Comissão discute o tratamento de crianças e adolescentes viciados em drogas

Encerramento do Caput é criticado em audiência na ALMG

Centro cuidava de dependentes químicos e deixou lacuna no atendimento especializado de adolescentes na capital.

27/10/2015 - 20:52

O encerramento das atividades do Centro de Atendimento e Proteção a Jovens Usuários de Tóxicos (Caput), em Belo Horizonte, foi bastante criticado por parlamentares e representantes da sociedade civil em audiência pública da Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta terça-feira (27/10/15).

O Centro, que prestava atendimento a adolescentes envolvidos com drogas, está fechado há mais de dois meses, desde a suspensão, em 30 de junho desse ano, de convênio com a Secretaria Estadual de Saúde. A juíza da Vara de Atos Infracionais da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, Valéria da Silva Rodrigues, lamentou o fato porque não há nenhuma política pública estadual voltada para a orientação dos jovens viciados em drogas. “Não temos nenhum encaminhamento para dar, nenhum tratamento. Os Cersam e Capes AD são só para adultos, não têm preparo para atender os adolescentes. E eu já perdi as esperanças de qualquer governo ter políticas direcionadas para eles. Qual investimento o estado brasileiro faz na juventude?”, questionou.

A superintendente de Prevenção da Secretaria de Estado de Defesa Social, Fabiane Rodrigues, também falou da ausência de políticas para crianças e adolescentes. “Só temos seis instituições no Estado todo que atendem os adolescentes. Isso é pouco demais. Precisamos que o Plano Estadual de Políticas Sobre Drogas saia do papel de uma vez. Já passou da hora dessa realidade mudar”, cobrou.

O defensor público José Henrique Maia Ribeiro pediu a reativação do espaço. “Não sabemos o que fazer com esses jovens, para onde mandá-los. Antes tinham para onde ir quando se pedia a medida protetiva. Hoje em dia não temos expectativas de que essas medidas que promulgamos gerem resultados”. O promotor de Justiça, Jorge Tobias de Souza, disse que o Caput não deveria ter sido fechado, mas sim expandido para outras cidades. “Se era algo que estava dando certo, tinha de ter sido ampliado, isso sim”, defendeu.

A coordenadora clínica da Associação Brasileira Comunitária para Prevenção ao Uso e Abuso de Drogas, Priscila Santos Pereira, reforçou que o Caput ajudava bastante, mas pediu também maior apoio e compreensão por parte do Estado com as Comunidades Terapêuticas. “Há muitos militantes da área, pessoas sérias, que desenvolvem projetos que valem a pena”, ressaltou.

O presidente da Comissão, deputado Antônio Jorge (PPS), também frisou a importância das Comunidades Terapêuticas no tratamento dos dependentes químicos. “Precisamos parar com essa besteira de achar que o Estado vai dar conta de tudo, a demanda é muito grande, isso não é possível. E muitas vezes encontramos na sociedade civil prontidão que não tem no ambiente público, são trabalhos de vocação”, ponderou.

Jovens belo-horizontinos iniciam contato com bebidas em casa

Ainda analisando a questão das crianças e adolescentes em contato com as drogas, o coordenador do Centro Regional de Referência em Drogas da Universidade Federal do Estado de Minas Gerais (UFMG), Frederico Duarte Garcia, apresentou alguns dados de sua pesquisa, “Conhecer e Cuidar”, realizada pela Prefeitura de Belo Horizonte, em parceria com a UFMG. Segundo o pesquisador, 1 milhão e 800 mil belo-horizontinos já experimentaram algum tipo de droga na vida, sendo que 300 mil habitantes têm algum transtorno relacionado ao uso e 100 mil são dependentes.

Além disso, segundo o levantamento, 80% dos jovens que experimentaram bebida alcoólica até os 12 anos relataram o terem feito em casa, na presença dos pais. “Nós temos menos diabéticos do que dependentes químicos, mas, ainda assim, existem muito mais políticas públicas e campanhas direcionadas ao primeiro tipo de público. A droga hoje já está tão integrada na nossa rotina e isso prejudica muito as crianças”, afirmou.

O promotor Jorge de Souza falou da questão cultural, que prega o uso do álcool como pré-requisito obrigatório para exercer qualquer atividade de lazer. “Consumir álcool é visto como coisa de adulto. Virou rito de iniciação da vida adulta. Temos de conscientizar os pais que é errado dizer para seus filhos que, quando eles crescerem, vão consumir álcool. Temos dissociar o consumo da bebida da recreação porque a bebida é a porta de entrada para todas as outras drogas”, avaliou.

Autor do requerimento que deu origem à reunião, o deputado Dalmo Ribeiro Silva (PSDB) citou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Centro de Referência Estadual em Álcool e Drogas para criticar a cultura brasileira, que é bastante permissiva com as bebidas alcoólicas. Também autor do requerimento, o deputado Cabo Júlio (PMDB) reforçou que os dados comprovam que quatro em cada dez viciados começaram o contato com as drogas por meio do álcool.

“Não deveríamos pensar uma disciplina no currículo escolar para discutir isso com os nossos jovens? Há descaso dos governos nas políticas preventivas e esse é um problema de todos os governos. Isso nunca foi política de Estado. E temos de trabalhar para mudar isso”, destacou Cabo Júlio. O parlamentar também classificou a sociedade como “hipócrita”, pois muitos “gostam de cheirar cocaína, mas não querem ter de lidar com a violência que se origina do tráfico”.

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