Dez deputados e diversos convidados participaram da audiência pública da Comissão de Esporte, Lazer e Juventude
A reunião foi realizada a requerimento do presidente da comissão, deputado Anselmo José Domingos (à direita)
A maioria dos deputados presentes manifestou-se a favor da liberação do álcool
José Antônio Baeta condenou o lobby dos fabricantes de cerveja

Venda de bebida alcoólica em estádios gera polêmica

Projeto de lei em tramitação pretende regulamentar venda e consumo de álcool nas partidas de futebol.

02/06/2015 - 18:22

A maioria dos parlamentares e convidados presentes à audiência pública da Comissão de Esporte, Lazer e Juventude da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) convocada para debater a venda de bebidas alcoólicas nos estádios manifestou-se favorável ao fim da proibição da comercialização e consumo do produto. Mas houve vozes dissonantes, entre elas a do deputado Antônio Jorge (PPS) e a do procurador de Justiça José Antonio Baeta de Melo Cançado.

A reunião foi realizada na manhã desta terça-feira (2/6/15), a requerimento do presidente da comissão, deputado Anselmo José Domingos (PTC), com a presença de dez parlamentares e diversos convidados, entre os quais representantes de clubes de futebol e da Minas Arena (administradora do Mineirão), da Polícia Militar, das Secretarias Estadual e Municipal de Esportes e do Ministério Público.

Os defensores da liberação da bebida argumentam que a medida atrairia um público maior aos estádios, favorecendo não só os torcedores que gostam de assistir às partidas acompanhados de uma bebida, mas também os clubes de futebol, que poderiam lucrar com um maior número de pagantes. Eles argumentam, também, que não há dados que comprovem qualquer relação entre o consumo de bebidas e o aumento da violência.

Os que apoiam a liberação também apontam como exemplo os jogos da Copa das Confederações, em 2013, e da Copa do Mundo, em 2014, quando, segundo eles, não houve registros expressivos de violência associada às partidas de futebol. Alegam também que a proibição dentro dos estádios não impede que os torcedores, antes de sair de casa ou no percurso até o local da partida, façam uso de bebida alcoólica.

Contudo, os que se declararam a favor da proibição discordam, observando que houve de fato um declínio da violência nos estádios e no seu entorno a partir da proibição, favorecendo o retorno de famílias, mulheres e crianças aos jogos. Além disso, alguns consideraram contraditório, pernicioso e um exemplo negativo para a juventude associar o esporte ao consumo de bebidas alcoólicas.

Projeto proíbe a venda de bebida somente no segundo tempo

Durante a reunião, presidida pelo deputado Anselmo José Domingos, foi apresentado o Projeto de Lei (PL) 1.334/15, do deputado Alencar da Silveira Jr. (PDT), que busca regulamentar a matéria, proibindo a venda e o consumo de bebidas alcoólicas, em dias de jogos, nas dependências de estádios de futebol, quando da realização de eventos esportivos. O projeto ainda estende a proibição a uma área de 500 metros em torno dos estádios. Contudo, essa proibição só seria válida a partir do primeiro minuto do segundo tempo das partidas de futebol, permitindo-se a venda das bebidas alcoólicas durante os 45 minutos do primeiro tempo e no decorrer dos 15 minutos de intervalo.

Segundo o autor da matéria, nos Estados Unidos, a comercialização de bebidas alcoólicas é proibida somente no último tempo, nos jogos de basquetebol. O deputado Alencar da Silveira Jr., presidente do América Futebol Clube, disse ainda que o presidente da ALMG, deputado Adalclever Lopes (PMDB), é favorável a que se faça um movimento de discussão intensa da matéria, buscando a regulamentação.

O deputado Anselmo José Domingos lembrou que em Minas Gerais a proibição de venda de bebidas alcoólicas nos estádios foi suspensa somente durante os jogos da Copa das Confederações e da Copa Mundo e que a legislação federal tem gerado diversas interpretações. Disse ainda que o tema é polêmico também na Europa, onde há países que liberam o álcool, como a Inglaterra, e outros que o proíbem, como a Itália.

Pessoalmente, o presidente da comissão se mostrou favorável à liberação da venda e consumo de cerveja, considerando o mais baixo teor alcoólico dessa bebida em comparação com destilados, por exemplo. Disse ainda que procurou se informar e não encontrou “dados ou estudos que criassem um liame de causa e efeito entre a ingestão da bebida e a violência”.

O deputado Geraldo Pimenta (PCdoB), que é médico, admitiu que o álcool é responsável por uma série de doenças do fígado, do sistema nervoso, coração e pâncreas, além de ser também motivo de aumento de acidentes de trabalho e de trânsito e mesmo da violência urbana. Contudo, disse que tenderia a ser favorável à liberação, uma vez que nada impede que os torcedores bebam antes de chegar ao estádio. Alertou, porém, para a necessidade de “investimento maciço em educação e segurança”.

