Projeto do etanol no centro de impasse no Plenário
Embora discordem sobre pauta, deputados da situação e oposição tentam manter otimismo sobre retomada das votações.
10/12/2014 - 20:17 - Atualizado em 15/12/2014 - 15:32Maioria, Minoria, base do Governo, situação, oposição, obstrução, emendas, duodécimos do Orçamento. Termos como esses nunca estiveram tão em alta nas reuniões do Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Os desdobramentos das últimas eleições acabaram por mudar o panorama político no Parlamento estadual, resultando em um impasse que trava as votações no Plenário desde o dia 17 de julho.
Apesar dos transtornos, já que matérias importantes ainda aguardam um desfecho da sua tramitação, deputados da base do Governo e da oposição, que devem trocar de lado a partir do próximo ano, concordam em uma coisa: a divergência de opiniões, mesmo que muitas vezes trave o andamento do processo legislativo, é normal e contribui para a evolução da democracia.
A Reunião Ordinária desta quarta-feira (10/12/14), encerrada por falta de quórum após muitas discussões e nenhuma votação, foi mais um reflexo disso. Na prática, deputados da oposição ao atual Governo do Estado não concordam com o teor de algumas proposições que estão na pauta do Plenário. E para evitar que elas sejam votadas do jeito que estão, lançam mão da prática da obstrução, usando para isso de medidas previstas pelo Regimento Interno da Assembleia.
No topo da lista dessas proposições polêmicas está o Projeto de Lei (PL) 5.494/14, de autoria do governador, que reduz o ICMS sobre o etanol. Ele tramita em regime de urgência e está na chamada faixa constitucional, o que barra a votação de outras matérias antes que ele seja apreciado.
Na sequência da pauta do Plenário desta quarta-feira (10), estavam ainda nove vetos do governador a proposições de lei, todas também na faixa constitucional, e ainda cinco propostas de emenda à Constituição (PECs) que, assim como os vetos, exigem o chamado quórum qualificado para serem aprovadas, conforme prevê o Regimento Interno. Isso sem contar o PL 5.497/14, que traz do Orçamento do Estado para 2015, que ainda não foi incluído na pauta do Plenário. Pelo Regimento Interno, a ALMG não pode entrar em recesso sem que essa matéria seja aprovada. Cabe então ao Executivo mobilizar sua base de apoio na ALMG, que representa a maioria dos deputados, para as votações.
Na outra ponta, justamente por discordarem do teor de algumas dessas proposições, os deputados da oposição, que compõem a chamada Minoria, podem lançar mão da prática da obstrução, como deixar o Plenário ou estender a discussão do projeto e assim forçar um acordo. Esse jogo democrático, com suas regras sempre ditadas pelo Regimento Interno, só se complica no encerramento desta sessão legislativa (ano de trabalho na ALMG) e legislatura (correspondente aos quatro anos de mandatos dos deputados atuais) em virtude da mudança do grupo político no comando do Executivo e da necessidade de composição de novas maiorias e minorias, que influirão nos rumos do futuro Governo do Estado.
De um lado, o Executivo considera importante aprovar as matérias na pauta para deixar a casa em ordem para o novo governo. Na outra ponta, a oposição argumenta que algumas medidas têm exatamente a intenção oposta, a de atrapalhar o trabalho do futuro governador.
O presidente da ALMG, deputado Dinis Pinheiro (PP), avalia que o impasse nas votações é reflexo do cenário pós-eleições, as mais disputadas da história brasileira entre os dois principais grupos que dominam a política nacional. Para fazer frente a isso, ele cobra mais empenho dos colegas, sobretudo daqueles que compõem a base do atual governo.
“Há um ambiente externo contaminando lamentavelmente a Assembleia de Minas. A sociedade mineira espera somente uma coisa do Parlamento: atitude. E para isso é preciso retomarmos as votações. Alguns deputados precisam apurar o senso de responsabilidade e se posicionar. O bom senso deve sempre prevalecer, e o interesse coletivo deve ser tratado de forma prioritária”, afirmou Dinis Pinheiro. Ele acena com o corte de ponto dos faltosos, medida que, segundo ele, já fez surtir seus efeitos nas reuniões de Plenário desta semana.
