Segundo o TCE-MG, foi necessário criar uma rubrica no orçamento do Estado para atender os gastos com judicialização da saúde, como se fosse uma política pública
O conselheiro Sebastião Helvécio apresentou dados sobre a judicialização em Minas Gerais
Fausto Pereira disse que é preciso criar protocolos médicos para indicar as melhores alternativas
Segundo Antônio Júlio, os municípios pagam a conta em nome do Estado e da União

Política de medicamentos pode conter judicialização da saúde

Fornecimento de remédios é a principal demanda levada aos tribunais, segundo o presidente do TCE-MG.

15/09/2015 - 14:28

De acordo com os dados apresentados pelos convidados do primeiro painel desta terça-feira (15/9/15) no Ciclo de Debates Judicialização da Saúde, realizado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), um dos maiores gargalos para reduzir a demanda judicial para solução de problemas individuais de saúde é a política de medicamentos. Segundo o presidente do Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG), conselheiro Sebastião Helvécio, 89% das sentenças nessa área dizem respeito ao fornecimento de remédios.

O conselheiro apresentou outros dados que precisam, na opinião dele, serem avaliados para a construção de uma política efetiva de medicamentos. Segundo ele, os remédios adquiridos via sentença judicial costumam custar à administração pública mais do que o dobro do que quando comprados via licitação – e essa diferença já chegou a quase cinco vezes mais. E apontou, ainda, que os mesmos remédios, dos mesmos laboratórios, chegam a ser vendidos para o Brasil por mais de duas vezes o preço praticado para a Grécia, por exemplo.

Além disso, o conselheiro destacou que quem mais gasta no Brasil com saúde são as famílias, que desembolsariam com planos de saúde, remédios, consultas e exames particulares o equivalente a 53% da receita da área. A União, por sua vez, seria responsável por 23% de tal receita, enquanto os níveis estaduais e municipais de governo participariam com 13% e 11% respectivamente.

Sebastião Helvécio também ressaltou que entre os 20% das famílias mais pobres, mais de 60% dos gastos são para compra de medicamentos, enquanto entre os 20% mais ricos, o gasto maior é com planos de saúde. “Isso demonstra a necessidade de criar uma política pública de medicamentos que reduza essas diferenças”, disse.

O conselheiro do Tribunal de Contas também apresentou dados sobre a judicialização em Minas Gerais. Segundo ele, os gastos com a saúde no Estado subiram de R$ 3,33 bilhões em 2010 para R$ 9,18 bilhões em 2014. “O maior crescimento dos gastos é na administração geral, exatamente para atender à judicialização. Tivemos que criar uma rubrica no orçamento só para isso, como se fosse uma política pública”, disse. Os gastos no atendimento de sentenças judiciais subiram, ainda de acordo com ele, de R$ 48 milhões em 2009 para R$ 328 milhões em 2013. Em 2014, porém, pela primeira vez essa curva foi descendente: os gastos somaram R$ 221 milhões.

Segundo o conselheiro, esse resultado foi alcançado a partir de uma série de medidas que envolveram tanto os diversos órgãos do Poder Judiciário quanto o Executivo. Entre essas ações, estão a busca por normas técnicas que ajudem a embasar as decisões judiciais e outras parcerias que para melhorar o fluxo de informações e facilitar acordos. “A judicialização pode existir, mas não pode ser norteadora dos gastos públicos”, afirmou.

Judicialização reflete fortalecimento da democracia

Sebastião Helvécio fez questão de salientar que há um lado bom na judicialização, que significaria um avanço na ordem democrática brasileira. Para ele, a possibilidade de essas demandas chegarem ao Judiciário e serem atendidas por meio dele é reflexo de uma ordem de separação e independência dos Poderes e da possibilidade de grupos minoritários acessarem o Judiciário.

O secretário de Estado de Saúde, Fausto Pereira dos Santos, concordou e disse que a judicialização reflete o amadurecimento da sociedade brasileira e suas instituições, mas ressaltou que agora é preciso discutir os impactos desse cenário e as perspectivas de avanço.

O secretário ressaltou que é preciso, por exemplo, criar protocolos médicos. “No Brasil tlemos uma ideia de autonomia da prática médica sem similar no mundo. Em outros países, a prática é protocolizada segundo evidências que indicam quais as melhores alternativas em cada caso”, afirmou. Fausto dos Santos defendeu a criação de tais protocolos no Brasil, que deveriam ser criados pelas entidades médicas, e ajudariam, na opinião dele, a tomada de decisões pelo Poder Judiciário.

Os ganhos indevidos que alguns setores estariam alcançando via judicilização da saúde também foram salientados pelo secretário de Saúde. “Advogados, médicos, indústria farmacéutica: muita gente ganha com isso”, disse.