O deputado João Vitor Xavier (PSDB), que já foi frontalmente contrário à proposta, afirmou que hoje começa a rever sua posição, porque, segundo ele, a proibição não trouxe resultados significativos em casos de grande violência, que, acredita, estariam mais relacionados às brigas de torcidas ou outros motivos. “É importante avançar na regulamentação da legislação, a fim de se garantir o direito de impedir o acesso de pessoas embriagadas aos estádios”, disse.

O deputado Fábio Avelar de Oliveira (PTdoB) concordou com esse posicionamento e disse acreditar que a maioria dos torcedores bebe mais fora do campo. O deputado Ulysses Gomes (PT) disse que o assunto merece ser aprofundado, mas reconheceu que “a experiência das Copas mostrou que é possível a venda sem grandes conflitos”. Por isso, manifestou-se favorável ao PL 1.334/15.

Dizendo-se um apaixonado por futebol, o deputado Gustavo Valadares (PSDB) disse que “é uma hipocrisia” proibir a comercialização de bebidas dentro dos estádios, mas permitir a venda do lado de fora, contribuindo, com isso, para aumentar a aglomeração e a confusão nas proximidades das arenas até poucos minutos antes dos jogos. “As pessoas se aglomeram na entrada dos estádios, bebendo, e só poucos minutos antes é que entram. Isso gera confusão e insegurança”, disse. “As administradoras dos estádios estão perdendo dinheiro e só quem ganha são os ambulantes”, continuou.

O deputado Gustavo Corrêa (DEM) também manifestou-se a favor da liberação do álcool. Para ele, “violência não tem ligação alguma com bebida” e existem mecanismos capazes de “impedir o acesso dos baderneiros aos estádios”. Na sua opinião, um desses mecanismos seria aumentar o valor do ingresso. “Tenho certeza de que as administradoras dos estádios têm meios para controlar isso”, disse.

Há três meses integrando a direção do Clube Atlético Mineiro, o deputado Fred Costa (PEN) também manifestou-se favorável à liberação de bebidas alcoólicas nos estádios, alegando que nada comprova que o uso desse produto estaria diretamente vinculado ao aumento da violência nos jogos. Ele citou alguns estudos segundo os quais "não há qualquer tipo de correlação entre segurança e consumo de bebida” e disse que “99% dos torcedores sabem se comportar”.

Voz contrária - Reconhecendo a sua “posição minoritária”, o deputado Antônio Jorge (PPS), que é médico, fez muitas críticas ao uso do álcool e considerou “uma armadilha” tentar separar cerveja de outras bebidas de maior teor alcoólico, alegando que, se o teor de álcool da cerveja é menor, em compensação o consumo é muito maior. Segundo ele, depois que chega à corrente sanguínea, todas as bebidas alcoólicas fazem o mesmo efeito, afrouxando as regras morais e sociais.

Ele criticou a mídia, o Conselho Nacional de Regulamentação Publicitária (Conar) e os fabricantes de cerveja que patrocinam eventos esportivos e defendeu o fim desse tipo de propaganda, a exemplo do que foi feito com o cigarro. Segundo ele, com o fim da propaganda, nos últimos 30 anos foi possível reduzir em 30% o número de fumantes no País.

O parlamentar disse ainda que em muitos países europeus o consumo de bebida alcoólica é proibido em público. “Na Inglaterra, por exemplo, não se pode beber nas ruas e nos parques. Quem quer beber vai para um pub ou um lugar fechado”, disse.

Procurador sugere que a Assembleia aguarde julgamento do STF

Argumentos jurídicos também foram apresentados tanto por apoiadores da liberação como pelos que são contrários. O procurador de Justiça José Antonio Baeta de Melo Cançado alegou que o Supremo Tribunal Federal (STF) está analisando uma ação direta de inconstitucionalidade movida contra os Estados da Bahia e do Espírito Santo por terem aprovado leis permitindo a liberação. Segundo o procurador, as leis aprovadas seriam inconstitucionais, uma vez que se sobrepõem à legislação federal, como o Estatuto do Torcedor, que prevê que o torcedor não pode estar presente no estádio se estiver consumindo qualquer bebida suscetível de causar violência.

O relator da matéria no STF é o ministro Ricardo Lewandowsky, e o resultado do julgamento dessa ação deverá ser conhecido ainda neste semestre. Por causa disso, o procurador sugeriu que a Assembleia aguarde a conclusão desse julgamento para depois tomar qualquer decisão a respeito. Segundo ele, ficaria “muito feio” para uma casa legislativa votar uma matéria e, depois, vê-la ser considerada inconstitucional pelo STF. “Não é recomendável”, disse. Além disso, Baeta entende que essa discussão deveria ser feita no Congresso Nacional.

Clubes - As considerações de Baeta foram rebatidas pelo superintendente de Gestão Estratégica do Cruzeiro Esporte Clube, Sérgio Santos Rodrigues, para quem nada impede que a Assembleia legisle sobre a matéria enquanto o STF não se pronuncia.