Nessa linha, ele reforça a necessidade de diálogo, embora se mostre alinhado com as posições do atual governo. “Estou me colocando à disposição para intermediar as tratativas necessárias para destravar a pauta. Mas há nas críticas também muitos subterfúgios para que não avancemos. Não estou aqui para administrar a irresponsabilidade. Os preceitos das últimas administrações estaduais foram o planejamento, a responsabilidade e o cumprimento da lei fiscal”, avalia o presidente Dinis Pinheiro.
Duodécimos - O deputado Durval Ângelo (PT), cotado como líder do futuro governo, faz um retrato do estágio atual dos entendimentos. “Não temos consenso sequer em questões preliminares, o que dizer da Lei Orçamentária. A proposta de Orçamento é totalmente irreal”, diz, reforçando a possibilidade de o próximo governador ter que lançar mão do recurso dos duodécimos, ou seja, gastar mensalmente, com despesas correntes, até 80% do valor projetado para o Orçamento 2015 dividido por 12. “Governar por duodécimos do Orçamento é perfeitamente constitucional. Não há nada de errado nisso, caso seja necessário”, defende.
A situação, segundo o deputado Durval Ângelo, beira o ineditismo. “Estamos longe de um consenso. E o problema não está aqui dentro da Assembleia, está fora, lá na Cidade Administrativa. O presidente Dinis Pinheiro não tem nenhuma autoridade para retirar as emendas embutidas no projeto (do etanol). Ele está cumprindo o seu papel e não merece críticas. Por isso, faço um apelo ao governador Alberto Pinto Coelho que termine o ano com altivez, mas sem querer prejudicar o próximo governo”, lamenta.
Esperança de um acordo de última hora para liberar a pauta
Embora irredutíveis em suas posições, os líderes da Maioria e da Minoria na Assembleia não descartam um acordo na última hora que permita a retomada das votações no Plenário. Para isso, eles concordam que os dois lados terão que ceder, embora o quadro atual de impasse também seja considerado inédito na ALMG. “Sou um otimista. Todo encerramento de ano é muito tenso e ainda acredito em um acordo, mas jamais vi um clima tão complicado como o de agora”, afirmou o líder da Maioria, deputado Gustavo Valadares (PSDB).
“Não dá para simplificar a situação. A ALMG não vota nada desde julho”, lembra o líder da Minoria, deputado Sávio Souza Cruz (PMDB), em alusão à corrida eleitoral. “Por isso chegamos à situação de ter vários vetos em faixa constitucional, que travam a pauta. E mesmo assim esse governo insiste em aprovar dezenas de emendas embutidas em um projeto até louvável, o do ICMS do etanol, que iriam sangrar ainda mais o Estado, contaminando o governo que vai tomar posse e liquidando o futuro dos mineiros”, critica.
Segundo o deputado Sávio Souza Cruz, falta comando político à administração que está encerrando o seu trabalho, mas a situação pode ainda se reverter. “Tudo depende de o atual governo entender a sua morte prematura e, em um rasgo de lucidez, votar aquilo que realmente é importante e urgente. Há propostas que não são urgentes e outras cuja importância é justamente impedir que elas sejam votadas. O problema é que o que é realmente importante está atrás dos vetos na pauta”, explica.
Já o deputado Gustavo Valadares atribui o impasse justamente à alternância de poder, um dos valores mais caros da democracia. “Um governo está se encerrando e o outro está pronto para se iniciar. Isso gera uma confusão muito grande entre situação e oposição, sobretudo no Legislativo. Os papéis estão se invertendo. Há um grupo de parlamentares aqui na Casa que estão vivendo essa transição também, ou seja, estão deixando de ser situação neste governo para ser também situação no novo”, diz. Segundo o parlamentar, é natural que esse grupo fique mais reticente. “Na verdade, o novo governo já está se utilizando dessa nova base que está construindo, com deputados que pertencem à base do atual governo”, acrescenta.
