo de mais de 1,5 milhão de eleitores, votaram pouco mais de 30 mil. Que legitimidade tem isso?”, indagou. Segundo o defensor, o pleito em outros municípios mineiros também foi questionado, como em Barbacena (Região Central) e Perdigão (Centro-Oeste).

Conselheira desde 2000, Edna Ribeiro diz que já participou de várias eleições, mas nenhuma com um volume tão grande de irregularidades. “O que mais me indignou foi a anulação de 12 questões, um percentual altíssimo, entre 24% e 26%. Por isso, pessoas que não passaram na prova de conhecimentos se mantiveram como candidatos e alguns até foram eleitos. Protocolei documentos no Tribunal de Contas narrando todas as irregularidades. Defendo crianças e adolescentes, famílias de alta vulnerabilidade, precisamos de um trabalho de qualidade”, disse.

Miriam Maria José dos Santos, do Conanda, disse que o órgão não recebeu até agora nenhuma denúncia formal com relação ao processo eleitoral em BH. “Isso me causou muita surpresa”, disse, acrescentando que o Conanda tem a obrigação de normatizar o processo eleitoral nos conselhos e, para isso, aprovou diversas resoluções e um guia em que orientam os conselhos a procurarem o auxílio dos TREs, solicitando a cessão de urnas. Miriam lembrou que essa é a primeira vez que se faz eleição unificada para os conselhos em todo o País e admitiu problemas em outras capitais, como o Rio de Janeiro, onde as eleições foram anuladas.

Ananias Neves, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, disse que nenhuma comunicação foi feita ao órgão em relação ao resultado do processo eleitoral. E lembrou que antes das eleições visitou o presidente do TRE, Carlos Cézar Dias, solicitando a cessão de urnas eletrônicas. Devido às eleições de 2016, entretanto, o TRE não pôde ceder as urnas eletrônicas, mas ofereceu as de lona.

Direito Administrativo - O professor de Direito Administrativo da Faculdade Minas Gerais (Famig), Rafael Boechat, também questionou o processo de votação e a dispensa de licitação da instituição responsável. “A meu ver, o procedimento foi equivocado porque o próprio resultado do concurso, com anulação de tantas questões, já demonstra que não houve excelência na escolha da instituição”, apontou. “No aspecto do Direito Administrativo, há diversas lacunas e vícios, e a Justiça terá que se posicionar”, concluiu.

Elisabeth Rodrigues Ferreira, membro do Fórum Nacional de Conselheiros Tutelares, disse que a eleição unificada faz parte de um projeto para valorização do conselheiro tutelar e é uma luta antiga, iniciada em 1999.

O conselheiro tutelar regional de Venda Nova, Carlos Guilherme da Cruz, também condenou o processo. Entre outras críticas, apontou o baixo número de conselhos tutelares na cidade. Segundo ele, a Lei Orgânica estabelece a relação de um conselho para cada grupo de 100 mil habitantes e Belo Horizonte, cidade com quase três milhões de habitantes, só conta com nove conselhos, um por cada região.

“Afirmo que é impossível zelar pelos direitos da criança e do adolescente com apenas um conselho por regional. Falta estrutura, falta material humano. Os 45 conselheiros não vão dar conta de fazer um bom trabalho, porque a estrutura não permite”, previu, acrescentando que a eleição “transcorreu na ilegalidade, com redução de 70% dos locais de votação em relação à eleição anterior". "Como se falar em universalização do voto?”, indagou.

O diretor da Região Metropolitana da Associação dos Conselheiros e Ex-Conselheiros Tutelares de Minas Gerais, Gabriel Henrique Soares, defendeu o processo, afirmando que as eleições transcorreram “dentro da normalidade”.

Deputados cobram investigação das denúncias

O presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Cristiano Silveira, que conduziu a reunião, disse que ainda que se admita a possibilidade de falhas numa eleição como essa, elas “não podem ser de tal dimensão que comprometam o resultado e a legitimidade do processo”. Lembrou que o pleito é dividido em duas fases – avaliação de conhecimento (prova) e representação da sociedade (voto) – e que as denúncias formuladas interferem nos dois campos. “Então cabe aos órgãos de controle do Judiciário fazer uma avaliação”.

O deputado Paulo Lamac (PT) acrescentou que “os relatos demandam de fato uma investigação”. “Estamos falando de um número muito alto no que diz respeito à anulação de questões”, disse ele, defendendo que a comissão faça um pedido de informações formal à PBH para saber como se deu todo o processo eleitoral.

Na perspectiva de esclarecimento dos fatos, a comissão vai encaminhar uma série de requerimentos com pedidos de providências a órgãos públicos.

Consulte resultado da reunião.