Serviço do Judiciário mineiro disponibiliza especialistas para informar os juízes antes de darem suas sentenças em processos da area de saúde
Para Doutor Wilson Batista, a medicina baseada em evidência é o melhor instrumento para orientar decisões judiciais na saúde
Segundo o promotor Gilmar de Assis, 80% dos procedimentos de saúde registrados pelo MP são resolvidos sem judicialização

TJMG pretende criar câmara de conciliação para a saúde

Medida se somaria a outros avanços recentes para conter o aumento da chamada judicialização da saúde.

04/09/2015 - 09:00

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) pode criar, ainda em 2015, uma câmara de mediação e conciliação para tentar resolver administrativamente as demandas judiciais da saúde, antes mesmo que elas sejam distribuídas a um juiz. A informação é do desembargador Renato Dresch, que integra o Comitê Executivo do Fórum Nacional da Saúde e coordena o Comitê Estadual. De acordo com o desembargador, a criação da câmara já foi decidida, mas alguns detalhes ainda estão sendo discutidos. Dresch é o desembargador designado pelo presidente do TJMG para questões relativas à saúde.

A judicialização da saúde acontece quando alguém recorre à Justiça para obter um medicamento ou tratamento médico que foi negado pelo poder público ou por um plano particular de assistência. Nos dias 14 e 15 de setembro, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais promove o Ciclo de Debates Judicialização da Saúde para analisar as causas do fenômeno, divulgar novas formas de enfrentar a questão e apontar possíveis avanços futuros.

Total de ações judiciais relativas à saúde em Minas Gerais, na Justiça estadual: 38.845

De acordo com números do TJMG, no final de junho de 2015 havia 38.845 ações judiciais relativas à saúde, sendo 19.951 contra o poder público e 18.894 contra empresas que oferecem planos de saúde. A criação de uma câmara de conciliação não é a primeira medida do Judiciário mineiro para tentar conter a judicialização. Desde a criação do Fórum Nacional da Saúde pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2010, várias medidas têm se espalhado pelo País.

Em Minas Gerais, uma das providências de maior sucesso foi a implantação de um serviço de suporte técnico aos juízes, por meio do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (Nats), vinculado ao Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Antes disso, sem informação médica ou farmacológica, muitas vezes os juízes decidiam sob pressão, obrigando o Estado a comprar medicamentos de determinada marca, quando havia produtos equivalentes, já referendados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mais baratos e acessíveis. A assessoria técnica do Nats atendeu essa carência.

O serviço foi instituído por meio de um convênio firmado entre o Estado e o TJMG. A UFMG foi contratada para disponibilizar profissionais para dar informações ao juiz antes de ele decidir por uma liminar ou um pedido de tutela antecipada. As consultas são feitas por e-mail e apenas juízes têm acesso. Atualmente, o convênio com a UFMG está suspenso para casos envolvendo a saúde pública, mas o serviço continua para processos relativos aos planos de saúde. A forma de renovação está em estudo. De qualquer forma, a Biblioteca Digital do Portal do TJMG disponibiliza centenas de notas técnicas já produzidas.

Medicina baseada em evidência é parâmetro para decisões

Para o deputado Doutor Wilson Batista (PSD), que solicitou a realização do ciclo de debates na ALMG, a medicina baseada em evidência é o melhor instrumento para orientar decisões judiciais na área da saúde. Essa prática utiliza a pesquisa científica como padrão para a prática clínica, separando tratamentos com eficácia comprovada de outros experimentais ou mesmo ineficazes.

“Um caso claro foi o stent coronariano. Há o stent convencional e o farmacológico. O convencional custa R$ 2 mil. O farmacológico é muito mais caro, porque dizem que tem uma substância na membrana interna que impede a agregação de trombos”, relata o parlamentar. No entanto, essa vantagem não foi comprovada, segundo ele. “Essas evidências já sanaram muitos desses vícios, mais antigos. Mas sempre surge algo novo. Se a evidência diz que o remédio não resolve, os juízes usam isso para negar as ações”, complementa o deputado. Aqui no Brasil, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) produziu milhares de estudos desse tipo, que já orientam decisões da Justiça.

No Poder Executivo, outra ação importante para lidar com a judicialização foi a criação do Núcleo de Atendimento às Demandas Judiciais. Esse núcleo reuniu os diversos agentes envolvidos nesse processo, dando mais agilidade no cumprimento das sentenças e evitando punição por descumprimento das decisões judiciais. “Um processo judicial é atribuído ao Estado no papel, mas é a Advocacia Geral que defende, o órgão finalístico que é réu e o processo de compras está partilhado em vários pedaços. Não existia uma estrutura para tratar a judicialização, que hoje se tornou maior que muitos programas ordinários da saúde, tais como a farmácia básica”, relata o deputado Antônio Jorge (PPS), ex-secretário de Estado de Saúde.

Para o promotor Gilmar de Assis, a criação desse núcleo especializado contribuiu para reduzir os pedidos de prisão de prefeitos e secretários de Saúde, por descumprimento de decisões judiciais. “Isso está acabando”, afirma. Da mesma forma que o TJMG, o Ministério Público também se esforça por resolver de forma negociada as demandas recebidas, evitando a ação judicial. Segundo o promotor, 80% dos procedimentos registrados hoje pelo Ministério Público, relativos à saúde, são resolvidos administrativamente, sem judicialização.

Membro do Conselho Nacional do Ministério Público, Assis é relator de um projeto piloto para Minas Gerais, Ceará, Pará e Tocantins. A ideia é criar ouvidorias de saúde e transformá-las no canal preferencial para o encaminhamento de demandas, que seriam resolvidas por acordo, no Executivo, evitando a judicialização. Outras medidas que o promotor defende são o acesso de promotores e defensores aos pareceres do Nats e a organização de um banco de dados compartilhado de monitoramento das ações judiciais, para facilitar a identificação de abusos. “A Secretaria Nacional de Gestão Estratégica do Ministério da Saúde estuda, há cerca de dois anos, a criação de um banco de dados nacional”, afirma Gilmar de Assis.