O deputado Gustavo Valadares diz que o impasse nas votações interessa aos futuros titulares do Executivo. “Para esse novo governo, votar qualquer matéria que seja abre um precedente perigoso. Eles não querem se mostrar desde já contraditórios no discurso, mas já estão se mostrando. Por isso, se votarem o projeto do etanol, que é um dos principais trancando a pauta, eles vão sofrer a pressão, por exemplo, dos servidores do Estado querendo que votem seu reajuste (PL 5.592/14), dos professores atingidos pela Lei Complementar 100 (PEC 69/14) ou da Defensoria Pública (PL 5.640/14). Por isso, para eles é mais confortável não votar nada, inventando milhões de defeitos em todos os projetos”, critica.
Negociação por uma pauta mínima de votações
O otimismo de que uma solução negociada ainda seja possível também une as posições dos líderes do Governo, deputado Luiz Humberto Carneiro (PSDB), e do Bloco Minas Sem Censura, deputado Ulysses Gomes (PT). Para este último, é possível reverter o impasse até o final da próxima semana, e o caminho para isso é o entendimento em torno de uma pauta mínima de votações. “Mas, para que isso aconteça, é preciso, por parte do atual governo, a compreensão de que ele perdeu a eleição e de que o próximo governador e a sua base na Assembleia precisam de mais informações sobre os projetos na pauta”, afirma o deputado Ulysses Gomes.
O deputado petista critica a forma como a transição vem sendo encarada pelo Executivo. “Estamos vivendo uma transição de faz de conta, já que nossa equipe não obteve até agora condições de uma avaliação real da situação econômica do Estado. Por esse motivo, é impossível votar projetos da magnitude dos que estão na pauta, com os impactos financeiros que causarão”, aponta. Apesar de reconhecer a prática da obstrução, ele repassa a responsabilidade aos seus colegas da base do governo. “Nós ainda somos minoria. O bloco que represento tem só 21 deputados. A absoluta maioria dos deputados ainda fazem parte do atual governo e, mesmo assim, desde julho não se vota nada nesta Casa”, compara.
O deputado Ulysses Gomes concentra suas críticas no PL 5.494/14, do ICMS no etanol, que recebeu diversas emendas encaminhadas pelo Executivo após o início da sua tramitação. “Esse projeto simboliza nossa preocupação, pois no mérito dele, a redução do ICMS, já há o acordo. Nós votaríamos sem problema o projeto original, mas aproveitando o caráter de urgência, o governo acrescentou a ele penduricalhos. É um cavalo de troia, um projeto bonito mas que tem dentro dele um monte de soldados para fazer com que o próximo governo não funcione”, disse.
O deputado Luiz Humberto Carneiro, por sua vez, lamenta o impasse, mas lembra que ele deve ser encarado com naturalidade. “Essa situação é normal no jogo democrático. Eu esperava que tudo terminasse da melhor maneira possível, pois o governo que sai está com a maior boa vontade de deixar a casa arrumada. Há até alguns projetos que considero que a oposição não tem interesse em votar porque querem apresentá-los no ano que vem”, destaca.
De acordo com o líder do Governo, o que está faltando são argumentos dos deputados oposicionistas. “Não basta ser contra. Não dá para ser contra tudo. Está até difícil descobrir o que não é de interesse da oposição, como nas emendas do projeto do etanol. É preciso argumentos para que seja possível uma negociação. Como isso não é possível, resta entrar nessa disputa, e é o Plenário que vai decidir”, diz.
O parlamentar aproveita para fazer um apelo aos colegas da base do governo. “Ainda acredito que vamos conseguir votar as matérias pendentes, talvez já na próxima semana. Isso vai depender da nossa base estar presente. Quando tivermos 39 deputados que concordam com uma posição, e isso já temos, mas que também estejam presentes no Plenário, vamos conseguir”, aponta.