O objetivo da audiência foi debater o laudo sobre as condições sanitárias e de trato dos animais mantidos e comercializados no Mercado Central de BH
Em relação aos problemas sanitários, Gilson Dias destacou a presença de moscas que podem transmitir doenças e a transmissão de salmonela pelas aves
Segundo Fernanda Ciolfi, o CRMV não tem poder para fechar estabelecimentos
Mateus Fernandino disse que a direção do Mercado Central não tinha conhecimento do laudo

Venda de animais no Mercado Central é criticada em reunião

Comissão apresenta laudo que alerta para riscos como de contaminação de alimentos devido à proximidade com animais.

22/10/2015 - 20:49

O Mercado Central de Belo Horizonte estaria descumprindo uma série de normas nas áreas de meio ambiente, de defesa do consumidor e de vigilância sanitária. Apesar disso, nenhum órgão de fiscalização tem conseguido barrar essas irregularidades, por meio de multas ou outras medidas administrativas e judiciais. A constatação é de parlamentares e da maioria dos participantes da reunião que a Comissão Extraordinária de Proteção os Animais realizou nesta quinta-feira (22/10/15), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

A reunião, solicitada pelo presidente da comissão, deputado Noraldino Júnior (PSC), teve como objetivo debater o laudo sobre as condições sanitárias e de trato dos animais mantidos e comercializados no Mercado Central. Encomendado pelo gabinete desse parlamentar, o documento foi elaborado pelo médico veterinário Gilson Dias Rodrigues.

Na opinião de Noraldino Júnior, várias normas legais estão sendo descumpridas pelo Mercado Central e a fiscalização tem sido omissa por não cobrar o cumprimento delas. Ele citou a Lei Municipal de Belo Horizonte 7.852, de 1999, que proíbe a entrada de animais em supermercados, hipermercados e similares. O deputado entende que o Mercado Central deve ser considerado como um similar dessa lei.

“Até quando vão conseguir manipular os deputados, desrespeitando o consumidor, o trabalhador do Mercado Central e as condições de saúde pública?”, questionou. Noraldino citou resposta do conselheiro Joaquim Paranhos Amâncio, do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) de Minas Gerais, a uma cidadã que questionou o órgão quanto as irregularidades com animais no Mercado Central. Joaquim Amâncio, de acordo com o deputado, afirmou que, no Mercado, ocorre uma “mazela social” e que só a mobilização da sociedade mudaria o quadro no local.

Laudo aponta descumprimento de resolução do Conselho de Veterinária

O responsável pela elaboração do laudo técnico sobre as condições do Mercado Central, Gilson Dias Rodrigues, afirmou que a Resolução 1.069, baixada pelo CRMV em 2014, está sendo totalmente descumprida pelo Mercado Central. A norma prevê condições adequadas para o bem-estar animal durante o processo de comercialização. “Dentro da classe veterinária, a realidade do Mercado Central é conhecida e existe o conhecimento dos órgãos fiscalizatórios das irregularidades que ocorrem lá”, confirmou.

Detalhando a Resolução 1.069, Gilson dias explanou que são definidos como elementos impedidores do bem-estar animal: ausência de fome, sede, desnutrição, liberdade para expressar seu comportamento natural, desnutrição, doença, ferimentos, dor ou desconforto, medo e estresse. Para ele, várias dessas condições estariam sendo descumpridas nos estabelecimentos do Mercado Central.

Ainda para o veterinário, o responsável técnico por cada loja que comercializa animais, o administrador do mercado, o dono do box e o órgão fiscalizador são todos responsáveis pelos maus tratos de animais que ocorrem ali. Ainda para ele, a fiscalização vai chegar ao Mercado e com ela, as punições e a população vai se enojar com o que ocorre lá dentro.

Em relação aos problemas sanitários, Gilson Dias destacou a presença de moscas que podem transmitir doenças; e a transmissão de salmonela pelas aves, a qual pode se espalhar pelo ar. Segundo ele, várias leis estão sendo desrespeitadas no local, entre elas, a lei 13.317, de 1999, que contém o Código de Saúde de Minas Gerais.

Complementando a fala, Noraldino Júnior considerou que o CRMV está se omitindo da fiscalização do Mercado Central. “Toda a Resolução 1.069 está sendo descumprida, de cabo a rabo. E nada pode ser feito pelo CRMV? A ineficiência e a omissão desse conselho estão gritantes”, taxou. Na avaliação do parlamentar, também a Vigilância Sanitária tem se omitido na fiscalização do Mercado Central.

De modo semelhante, a deputada Ione Pinheiro (DEM) disse estar assustada com o Conselho de Veterinária. “Vocês estão sendo omissos numa questão séria que acontece no Mercado”. Ela cobrou da própria administração do Mercado Central um posicionamento. “Precisamos de respeito com o povo mineiro; estamos pedindo dignidade e isso é um direito nosso!”