A deputada federal Raquel Muniz (PSC-MG) também tratou dessa questão ao abordar os resultados e recomendações da CPI da Máfia das Próteses e Órteses na Câmara dos Deputados, com a identificação de cartéis envolvendo distribuidores, fabricantes, médicos e advogados. Segundo ela, médicos chegariam a receber 30% dos valores apontados nas notas fiscais em comissões para o uso dos aparelhos, enquanto hospitais recebiam 20%.

Municípios com orçamentos sobrecarregados

Outro problema apresentado pelos convidados é a sobrecarga dos municípios com gastos com saúde a partir dos processos judiciais. “Os municípios estão pagando a conta em nome do Estado e da União. Temos casos de prefeitos sendo notificados durante a madrugada para garantir internações como se eles tivessem autonomia para criar as vagas. Sempre com prazos apertados e ameaças de multas”, afirmou o presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Antônio Júlio. Ele disse, ainda, que enquanto o atendimento primário é responsabilidade dos municípios, não há definição sobre quem deveria se encarregar de tratamentos de média e alta complexidade.

De acordo com o presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde, José Maurício Rezende, em 2014 os municípios gastaram 24% de seus orçamentos com a saúde. Ele destacou, ainda, que apenas 32 dos 853 municípios mineiros registram os gastos com atendimento de sentenças judiciais separadamente dos demais gastos com saúde. Nesses 32 municípios, os gastos com a judicialização já teriam atingido, em 2015, R$ 5,68 milhões.

O deputado Arlen Santiago (PTB) destacou que o aumento de gastos dos municípios reflete a redução dos gastos federais. Segundo ele, enquanto em 2000 os despêndios da União representavam 59% do total gasto com a saúde pública no País, em 2011 esse percentual caiu para 44%.

O deputado Doutor Wilson Batista (PSD), por sua vez, destacou as dificuldades em se conseguir realizar o diagnóstico e o tratamento dos casos de câncer. “Uma lei federal de 2013 garante tratamento em 60 dias após o diagnóstico de câncer, mas o problema é que o paciente não consegue nem o diagnóstico, e fica anos com o pedido de exame em casa sem conseguir realizá-lo”, disse.

O deputado Doutor Jean Freire (PT) salientou que alguns municípios têm encontrado soluções e que essas experiências precisam ser avaliadas. “A Comissão de Saúde esteve em Uberlândia para tratar desse assunto e foi colocado na reunião que as demandas judiciais aumentaram, mas em reunião do mesmo tipo em Montes Claros, vimos o oposto”, disse.

Debates – Na fase de debates, várias pessoas presentes na plateia do Plenário defenderam a judicialização, argumentando que, em muitos casos, ela salva vidas. A delegada da Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves, Juliana Oliveira, mãe de um garoto com doença rara, foi uma das participantes que criticaram aqueles que se mostraram contra o processo. Ela deu seu depoimento pessoal, contando que precisou ir à Justiça para conseguir o tratamento do filho. “Por que ocorre a judicialização? É porque esgotamos todos os recursos possíveis. A via judicial é sempre nossa última tentativa”, afirmou.

Para ela, a vida de uma pessoa em estado de saúde grave não tem preço. “Para quem critica a judicialização, eu pergunto: Quanto vale uma vida?”, questionou. Ela disse, também, que, quem tem filhos com doenças raras, nunca deve desistir. Juliana Oliveira criticou, ainda, o fato de, no evento, não haver quem representasse casos como o dela. “Por que não há na mesa quem entenda de nossa realidade?” questionou.

O deputado Doutor Wilson Batista disse que a proposta do Ciclo de Debates é ouvir a todos. Sobre a judicialização, ele afirmou que é preciso lutar para que avanços da medicina venham produzir resultados na vida das pessoas. “O objetivo deve ser evitar que alguém morra atualmente por uma causa que a medicina poderia estar ali no momento oportuno para salvar uma vida”, completou. Já o deputado Arlen Santiago disse que a judicialização aparece no momento em que faltam remédio ou tratamento para as pessoas.

Segundo o deputado Antônio Jorge (PPS), é preciso ter serenidade no debate público. “Os orçamentos são finitos. O que podemos discutir é a prioridade que se dá a essa ou aquela área”, destacou. Ele disse que a maior parte das ações de judicialização não são referentes a casos de doenças raras.

Programação - As atividades do Ciclo de Debates Judicialização da Saúde prosseguem no período da tarde, com os temas “Qualificação da judicialização e suporte técnico à decisão dos magistrados” e “Caminhos para a redução da judicialização “.