Ele e o representante do Clube Atlético Mineiro, Lucas Tadeu de Aguiar Otoni, defenderam a liberação das bebidas alcoólicas nos estádios, argumentando que não há estudos que assegurem ter havido aumento da violência por causa do consumo dessas bebidas nos estádios. Alegaram também que a liberação atrairia um número maior de torcedores ao campo, favorecendo os clubes, “que vivem situação pré-falimentar”, no dizer de Otoni. Os dois deram ainda vários exemplos de outros países, como Inglaterra, Portugal e Estados Unidos, onde a bebida é liberada nos estádios sem que, por isso, tenha havido aumento nos índices de violência, segundo disseram.

Cervejarias – Por sua vez, o procurador José Antônio Baeta também condenou o lobby dos fabricantes de cerveja, que tentam, por todos os meios, associar o futebol e o esporte ao consumo de álcool, iludindo a juventude e o consumidor, a ponto de intervir até no nome de um estádio de futebol na Bahia, transformando o Fonte Nova em Itaipava Fonte Nova.

Ele se declarou “assustado” com alguns comentários feitos durante a audiência segundo os quais estudos e pesquisas dissociariam a violência nos estádios do consumo de álcool. “Acho que se dá exatamente o contrário, porque o futebol evidencia a rivalidade e estádio não é local de congraçamento, mas de disputa. O ingrediente principal, pela própria essência desse esporte, é a rivalidade, e não há dúvida de que o álcool potencializa a violência”, considerou. Na opinião dele, por trás da defesa há interesses comerciais e econômicos.

Segundo ele, o álcool é uma droga lícita e cabe às autoridades discutirem isso com franqueza. “Ou vamos defender o que os fabricantes querem – a união do álcool com o esporte? É isso o que defendemos para a nossa juventude?", questionou. “Se álcool é bom para o esporte, então os jogadores, antes de entrarem em campo, também podem tomar uma cervejinha, não?”, ironizou.

Finalizando, ele afirmou que a questão do álcool é de saúde pública e disse que via com extrema preocupação as posturas dos que afirmavam que a Copa do Mundo foi exitosa nesse ponto. “Quem prega isso não trabalhou na segurança da Copa. O consumo só não foi proibido por uma questão de quebra de contrato entre a Fifa e uma companhia de cerveja, a Budweiser, o que acarretaria altos custos. Mas a Fifa cogitou proibir o uso de álcool, tal o nível de distúrbios. É que isso foi escondido do público brasileiro”, denunciou.

Tema envolve muitos interesses

O secretário de Estado de Esportes, Carlos Henrique, destacou que o tema envolve interesses diversos – econômico, esportivo, científico, religioso e político - e que o assunto tem que ser tratado tendo em vista também a legislação federal. “Estamos vivendo um momento de adesão das famílias aos estádios, motivada pela sensação de segurança devido à proibição da bebida”, disse. Ele defendeu também a identificação de todas as pessoas que têm acesso aos jogos, de forma a evitar problemas. Para ele, a violência está relacionada diretamente ao uso de drogas e a gangues ligadas a torcidas organizadas.

“O assunto envolve muitos interessados e vai culminar numa decisão legislativa. Caso essa proposta venha a ter sucesso, é preciso ter muito clara a conscientização da necessidade de que se faça uso moderado da bebida”, afirmou. Segundo ele, o Governo do Estado não tem ainda uma posição a respeito, preferindo ouvir primeiro, colher dados e informações para analisar o problema.

Representante da Polícia Militar, o major Harley Wallace Moreira disse que a PM não pretende criar dificuldades caso a ideia seja a de liberar bebidas durante os jogos, até porque não é responsável pelo policiamento no interior dos estádios. Mas, segundo ele, a sugestão do comandante da corporação, coronel Marco Antônio Badaró Bianchini, é de que a venda seja proibida 30 minutos antes de cada partida. O militar considerou também as queixas dos moradores do entorno dos estádios, que reclamam do aumento do número de ambulantes devido à aglomeração de pessoas, o que gera mais insegurança, desordem e sujeira.

Pesquisa - O gerente de operações da Minas Arena, Severiano Braga, admitiu que houve problemas durante a Copa do Mundo, mas disse acreditar que, se a matéria for regulamentada, pode dar certo. Segundo ele, pesquisa realizada pela empresa administradora do Mineirão concluiu que 80% das pessoas que frequentam o estádio se sentem mais seguras do lado de dentro do que do lado de fora. Por outro lado, no tocante à comercialização e ao consumo de bebidas alcoólicas, acha que a matéria precisa continuar sendo debatida, já que os próprios torcedores se mostram divididos, como demonstrou outra pesquisa da Minas Arena realizada em 2013 e 2014. “Vamos continuar a pesquisa em 2015”, disse.

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