A deputado defendeu responsabilidade da administração no trato com animais e com seres humanos: “Temos que respeitar também os funcionários que ficam lá, convivendo com animais o dia inteiro. E as crianças que visitam o local”. E tentou sensibilizar a administração para uma mudança de atitude. “A direção do Mercado tem a oportunidade de mudar, de fazer de uma nova forma. Do jeito que está não podemos aceitar, com animais presos dentro de gaiolas. Chega!”, indignou-se.

Também o deputado Leandro Genaro (PSB) recorreu à Bíblia Sagrada para criticar a conduta do Mercado. “'O justo tem consideração pelos animais', diz a Bíblia. O Mercado Central é símbolo de coisas importantes de Minas Gerais, mas também comete erros graves e precisa reconhecer seus erros”, defendeu.

Fiscalização se defende das críticas

Provocada pelo deputado Noraldino Júnior, Fernanda Ciolfi, médica veterinária e fiscal do CRMV, respondeu que o órgão não tem poder para fechar estabelecimentos. “O que fazemos é encaminhar as irregularidades para a Delegacia de Meio Ambiente”, completou. Ela acrescentou que cada órgão tem que fazer aquilo que lhe compete. E no caso do conselho, ele só pode agir em cima do Responsável Técnico (RT) de cada estabelecimento que comercializa animais. “Não é atribuição do Conselho recolher animais ou fechar estabelecimentos”, concluiu.

Respondendo pela Vigilância Sanitária, falou Pedro Coutinho, gerente e fiscal sanitário da Regional de Vigilância Sanitária Centro Sul, vinculada à Secretaria de Saúde de Belo Horizonte. “Atuamos fortemente no Mercado Central, mas na área de alimentos. Vários estabelecimentos foram notificados, multados e até fechados pela Vigilância”, revelou.

Entretanto, ele disse que, para o órgão atuar na fiscalização de estabelecimentos que comercializam animais, seria necessário alterar a legislação. “É Preciso conferir à Vigilância o poder de fiscalizar nessa área. Como cidadão, sou contra aquele comércio de animais, mas o órgão tem que seguir as normas vigentes”, ponderou.

Também fiscal da Vigilância Sanitária, Leandro Vasconcelos, declarou que, durante a Copa do Mundo de 2014, o órgão fez um levantamento em locais de grande aglomeração, incluindo o Mercado, para verificar o potencial de contaminação de alimentos. “Foram feitas mais de mil análises e não foi encontrada nos alimentos nenhuma bactéria que provoca doenças”, revelou. Ele disse ainda que, nos últimos anos, não foi detectada nenhuma ocorrência de bactérias nos restaurantes do Mercado Central.

Noraldino não se conformou com as justificativas dos fiscais. Ele citou laudo do Ibama, quando esse órgão ainda fiscalizava o Mercado. Segundo o documento, havia risco de contaminação dos alimentos no local, vendidos a menos de 5 metros de animais. “Isso é risco ou não? Pra mim, existe um boicote na fiscalização”, lamentou.

Advogado do Mercado Central se justifica

Mateus Bonacorsi Fernandino, advogado representante da direção do Mercado Municipal, disse que ela não tinha conhecimento do laudo técnico apresentado na reunião. “Não temos condição técnica ou jurídica para nos pronunciarmos a respeito. Mas é de nosso interesse regularizar qualquer problema que ocorra ali dentro”, alegou.

Ele complementou que o Mercado Central é uma associação civil sem fins lucrativos, que gerencia e fiscaliza todo o local, mas que cada lojista tem autonomia para tocar seu negócio. Ele citou um procedimento aberto pelo Ministério Público em 2003, que envolveu vários órgãos como o CRMV, Prefeitura, Instituto Mineiro de Agropecuária e Polícia Militar, para se criar cartilhas, normas e resoluções, para melhorar as condições de venda de animais no Mercado Central e em toda a Capital. “Até o momento, esse trabalho não foi concluído”, informou

O advogado também destacou que a postura do Mercado sempre foi altamente democrática, de promover a convivência de pessoas de todas as classes. “Nosso pedido é para que população trate o Mercado Central como ele trata as pessoas, de forma respeitosa e democrática. Sobre a decisão judicial, ele disse que ela não impediu manifestações populares, e sim, a invasão do Mercado durante um fim de semana, por pessoas que queriam libertar os animais das lojas.

Para o promotor Luciano Badini, do MP, a grande dificuldade do País não é de legislação, mas de fazer cumpri-la. Nesse sentido, ele destacou o papel dos ativistas sociais, que são importantes para fomentar boas leis e cobrar o cumprimento delas.

Ativistas – Representando entidades de defesa dos direitos dos animais, falaram a presidente da Comissão de Direitos dos Animais da OAB, Edna Cardozo Dias, a integrante do Movimento pelos Direitos dos Animais, Adriana Cristina Araújo, e a presidente da Associação Protetora dos Animais Carentes do Estado de Minas Gerais, Val Consolação. Elas destacaram que os maus tratos aos animais no Mercado Central são evidentes e que é preciso que esse comércio tenha fim.

Ao final, o deputado Noraldino afirmou que vai solicitar o envio de notas taquigráficas ao MP e às entidades que participaram da reunião.

Consulte o resultado da reunião.