Comissão de Direitos Humanos debateu a situação das ocupações urbanas por moradia em Belo Horizonte e Região Metropolitana
Deputados manifestaram-se solidários à lutas das famílias
Claudius Vinicius disse que tem havido esforço de negociação com as famílias do Isidoro

Moradores de ocupações da Isidoro alegam impasse com a PBH

Falta de acordo em processo de negociação dificulta solução para a área onde vivem cerca de 8 mil famílias.

06/05/2015 - 16:12 - Atualizado em 07/05/2015 - 13:58

Os moradores das ocupações da região do Isidoro, em Belo Horizonte, reclamaram, em reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta quarta-feira (6/5/15), da falta de diálogo com as autoridades no processo de negociação para a desocupação da área. Segundo eles, esse processo estaria sendo imposto pela construtora Direcional e por representantes da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e do Governo do Estado.

De acordo com os depoimentos, o que se apresentou à mesa de negociação foi uma proposta unilateral para retirada das famílias e derrubada de todas as edificações, hortas e benfeitorias já feitas pelos moradores, para posterior realojamento de "parte deles" em edifícios a serem construídos no projeto Minha Casa, Minha Vida pela PBH na região, com "possível" pagamento de auxílio-aluguel. Entretanto, os testemunhos afirmaram haver muita inconsistência, injustiça e incertezas na proposição, além de diversos questionamentos não respondidos.

Os moradores rechaçaram a postura da mesa de negociação até o momento, declarando que não foram ouvidos e nem contemplados com a suposta solução apresentada. Ressaltaram, ainda, que a situação é grave também porque o processo de despejo estaria repleto de irregularidades. As lideranças comunitárias afirmaram que os moradores estão dispostos a fazer concessões, mas querem ser ouvidos e apresentar propostas alternativas, porém são ignorados. A ausência de representantes da PBH na reunião também foi duramente criticada.

As coordenadoras das ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória denunciaram a discriminação que os moradores dos assentamentos sofrem, como recusas de atendimento nos centros de saúde e nas escolas públicas. Elas também alertaram que é preciso levar em consideração as benfeitorias que os moradores fizeram em áreas que antes eram abandonadas, com abertura de ruas e construção de casas e hortas. 

“Qualquer derramamento de sangue que houver nas ocupações da Isidoro será responsabilidade do senhor Claudius Vinicius Leite Pereira, da Cohab-MG, e do prefeito Marcio Lacerda, que nunca 'dá as caras'. Nunca houve tentativa de negociação, apenas imposição da vontade deles na nossa  'goela abaixo'”, afirmou Eliene Veloso, líder da ocupação Vitória.

“Milhares de famílias estão lutando por seu direito à moradia digna, para que possam criar seus filhos com qualidade de vida. São trabalhadores que estão antecipando o seu direito à habitação. Ninguém está lá por achar bonito, e sim por necessidade", afirmou Charlene Cristiane Egídio, líder da ocupação Rosa Leão. "Não aceitaremos migalhas, mas sim moradias dignas para todas as famílias que lá estão. Sem isso, é impossível caminhar para algo pacífico”, continuou.

RMBH - Representantes de ocupações em Ibirité, Nova Lima e Rio Acima (RMBH) também relataram conflitos e se queixaram do descaso das prefeituras e da falta de acesso a saúde e educação. Em relação a Nova Lima, houve denúncias contra a mineradora AngloGold, que estaria ameaçando os moradores das ocupações com a conivência das autoridades locais.

Movimentos sociais apoiam ocupações

Isabela Miranda, coordenadora das Brigadas Populares, acusou a PBH de não participar de nenhuma mesa de diálogo com os moradores da Isidoro. Segundo ela, a proposta apresentada é indigna porque não contempla todas as famílias. “Apresentamos uma proposta em que os moradores abririam mão de 50% do território, desde que a Direcional abrisse mão de 10% das construções, mas a empresa não aceitou. Isso não é negociação; é imposição”, criticou.

Clara Moreira, advogada do Coletivo Margarida Alves, criticou a criminalização dos movimentos sociais. “O processo de negociação da Direcional é o mais arbitrário que eu já vi, pois desrespeita princípios do programa Minha Casa, Minha Vida, do Estatuto das Cidades e da própria Constituição. Não queremos implodir a mesa de negociação; queremos que ela seja justa e responsável”, concluiu.

O Frei Gilvander Moreira, da Pastoral da Terra, lembrou que o conflito na Isidoro envolve 8 mil famílias. “É preciso serenidade para evitar que aconteça aqui um dos maiores massacres do País", disse. “Se os terrenos não estivessem abandonados, não seriam ocupados. Até um ministro do Supremo Tribunal Federal já falou que ocupação é direito constitucional. É para pressionar o poder público, pois terras abandonadas não cumprem a sua função social”, concluiu.

Leonardo Péricles Vieira, coordenador do Movimento de Lutas de Vilas e Favelas, reiterou a ausência de negociação em todos os processos de desocupação da Isidoro. “Ou o morador aceita a proposta miserável da construtora Direcional ou é despejado. Isso não é negociação, pois não se ouve o lado dos trabalhadores”, lamentou. Ele ainda criticou a postura da Justiça nos conflitos que envolvem pessoas mais humildes e afirmou que os moradores não vão aceitar o despejo. “Estamos aqui para conversar, mas se precisar, iremos para o enfrentamento”, disse.

Deputados e autoridades querem solução de consenso

O presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Cristiano Silveira, as deputadas Marília Campos e Geisa Teixeira, todos do PT, manifestaram apoio à lutas das famílias. O deputado Cristiano Silveira reiterou o compromisso da comissão com a mediação dos conflitos e com a busca de uma solução consensual para o impasse.

A deputada Marília Campos ressaltou as peculiaridades de cada ocupação e a sua expectativa de se chegar a um consenso. Ela propôs um requerimento para cobrar das autoridades a garantia de serviços públicos essenciais para os moradores das ocupações. Por fim, se ofereceu para atuar como intermediária no processo de negociação com o Governo do Estado, “a fim de buscar soluções boas e dignas para todos”.

A defensora pública Cleide Aparecida Nepomuceno, que tem acompanhado a tramitação dos processos de desapropriação, disse que todos têm o direito de serem ouvidos e de manifestar suas posições. “O momento ainda é de negociação”, afirmou. Suas palavras foram endossadas pelo procurador de Justiça Afonso Henrique de Miranda, que sugeriu a criação de uma área especializada em conflitos urbanos no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

Presidente da Cohab relata impasse nas negociações

Único representante do poder público presente à audiência, Claudius Vinicius Leite Pereira, presidente da Cohab-MG, ressaltou que tem havido um esforço de negociação com as famílias da Isidoro. Segundo ele, anteriormente não havia sequer uma proposta para negociar com as famílias, e o prefeito tinha uma posição intransigente. “A mesa de negociação é a busca de uma saída pacífica”, disse.

Segundo Pereira, a PBH concorda em contemplar algumas famílias das ocupações nas unidades do Minha Casa, Minha Vida previstas para a Isidoro. Ele informou que, em casos especiais, as famílias podem ser atendidas com auxílio aluguel, enquanto se constroem os prédios do Minha Casa, Minha Vida.

Diante das críticas, ele disse que não tem autonomia para apresentar uma proposta diferente. “O que existe no momento é a proposta do empreendedor, que não é aprovada pelos moradores. Portanto, na mesa de negociação não há muito o que fazer, pois não temos condições de avançar”, concluiu.

Consulte o resultado da reunião.