Responsáveis por viaduto que desabou trocam acusações
Para presidente da Consol, Cowan não seguiu o projeto, fazendo mudanças que comprometeram estrutura na Av. Pedro I.
26/05/2015 - 20:00 - Atualizado em 27/05/2015 - 11:03Representantes da Consol Engenharia e da Construtora Cowan trocaram acusações quanto à responsabilidade pela queda do Viaduto Batalha dos Guararapes, em julho de 2014, em Belo Horizonte, que matou duas pessoas e feriu várias na Avenida Pedro I. Maurício de Lana, diretor-presidente da Consol, responsável pelo projeto técnico do viaduto, apontou problemas na execução da obra, enquanto José Paulo Toller Mota, diretor da Cowan, que executou o serviço, afirmou que houve erros de cálculo no projeto. Os dois participaram de audiência pública da Comissão de Transporte, Comunicação e Obras Públicas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na tarde desta terça-feira (26/5/15).
De acordo com Maurício de Lana, a mudança no projeto que permitiu a abertura de 42 janelas no corpo do viaduto fragilizou sua estrutura e provocou a queda. Ele relatou que a Cowan enviou correspondência à Consol para que avaliasse tecnicamente a possibilidade de abertura de duas janelas na laje superior do viaduto, o que não foi autorizado pela empresa projetista. “No entanto, a Cowan fez 42 janelas no viaduto. Todas essas mudanças não foram objeto da anuência da projetista. E eu desconheço se houve aprovação da Sudecap e do Crea-MG”, alertou, fazendo referência à necessidade de a autarquia da Prefeitura responsável pela obra – a Superintendência de Desenvolvimento da Capital - e do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia se manifestarem nesse caso.
O dirigente da Consol listou outros irregularidades que a Cowan teria cometido, como a retirada muito rápida do escoramento do viaduto e o o uso de concreto vencido em uma parte da estrutura. Ele também criticou a falta de uma estrutura de fiscalização mais eficaz por parte da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).
Fiscalização deficiente - A deficiência na fiscalização, de acordo com Maurício de Lana, impediu que se respondesse uma pergunta fundamental sobre a capacidade do bloco do pilar P3, que se rompeu. “Nem a Prefeitura, nem a construtora, nem o Instituto de Criminalística responderam a pergunta quanto à capacidade de suporte do bloco. Pois eu digo que ela é de mais de 1.500 toneladas”, afirmou. Para se ter uma ideia dessa capacidade, Lana detalhou que ela corresponde a um peso de 60 caminhões com carga máxima de 17 toneladas sobre a área. “Ou seja, teria que haver seis andares de caminhões empilhados para esse bloco se romper”, detalhou.
Para Lana, a alegação de que a estrutura era fraca não procede. Na sua avaliação, outros fatores contribuíram para o colapso do viaduto. Ele acrescentou que a Consol, após o acidente, entregou dois relatórios, nos dias 24 e 31 de julho, com a análise do projeto do bloco de fundação e também solicitando informações sobre os projetos construtivos. “A Prefeitura de Belo Horizonte não nos deu nenhuma informação para que pudéssemos colaborar na análise do problema”, lamentou.
Além disso, Maurício de Lana disse que a participação da Consol na obra se deu em duas etapas: no contrato de projeto, que se iniciou em 2009 e foi finalizado em agosto de 2011; e por último, por meio de contrato de apoio técnico, que vigorou de janeiro de 2011 a 31 março de 2013. “A obra teve início após o término do nosso último contrato. Várias passarelas, viadutos e trincheiras foram finalizados. E em nenhuma dessas construções foi detectado qualquer problema estrutural”, garantiu.
Cowan diz que houve erro de cálculo no projeto
Munido de uma maquete da parte do viaduto que se rompeu, o diretor da Construtora Cowan, José Paulo Toller Mota, rebateu as acusações da Consol. De acordo com Mota, o erro do projeto da Consol foi não ter dimensionado que a carga do bloco do pilar P3 pudesse ser transferida de modo uniforme para as dez estacas que ficam em volta do viaduto. Pela análise dele, apenas duas dessas estacas foram sobrecarregadas, recebendo uma carga de 2.500 toneladas, o que fez com que essas estruturas afundassem sete metros no chão.
José Paulo Mota também rebateu as acusações da Consol de que a causa do acidente seriam as janelas feitas no viaduto. Ele respondeu que em obras similares ao Viaduto Batalha dos Guararapes, como os Viadutos B e Norte-Sul, construídos no período em que a Consol atuava na fiscalização, foram feitas várias janelas nessas edificações.
Mota explicou que, no viaduto inteiro, a Consol projetou apenas quatro janelas que não permitem que se entre embaixo do viaduto. Por isso, afirmou o dirigente da Cowan, houve necessidade de se abrir novas janelas nas laterais da obra. Essa estruturas permitem, durante a obra, o trabalho com segurança dos operários e atendem normas de engenharia civil; e após a conclusão, possibilitam a manutenção do viaduto, de modo que se possa entrar embaixo da laje para fazer verificações de rachaduras, infiltrações ou outras pequenas falhas na estrutura. Além disso, José Paulo Mota disse que a Cowan contratou laudos que comprovaram que a abertura das janelas não comprometeria a estrutura nem provocaria qualquer rompimento.
