Pais denunciam adoções irregulares em Barbacena
Processos judiciais de perda da guarda de filhos teriam sido conduzidos de maneira arbitrária.
11/05/2015 - 16:07 - Atualizado em 11/05/2015 - 16:32Pais que tiveram os filhos encaminhados à adoção supostamente irregular denunciaram abuso de poder na atuação da Vara de Família e Cível da Infância e da Juventude de Barbacena (Região Central do Estado), durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta segunda-feira (11/5/15) no município. Advogados e familiares dos menores narraram o que consideram “arbitrariedades” que envolveriam o juiz Joaquim Martins Gamonal.
David Oliveira Dias, pai de um dos menores que teriam sido encaminhados irregularmente para adoção, relatou emocionado a maneira como foi afastado de seu filho há dois anos. Ele e sua esposa não teriam sequer sido ouvidos em audiência. Sua advogada, Lígia de Oliveira Braga, se ofereceu para manter a guarda da criança e a teve durante seis meses, mas a criança teria sido levada de forma brusca. David Dias também rebateu as acusações feitas contra ele, afirmando que o Conselho Tutelar não encontrou nada que o desabonasse.
A advogada Lígia de Oliveira Braga ratificou o testemunho de David Dias. Segundo ela, o menino teria sido adotado irregularmente por um médico amigo do juiz Joaquim Martins Gamonal. Ela também criticou a postura do magistrado, relatando que os tios-avós de David e uma prima tentaram obter a guarda da criança, mas todos os processos teriam sido suspensos sem julgamento. Segundo ela, ao questionar o juiz sobre onde se encontra a criança, ele teria respondido que o menino “está no Suriname por sua culpa”. A advogada solicitou satisfação sobre onde e como está o garoto e espera que o caso seja apurado corretamente.
Marcos Bonfim, advogado da menor Jeciane Martins, relatou que antes da conclusão do processo de adoção, a criança, que deveria estar sob guarda provisória, teria recebido outro nome de sua família adotiva. Ele contou ter ajuizado vários pedidos de habeas corpus pela ilegalidade do ato, que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) acatou, devolvendo a criança à mãe, mas mesmo assim o filho lhe foi tirado três vezes. A respeito das acusações feitas à mãe, ele garantiu que não houve o devido processo legal e que o inquérito foi engavetado na delegacia de polícia. O advogado criticou ainda o fato de haver documentos sob segredo de justiça, pois ele teria a prerrogativa de acesso a esses papéis, na condição de advogado de defesa da mãe biológica.
Casa de Acolhimento - Responsável pelo encaminhamento das denúncias à ALMG, o ex-integrante da Comissão de Direitos Humanos e Ética de Barbacena (Codhe), Luciano Avilis Marioley, reclamou que a imprensa local tem abafado as denúncias de adoção irregular em Barbacena. Ele relatou, ainda, suposta omissão das autoridades locais em relação a estupro de menores, que engravidam em razão de abusos que estariam ocorrendo dentro da Casa de Acolhimento - espaço municipal destinado a acolher menores vítimas de violência.
Juiz rebate acusações
O juiz Joaquim Martins Gamonal rebateu as acusações feitas à sua atuação na Vara de Família e Cível da Infância e da Juventude de Barbacena. Ele confirmou a existência de uma única denúncia formal, feita por uma mãe menor de idade, mas não deu um depoimento detalhado alegando segredo de justiça.
Quanto à denúncia apresentada por David Oliveira Dias, o magistrado afirmou que tentou manter a criança com os pais biológicos e tenta fazê-lo em todos os casos, mas quando há o processo de destituição familiar, a ele cabe apenas proferir a sentença judicial. Sobre as denúncias de inquéritos engavetados, perseguições e cerceamento, afirmou serem todas inverídicas. Ele disse, ainda, estar tranquilo em relação às denúncias, porque não há nenhuma dúvida em relação ao resultado das apurações.
O presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), Herbert José Almeida Carneiro, defendeu que o juiz só pode ser condenado após uma rigorosa investigação. "Ele só pode ser punido se existirem provas, e não com base apenas em especulações e acusações”, disse. O juiz Joaquim Martins Gamonal também recebeu apoio da promotora Giovanna Araújo da Cruz.
Autoridades querem apuração das denúncias
O presidente da comissão, deputado Cristiano Silveira (PT), que solicitou a realização da audiência, lembrou que as denúncias já foram encaminhadas ao Ministério Público e à Corregedoria Estadual de Justiça. Ele defendeu uma apuração séria dos fatos e disse que o objetivo da reunião em Barbacena é obter informações adicionais e esclarecimentos para futuros encaminhamentos. Por fim, ressaltou que a comissão pedirá providências a diversas autoridades, como Corregedoria de Justiça, Conselho Nacional de Justiça e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG).
O desembargador do TJMG Doorgal Borges de Andrada defendeu a apuração rigorosa das denúncias apresentadas em Barbacena. “Não importa quem é a autoridade, se juiz, deputado, médico ou polícia. Todos devem respeitar os direitos humanos”, disse. Segundo ele, há outros depoimentos de meninas que nem puderam ver os filhos ao nascer, e duas gestantes menores estariam escondidas por medo de ter os filhos retirados na maternidade.
Rosana Paiva Soares de Quadros e Rodrigo Augusto de Oliveira de Paula, respectivamente presidentes dos Conselhos Tutelar e Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente, garantiram que só tomaram conhecimento das denúncias pela imprensa. “Não se pode fazer um julgamento a priori. É importante denunciar, mas sobretudo averiguar com cuidado todas as denúncias”, ponderou Rosana Quadros.
Cassilda Araújo, representante da Secretaria Municipal de Coordenação de Programas Sociais, abordou o trabalho da Rede de Atendimento, responsável pelo encaminhamento à adoção, e da Casa de Acolhimento, o programa municipal destinado a receber crianças e adolescentes vítimas de violência e abuso.
Segundo Cassilda, todos os menores levados à Casa são encaminhados pela Justiça e foram vítimas de graves abusos. Ela afirmou desconhecer casos em que os menores não necessitassem realmente de apoio e rechaçou as acusações de estupro dentro da instituição. “A Casa estimula o envolvimento com as famílias com o propósito de reativar o vínculo. Os menores são acolhidos e não prisioneiros, podem ou não permanecer, e muitos fogem quando estão visitando as famílias", disse.