Sobre o uso de concreto vencido, José Paulo Mota respondeu que o concreto e o aço utilizados em todas as partes do projeto estavam de acordo com as especificações técnicas. Ele citou o laudo do diretor de Criminalística da Polícia Civil, o qual aponta que a Cowan executou rigorosamente o projeto entregue pela Consol. Ele acrescentou que a norma técnica permite que seja usado concreto vencido desde que sejam obedecidos alguns procedimentos, como avaliação visual e realização de ensaios (testes) com o material.
Ao contrário do que afirmou Maurício Lana, o dirigente da Cowan disse que a retirada do escoramento não foi feita às pressas. "Naquele momento, já havia a decisão de que o viaduto não ia ficar pronto para a Copa do Mundo. Tanto que o tempo de retirada do simbramento foi de 27 dias", destacou.
Falhas na fiscalização, no projeto e na sua execução
Frederico Correia de Lima Coelho, engenheiro do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (Ibape), citou que a Polícia Civil já emitiu seu laudo sobre o assunto e convocou os implicados para prestarem satisfação. Segundo ele, o laudo da criminalística aponta indícios de problemas quanto à fundação e à forma de remoção da estrutura de apoio ou escoramento.
Na avaliação do engenheiro, há problemas de fiscalização, de projeto, de execução e ainda um problema sistêmico: a forma de contratação do serviço de engenharia, que considera apenas o menor preço e exige um prazo exíguo para conclusão da obra. “A falta de projetos detalhados, no Brasil inteiro, causa riscos às nossas edificações e onera o poder público de forma demasiada”, concluiu.
Deputados fazem questionamentos
O deputado Gilberto Abramo (PMDB), que solicitou a reunião, lamentou a ausência de representantes da PBH. Ele anunciou que vai negociar na Câmara Municipal de Belo Horizonte a realização de audiência com a convocação da Prefeitura. Também considerou equivocado o sistema que permite que o contratante da obra seja o mesmo que a fiscaliza. “Acho que o Crea-MG deveria desempenhar seu papel nessas situações, nomeando um engenheiro para fiscalizar essas grandes obras”, sugeriu.
Ele avaliou ainda que a PBH tem grande culpa no acidente, por não ter fiscalizado adequadamente o empreendimento. E anunciou que iria redigir um requerimento cobrando da Polícia Civil e do Ministério Público os laudos e depoimentos prestados nesses órgãos. A solicitação recebeu apoio do presidente da comissão, deputado Deiró Marra (PR).
O deputado Deiró Marra ainda perguntou ao representante da Consol qual a solução apresentada por ele ao barrarem a abertura das janelas no viaduto. Maurício Lana informou que a empresa apenas rejeitou a proposta e que depois o contrato com a PBH já tinha terminado.
Os deputados Deiró Marra e Gustavo Valadares (PSDB) questionaram o representante da Cowan se a construtora fazia uma revisão do projeto quando o recebia da Consol. José Paulo Mota respondeu que, no caso da obra do Viaduto Batalha dos Guararapes, a PBH fez o contrato de projeto básico e executivo com a Consol e contratou somente a obra com a Cowan. “No contrato conosco não há nenhuma obrigação de a Cowan realizar qualquer cálculo estrutural. A projetista da Consol é quem envia os cálculos”, disse. Ele completou que a norma técnica diz que a construtora deve fazer análise crítica dos projetos, mas que essa avaliação se dá em relação aos desenhos do projeto.
O deputado Iran Barbosa (PMDB) questionou os dois dirigentes quanto à existência de e-mails alertando sobre a possibilidade de erros no projeto e mesmo sobre risco de queda. Nesse ponto, Maurício Lana e José Paulo Toller concordaram que em nenhum dos e-mails ou outros tipos de comunicações houve qualquer menção a isso. Segundo eles, havia apenas pedidos de informações com relação a pequenos detalhes do projeto.
Sobre esse aspecto, Lana defendeu que “Todo projeto deveria ser ser devidamente revisado no momento de sua execução”, defendeu Lana, da Consol. Toller, da Cowan, concordou, afirmando que “numa obra dessa magnitude há diferenças entre o projeto e o campo”.
Por fim, Toller disse ter ficado surpreso com o depoimento da arquiteta e diretora aposentada da Sudecap, Maria Cristina Novais, a qual relatou que havia erros graves no projeto e na sua execução. “Não são citados quais erros. Em nenhuma das 337 páginas, ela citou um erro no bloco P3. Por que ela assinou esse desenho? E por que ela deixou-o seguir para a construtora executar?”, questionou.
Lamentando as perdas de vidas no acidente, o vice-presidente da comissão, deputado Anselmo José Domingos (PTC), afirmou que ficou uma lição. “Pelo que entendi, não houve conferência recíproca, seja da empresa projetista, seja da executora da obra”, disse ele, defendendo que seja incluída no custo da obra a conferência dos cálculos, para evitar acidentes futuros. Mauricio Lana concordou com o deputado. “Projeto, obra, apoio e controle – a ação da engenharia deve se dar com base nesses quatro aspectos”, concluiu.